sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Da guerra ao Carnaval - Ivan Finotti

folha de são paulo

Diretor sul-coreano vem a SP entrevistar sobreviventes do conflito nos anos 1950: soldados norte-coreanos acolhidos
pelo Brasil
IVAN FINOTTIDE SÃO PAULOA Guerra da Coreia (1950-1953), quem diria, chegou ao Brasil e pouquíssimos se deram conta disso. Cabe agora ao diretor Kyeong Duk Cho revelar essa história perdida dos anos 1950.
Desde a sexta-feira passada, ele está em São Paulo buscando e entrevistando os sobreviventes de um grupo de 50 soldados da comunista
Coreia do Norte. Capturados pelo inimigo, acabaram exilados no Brasil no final daquela guerra.
O diretor sul-coreano Cho, 38, veio pela primeira vez para cá em 2009 para apresentar seu longa de ficção "Voluntária Sexual" na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A obra arrebentou: os jurados o elegeram o melhor filme do festival.
Em 2010, Cho voltou ao país com a ideia de investigar a história dos soldados norte-coreanos enviados para cá.
Ele havia sido apresentado ao assunto por acaso, ao ver um filme sobre a guerra que mencionava essa história apenas de passagem.
Na época, teve encontros com alguns desses sobreviventes e agora está de volta com uma equipe de filmagem, ainda que reduzida: além dele, um diretor de fotografia e um câmera.
ANOS 1950
O filme começa em 1954, quando, após a assinatura de um armistício, as duas Coreias trocaram prisioneiros no paralelo 38 (linha reta, paralela ao Equador, que divide os dois países).
Mas cerca de 80 soldados do Norte, presos pela Coreia do Sul, recusaram-se a voltar ao seu país de origem.
Eles temiam por suas vidas, já que, desde a Segunda Guerra (1939-1945), os comunistas cultivavam o hábito de prender, exilar ou matar seus próprios militares que houvessem caído nas mãos do inimigo -a ordem era lutar até a morte; ser capturado não era uma opção, pensavam os generais.
Os soldados presos também não queriam ficar na Coreia do Sul por duas razões. Em primeiro lugar, achavam que seriam hostilizados pela população do Sul. Em segundo, seriam considerados desertores pelo governo comunista e suas famílias no Norte poderiam sofrer duras retaliações.
A solução foi buscar países dispostos a aceitar os sem pátria. Alguns foram para a Índia, outros para a Argentina. Canadá e EUA também entraram na lista, enquanto a Suíça foi um dos que recusaram o abrigo. Mas a maioria deles, exatos 50, veio para o Brasil.
IMIGRAÇÃO
O primeiro contato dos soldados norte-coreanos com o Brasil foi um estereótipo digno de uma propaganda do ministério do Turismo.
Aportaram no Rio de Janeiro em 6 de fevereiro de 1956, em pleno ritmo de Carnaval.
"Saímos de uma guerra terrível e chegamos a uma festa", lembra o engenheiro Lim Kwan Taik, hoje com 85 anos.
Ele foi o primeiro dos sobreviventes da guerra localizados em SP. Sua entrevista a Cho ocorreu na última quarta-feira.
Taik tinha 28 anos quando chegou aqui. A maioria de seus colegas era mais novo, por volta dos 20 anos.
Espalharam-se pelo país, foram para São Paulo, casaram-se com brasileiras, viraram professores, engenheiros e até pastores.
Alguns foram trabalhar na lavoura no Mato Grosso; outros, no Paraná. Cho pretende visitar esses quatro Estados brasileiros nos próximos dois meses de filmagem.
"A ideia do filme, menos do que falar da guerra, é aprofundar o aspecto humano dessa história. Creio que muitos sofreram preconceito e foram obrigados a deixar tudo para trás, chegando a um país novo sem querer vir para cá."
Sua meta é convencer algum deles a voltar para a Coreia com a equipe. Seria uma belo final, acredita Cho.
Os 50 soldados norte-coreanos chegaram ao Brasil sete anos antes do início da imigração coreana, que faz 50 anos agora.
O cinquentenário, aliás, é o tema deste ano da escola de samba paulistana Unidos da Vila Maria, cujo enredo foi batizado de "Made in Korea" (desfile programado para as 2h50 da madrugada de sábado para domingo).
Anteontem, Cho e sua equipe foram levados pelo escritor brasileiro (nascido na Coreia) Nick Farewell ao barracão da escola para assistir a um ensaio. Veredicto do diretor: "Isso é que é vida!".

    "Esperávamos índios, mas havia dança nas ruas"
    DE SÃO PAULO
    "Esperávamos encontrar índios, mas estava todo mundo dançando Carnaval nas ruas. As mulheres com pouca roupa. Parecia que tínhamos chegado a um bom país", lembra um sorridente Lim Kwan Taik, 85.
    E é isso o que ele acha até hoje a respeito do Brasil. "Só gostaria que a imigração coreana começasse a ser contada a partir da nossa chegada. Nós chegamos em 1956, sete anos antes da imigração oficial!", exalta-se.
    Engenheiro aposentado, Taik dedica-se atualmente a manter uma associação que reunia os sobreviventes que foram morar no exterior na ocasião.
    Em uma lista escrita em caracteres coreanos, Taik mostra os nomes dos 50 soldados que vieram ao Brasil: 31 já mortos, 14 ainda vivos e 5 indefinidos, sem contato.
    Dos 14 que foram para a Argentina, ele contabiliza dois vivos. Na Índia, apenas um.
    BALA NA CABEÇA
    De suas lembranças da Guerra da Coreia, conta ter visto muitos mortos dos dois lados. Liderou um batalhão de 3.000 norte-coreanos e matou norte-americanos, conta.
    "Meu capacete ficou tão amassado com os tiros que não sei como não morri." Uma bala, entretanto, perfurou o metal e está até hoje alojada em sua cabeça. Ele faz questão de colocar a mão dos curiosos no calombo em seu cocuruto.
    Ao chegar ao Brasil, Taik seguiu para Curitiba, onde se empregou como desenhista de máquinas. Nos anos 1970, foi contratado pela Ford em São Paulo. Lá, ele conta ter trabalhado nos projetos de carros como Maverick e Corcel. Aposentou-se em 1987.
    Casou com uma japonesa, com quem vive até hoje. Tem um filho (hoje médico) e três netos.

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