Bruna Sensêve
Estado de Minas: 06/02/2013
Nova pesquisa do Consórcio de Vigilância para o Câncer de Mama dos Estados Unidos reacende o debate sobre um tema que divide a comunidade médica brasileira e mundial. Falta consenso para definir quando a mamografia deve começar a figurar entre os exames de rotina das mulheres e com que frequência ela deve ser feita. Depois de analisar mais de 140 mil prontuários de pacientes com idade entre 66 e 89 anos, os cientistas americanos afirmam que, assim como foi anteriormente demonstrado para mulheres mais novas, o exame a cada dois anos é tão benéfico quanto o anual. O primeiro ainda teria como vantagem a menor incidência de resultados falso positivos, que podem, em seguida, acarretar procedimentos invasivos e um estresse desnecessário para as pacientes. O medo das mulheres em terem um câncer diagnosticado tardiamente, o excesso de precaução por parte dos médicos e a agressividade da doença nas mais jovens pesam do outro lado dessa balança.
O estudo da instituição americana analisou os dados de mulheres submetidas a mamografias entre janeiro de 1999 e dezembro de 2006. Cerca de 3 mil participantes foram diagnosticadas com câncer de mama e quase 138 mil não apresentaram a doença. As pacientes foram divididas entre aquelas que fizeram o exame anualmente e as que passaram pelo mamógrafo a cada dois anos. O resultado das análises demonstra que a mamografia bienal tem risco semelhante de apresentar a doença em estágio avançado que a feita de ano em ano. "Isso sugere que o exame anual não levaria a um melhor equilíbrio de benefícios versus malefícios. Como no caso de mulheres mais jovens, as mais idosas que se submetem à mamografia anual estão em alto risco de resultados falso positivo e recomendações de biópsia, e sem benefício adicional por fazerem exames mais frequentes", concluem os pesquisadores no artigo publicado no Jornal do Instituto Nacional do Câncer, dos Estados Unidos.
De acordo com o estudo, nas mamografias anuais, a incidência de falso positivo é de 48%. A taxa cai para 29% quando o exame é feito a cada dois anos. “"Nossas descobertas são consistentes com trabalho anterior, mostrando que a triagem bienal em comparação com a anual em mulheres com a idade de 50 a 74 anos mantém a maioria dos benefícios, mas resulta em menos danos", conclui Dejana Braithwaite, autora principal do estudo e professora de epidemiologia e bioestatística da Universidade da Califórnia, em São Francisco. O artigo publicado vai de encontro à recomendação da instituição americana que indica o exame bienal para mulheres de 50 a 74 anos. A informação é diferente, no entanto, do que é proposto pela Sociedade Americana do Câncer: o exame anual a partir dos 40 anos.
Exatamente a mesma diversidade de opinião pode ser observada no Brasil. O Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Câncer (Inca) recomendam o exame a cada dois anos por mulheres entre 50 e 69 anos. Já um colegiado composto pelas sociedades brasileiras de Ginecologia e Obstetrícia, Mastologia e de Radiologia compartilham a opinião das instituições americanas correspondentes, que defendem a mamografia anual. Segundo Arn Migowski, epidemiologista da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede do Inca, principalmente em mulheres mais idosas, o exame anual pode detectar um nódulo que não vai se desenvolver nem se manifestar, mas que pode levar a intervenções e tratamentos desnecessários.
"É o mesmo caso que temos com o câncer de próstata em homens. É detectado um câncer de evolução muito lenta, de forma latente, que talvez nem fosse diagnosticado em vida e a pessoa acabaria morrendo por outra causa. Mas, quando descoberto, acaba sendo tratado desnecessariamente. É o que chamamos de sobretratamento", diz. A mamografia com o fim de rastreamento para o câncer nessa faixa etária nem chega a ser recomendada pelo médico, com exceção de mulheres com casos anteriores da doença, com lesão ou reclamação da paciente, segundo Migowski. “A visão atual sobre o exame é muito mais moderada que uma certa panaceia da prevenção. Existe uma supervalorização em determinados meios em relação aos benefícios e se esquecem de falar dos riscos. O Ministério da Saúde procura balancear os riscos e os benefícios indicando o exame nessa faixa etária", completa Migowski.
Progressão agressiva Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) da Região Centro-Oeste, Rodrigo Pepe lembra que é preciso considerar o número de casos diagnosticados precocemente. Ele detalha que, para o tumor chegar a um centímetro, ele precisa estar no corpo da mulher em média há oito anos. Ainda nos primeiros cinco anos, Pepe explica que talvez seja impossível fazer qualquer tipo de diagnóstico, mas, depois, é mais fácil, pois o aumento é progressivo. "Sempre é melhor descobrir um tumor com meio centímetro do que com um. Se eu diagnosticar um tumor hoje, ele certamente terá um tamanho maior do que no ano passado. Se existe um intervalo de dois anos, uma janela de oportunidade para o diagnóstico precoce é perdida", alerta.
Segundo Pepe, a partir de um centímetro, em média a cada três ou quatro meses, o tumor dobra de tamanho, e a progressão tende a ser ainda mais agressiva em mulheres mais jovens. Por isso a recomendação da SBM para que o exame seja feito anualmente a partir dos 40 anos. Indicação não compartilhada pelo oncologista Alessandro Leal, do Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês em Brasília. Ele lembra que diversas análises e estudos retrospectivos anteriores ao do grupo americano já apontam resultados similares. A população com menos de 50 anos deve ser rastreada a depender do risco, representado por mulheres com histórico familiar de câncer de mama ou modificações genéticas conhecidas na família.
Além disso, a mamografia pode não ser o exame mais indicado para a detecção nessa população. A ecografia mamária, a ressonância magnética e a tomossíntese de mama são os mais apropriadas para mamas mais densas. "Mulheres com idade inferior aos 50 anos costumam ter mamas mais densas. Quanto maior a densidade mamária, menor a capacidade, a sensibilidade da mamografia em detectar um câncer. Por isso, é mais útil (a mamografia) em mulheres acima dos 50", assegura Leal, que reforça que há uma dificuldade mundial em estabelecer uma rotina clínica para a detecção do câncer de mama. "Existe um excesso de zelo ao se falar de câncer de mama. Não só das mulheres, mas dos profissionais de saúde, que também têm medo em excesso. Cria-se às vezes uma ansiedade desnecessária e uma necessidade de exames que vão gerar no futuro tratamentos desnecessários."
Cobrança por qualidade
No Dia Nacional da Mamografia, comemorado ontem, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) enviou um ofício ao Ministério da Saúde cobrando o andamento do Programa Nacional de Qualidade em Mamografia, que deverá instituir uma série de ações voltadas para a garantia da qualidade dos equipamentos e dos profissionais envolvidos no exame. Em 2010, relatório do Tribunal de Contas da União mostrou que a metade dos quase 2 mil mamógrafos da rede pública de saúde do país estava quebrada, subutilizada ou em péssimo estado de conservação. Um selo de qualidade do equipamento – atualmente emitido por um colegiado das sociedades brasileiras de Mastologia, de Ginecologia e de Radiologia à voluntários que desejem atestar a qualidade de seus mamógrafos – deverá se tornar obrigatório com a aplicação do programa.
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