O sapo e o escorpião
As intervenções na economia desestabilizaram o pacto construído ao longo dos anos Lula
Mais uma vez uso uma conhecida fábula popular para trazer aos leitores da Folhaminhas reflexões sobre a economia -e a política- brasileira nos dias de hoje.Recentemente, ao preparar uma palestra sobre a gestão da economia no governo Dilma, recordei-me da fábula do sapo e do escorpião.
Os leitores conhecem a imagem de um escorpião que pediu ao sapo para atravessá-lo de uma margem à outra de um lago. O sapo negou-se a fazê-lo, dizendo que o escorpião acabaria por picá-lo. A essa colocação o escorpião respondeu dizendo que, se fizesse isso, ele também morreria. Mas o sapo, encerrando a conversa, disse: eu sei disso, mas a sua natureza vai forçá-lo a fazê-lo.
No caso do governo Dilma, o sapo é representado pela economia de mercado, e que, ao longo de seu primeiro mandato, poderá levá-la à reeleição em 2014. Na sociedade brasileira de hoje, com a classe média representando mais de 50% dos eleitores, o voto depende essencialmente da situação da economia no período eleitoral. Ideologia e imaginário representam muito pouco.
A presidente sabe disso, pois seu criador -o presidente Lula- ensinou-a nos anos de sucesso que compartilharam nas eleições de 2016 e 2010.
Mas -como o escorpião da fábula- o governo, parece que por sua natureza, não perde uma oportunidade para aferroar seu aliado na travessia do primeiro mandato. Nesta semana mais uma ferroada foi aplicada nas empresas privadas, permitindo que o governo interfira em contratos -assinados- de concessão licitados anteriormente.
Isso aconteceu no caso da medida provisória que regulou as condições em que serão realizados os contratos de concessão para exploração de portos e terminais de carga por empresas privadas. Repete-se o mesmo procedimento utilizado no caso recente do setor elétrico.
O que mais chama a atenção do analista é a total falta de importância das novas regras em investimentos já realizados, principalmente nos anos FHC. Somente uma mesquinharia política -ou ideológica- pode explicar esse procedimento.
Sabemos que a concessão de serviços públicos ao setor privado é elemento fundamental para aumentar a oferta de serviços em vários setores da economia que esgotaram, ao longo dos últimos anos, sua capacidade operacional.
Mas, para que isso aconteça, é necessário que as regras fixadas nos leilões respeitem as condições mínimas para que a atividade privada possa ser realizada com retorno compatível com as taxas de mercado e com os riscos incorridos e, ainda, com segurança jurídica. Até agora isso não vem ocorrendo.
Nos dois primeiros anos de seu mandato, o governo Dilma tem procurado impor condições inaceitáveis ao capital privado, seja via taxas de retorno inviáveis ou por pouca clareza nas condições legais dos contratos firmados.
A origem de tudo isso parece vir da contradição -como no caso do escorpião- entre a necessidade de trazer o setor privado para realizar os investimentos necessários para acelerar o crescimento e a natureza estatista -em alguns momentos até soviética- de boa parte da equipe da presidente.
Esse dilema não existiu no período Lula, que conseguiu equilibrar de forma eficiente a dinâmica do setor privado para realizar seus investimentos e gerar crescimento e a de um governo que cuidava de interferir na forma como os frutos gerados seriam distribuídos.
Essa receita, que deu certo e modificou a sociedade brasileira, representou o escorpião vencendo sua natureza e deixando o sapo carregá-lo com liberdade de uma margem à outra do lago.
Infelizmente, em seus primeiros dois anos de governo, a presidente Dilma mudou a forma de interagir com a economia privada. Suas intervenções na economia acabaram por desestabilizar o pacto construído ao longo dos anos Lula.
O resultado foi uma desaceleração do crescimento econômico
-principalmente pela queda da confiança dos empresários nas regras do jogo- de tal ordem que está criando condições políticas eleitorais totalmente diferentes das que prevaleceram nos anos Lula.
Lentamente o veneno do escorpião está minando a resistência e o dinamismo do sapo, ou melhor, do setor privado.
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