Celina Aquino
Estado de Minas: 08/02/2013
É cada vez mais raro ver uma jovem engravidar por opção. Adiar a maternidade virou tendência na sociedade contemporânea, já que muitas mulheres preferem investir na carreira antes de constituir família. A possibilidade de escolher o momento certo para ter filho é uma conquista do ponto de vista profissional, mas pode se tornar um problema, considerando que a fertilidade cai naturalmente com o tempo. Para se ter uma ideia, uma mulher de 40 anos tem chance 80% menor de ser mãe quando comparada a uma de 35, que está no auge reprodutivo. Mais que nunca, a classe médica quer alertar as pacientes sobre as consequências da maternidade tardia para que elas possam tomar uma decisão consciente e correr atrás de alternativas, como o congelamento de óvulos.
Acostumada a receber casais com dificuldade para ter filho, a clínica de reprodução assistida Huntington quer atrair também outro tipo de público: mulheres a partir dos 25 anos, sem suspeita de infertilidade, que decidem atrasar a gravidez.
“Quando se fala em planejamento familiar, o que vem à cabeça é o uso de anticoncepcional, que foi uma revolução em termos de controle feminino da fertilidade. Mas as mulheres não estão se preocupando com o tempo em que a gravidez deve ocorrer. O ser humano tem um limite biológico”, aponta o especialista em reprodução assistida e coordenador da unidade Huntington no Hospital Samaritano de São Paulo, Paulo Bianchi.
O médico terá a missão de descobrir precocemente se existe queda, por motivo que não seja idade, na chance natural de gravidez. A resposta vem com uma série de exames, de sangue e imagem, que fazem uma estimativa da reserva ovariana. A partir do resultado, que geralmente mostra que não há alteração, o especialista vai ajudar a mulher a planejar sua gravidez, lembrando que a fertilidade tende a diminuir. Bianchi sugere o controle a cada dois anos para pacientes de até 30 anos e anualmente para as mais velhas. Como a ciência ainda não consegue prever com qual velocidade o potencial reprodutivo vai cair, recomenda-se fazer o checape para não haver surpresa na fase em que a fertilidade já é reduzida.
Se ficar comprovada uma queda inesperada da reserva ovariana, a mulher tem duas alternativas. Pode antecipar os planos de engravidar, quando for possível, ou lançar mão de técnicas para preservar a fertilidade. O importante é não deixar passar o momento da decisão.
Há cinco anos em uso, o congelamento de óvulos tem ganhado um número crescente de adeptas. O procedimento segue a mesma sequência da fertilização in vitro, a diferença é que depende de duas etapas em momentos diferentes. O diretor científico da Pró-Criar Medicina Reprodutiva em Belo Horizonte, Ricardo Marinho, explica que a ovulação também é estimulada com medicamentos para que seja possível colher o material. “Nessa hora, quando se trata de fertilização in vitro, os óvulos são levados para o laboratório e fertilizados com o sêmen do parceiro. No caso da preservação, eles vão passar por diversas soluções até serem congelados a 180 graus negativos.” Ainda não se sabe por quanto tempo os óvulos podem permanecer guardados em nitrogênio líquido, mas acredita-se que não há um limite. A vantagem é que não há problema ético em descartar o material, como ocorre com embriões. Existe até a possibilidade de doação. Do ano passado para cá, nasceram mais de mil crianças em todo o mundo com a técnica.
O procedimento é indicado para mulheres com até 35 anos, pois a partir dessa idade serão congelados óvulos de qualidade ruim. Marinho também esclarece que devem ser colhidos pelo menos 10 unidades, o que no futuro oferece mais de uma chance de transferência de embriões, mas nenhum número vai garantir a gravidez. “Com o congelamento de óvulos, não estou prometendo que vou resolver o problema de fertilidade. A mulher precisa entender que, se tem um parceiro, não deve esperar para ter filho. Ela deve estar consciente do envelhecimento dos óvulos e priorizar a maternidade”, pontua o especialista.
EMBRIÕES CONGELADOS Para as pacientes casadas que querem adiar a gravidez, Paulo Bianchi dá mais uma opção, que é o congelamento de embriões. Procedimento também eficiente, só que mais antigo, usa a mesma técnica da fertilizaçao in vitro. O que muda é o tempo de desenvolvimento dos embriões, que precisa ser mais longo quando se faz de imediato a transferência. “Isso também não garante que a mulher vai conseguir engravidar no futuro, mas vai preservar as chances que ela tem naquele momento”, pondera Bianchi. O número de embriões congelados varia de acordo com a idade da mulher.
Especialistas em medicina reprodutiva são unânimes em dizer que a mulher não deve adiar tanto a maternidade, mesmo que tenha óvulos ou embriões congelados. Isso porque as técnicas de preservação da fertilidade não diminuem os riscos de uma gravidez tardia. Com o passar do tempo, aumentam as chances de complicações, entre elas a pré-eclâmpsia, o diabetes, o parto prematuro, a redução do líquido amniótico e o aborto natural. A idade também influencia no surgimento de doenças que podem causar infertilidade, como endometriose e pólipos uterinos. “O pico de incidência dessas doenças coincide com a fase em que a fertilidade vai diminuindo. Em consequência, há redução da chance de gravidez natural”, diz O único risco minimizado é de má-formação do feto, mais comum em idade avançada, já que a carga genética do embrião corresponde à data do congelamento.
A presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, Maria Inês de Miranda Lima, reconhece que a preservação da fertilidade é um grande avanço, mas lembra que é uma solução cara e dolorosa, que não deve virar rotina. “Não é igual a tomar pílula. A mulher deve ter conhecimento do risco que corre deixando a maternidade para mais tarde”, afirma. A médica observa que a cultura mudou, mas a qualidade do óvulo não se altera. Para a natureza, o ideal é gerar um filho entre 18 e 28 anos. “Vemos mulheres casadas e com situação resolvida que querem comprar imóvel e conhecer a Europa antes de engravidar, como se o mundo fosse acabar quando tiver filho”, comenta.
De acordo com Maria Inês, todos os ginecologistas são orientados a incentivar as pacientes a engravidar mais cedo, mas o cenário não parece ser favorável. A mulher primeiro quer fazer faculdade, depois se estruturar financeiramente e buscar o sucesso profissional para então pensar em um bebê.
PROBABILIDADE EM QUEDA
>> Diferentemente do homem, que produz espermatozoides constantemente, a mulher já nasce com o número contado de óvulos. Em um processo natural, que pode ser acelerado por fatores externos, toda representante do sexo feminino vai perder a fertilidade ao longo da vida.
>> Os óvulos se formam quando a menina ainda está na barriga da mãe.
A quantidade máxima, que chega a oito milhões, é atingida até o quarto mês de gestação. O problema é que, desde antes de nascer, a criança começa a perder óvulos e por isso nasce com um milhão. Quando chega a puberdade e a menstruação, o número cai para 500 mil. Mais tarde, a mulher perde cerca de mil óvulos a cada mês.
>> A genética determina a quantidade de óvulos com a qual a menina vai nascer, mas fatores ambientais, como tabagismo e cirurgia, aceleram a perda.
>> O avanço da idade não influencia apenas na quantidade, mas na qualidade dos óvulos, fator que determina a chance de a mulher gerar um embrião saudável. A qualidade é perdida mais precocemente que a quantidade.
>> Infelizmente, não existe mudança de estilo de vida que mantenha a fertilidade por mais tempo. Há fatores, porém, que podem acelerar a perda, incluindo cigarro, mais nocivo, e baixo peso. Por outro lado, hábitos saudáveis, que deixam o organismo equilibrado, podem manter o potencial reprodutivo.
>> Não é nada fácil engravidar por reprodução assistida, como muitas imaginam. Se a pessoa atrasa a maternidade e vem a fase de baixa fertilidade, nem
os tratamentos vão garantir resultado positivo. O número de tentativas provavelmente vai ser maior, o que aumenta o ônus financeiro, físico
e emocional.
Fonte: Paulo Bianchi, especialista em reprodução assistida
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