Omissão federativa
Sem nova lei para dividir o Fundo de Participação dos Estados, governo recorre a manobra para garantir os repasses de janeiro
Foi apenas com uma manobra de última hora que o governo federal pôde distribuir na semana passada a primeira parcela do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que reparte entre as unidades da Federação 21,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI.
Os recursos, que devem somar R$ 74 bilhões neste ano, são a principal fonte de receita de nada menos que um terço dos Estados brasileiros. Não há exagero em dizer que, sem essas verbas, alguns governos estaduais não teriam condições de fechar suas contas. É difícil compreender, portanto, como o Congresso Nacional e o Executivo federal, por pura omissão, permitiram que os repasses do FPE pudessem ficar sob ameaça de interrupção, como ocorre desde o começo deste ano.
Fixadas em 1989, as regras do fundo -que deveriam ter sido atualizadas em 1992, com base no Censo do ano anterior- foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, em 2010. Como mudanças repentinas poderiam ocasionar grande impacto na conta dos Estados, a corte agiu bem ao dar ao Congresso um período de carência para definir novos critérios de repartição.
Esse prazo terminou no dia 31 de dezembro de 2012 e, como se sabe, nada foi feito. Ou melhor, criou-se uma situação esdrúxula na qual o governo federal, para não deixar com o pires na mão Estados como Amapá e Roraima, segue uma orientação do Tribunal de Contas da União e finge que o ultimato do STF ainda não está valendo.
A solução é precária. Ainda que o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, tenha discutido o assunto com o presidente do STF, Joaquim Barbosa, não há como saber se o tribunal, caso provocado por algum Estado insatisfeito, validará o remendo, sobretudo se ele se prolongar por mais de um mês.
Após anos de inação, o Congresso agora espera aprovar em fevereiro as novas regras para a divisão do FPE. Pelos critérios vigentes nas últimas duas décadas, 85% dos recursos iam para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e as verbas eram distribuídas entre os Estados numa proporção fixa, com base em indicadores socioeconômicos dos anos 1980.
Embora não tenham sido pequenas as transformações demográficas e econômicas pelas quais o Brasil passou desde então, os projetos de lei que tramitam no Senado não parecem interessados em fazer uma revisão séria dos critérios.
Se, como tudo o mais sugere, o entendimento político sobre o tema se restringir a alterações cosméticas, terá sido perdida, e não pela primeira vez, uma grande oportunidade para aperfeiçoar o equilíbrio da Federação.
EDITORIAIS
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Mochilas blindadas
As seguidas tragédias provocadas por atiradores ensandecidos nos Estados Unidos elevaram a procura por um item ainda pouco conhecido no Brasil: as mochilas escolares a prova de balas.Uma loja de armas de Salt Lake City que comercializa o produto relata ter recebido 200 pedidos em apenas um dia logo após o massacre de Newtown, em dezembro, que resultou na morte de 20 crianças e seis funcionários da escola primária Sandy Hook.
O acessório já existe há alguns anos. A Backpackshield ("mochila-escudo"), do Texas, começou a vender mochilas blindadas "a pais protetores e preocupados" em 2007, após a morte de 32 pessoas na Universidade Virginia Tech.
O preço é alto, mas não chega a ser proibitivo. A BulletBlocker ("bloqueadora de balas"), de Massachusetts, oferece versões entre US$ 209 (R$ 424) e US$ 469 (R$ 952), incluindo um modelo com camuflagem militar. "A segurança de seu filho: ter sua mente em paz é o nosso negócio", diz o slogan.
De fato, é difícil ficar tranquilo. Após o último massacre, encorpou nos EUA o debate sobre restrições à compra de fuzis. Como consequência, a procura por armas aumentou -muita gente quer garantir a sua enquanto há tempo. Só em dezembro, 2,8 milhões de pessoas solicitaram antecedentes criminais -um termômetro da venda de armas.
O comércio aquecido sugere a força do lobby armamentista e aponta para os problemas que o presidente Barack Obama terá para aprovar medidas restritivas. Seria ingenuidade, contudo, supor que apenas nos EUA o mercado da segurança privada se alimenta da insegurança pública.
Segundo dados oficiais, existem no Brasil 1.500 empresas que atuam no setor e 540 mil vigilantes. Um estudo da Organização dos Estados Americanos, porém, estima números maiores: 2.904 empresas e 1.675.415 profissionais -contra somente 330.940 policiais.
Mau sinal. Sempre que o Estado falha em regular os relacionamentos humanos, ressurge o fantasma da guerra de todos contra todos e a tentativa de converter cada canto em uma fortaleza.
No Brasil, a demanda por mochilas blindadas é pequena, já que episódios como o da escola do Realengo, em 2011, são raros. Mas arrastões, em condomínios ou restaurantes, fazem parte do cotidiano de muitas cidades brasileiras.
Parcelas crescentes da população buscam saída em couraças particulares, mas cabe ao Estado oferecer uma solução coletiva a esse problema da vida pública.
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