sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Clima fantástico guia filme indie do Oscar

folha de são paulo

CINEMA
"Indomável Sonhadora" mostra luta de comunidade no sul dos Estados Unidos e tem quatro indicações ao prêmio
Quvenzhané Wallis é a mais jovem concorrente a melhor atriz; filho de brasileiro, diretor estreia em longas
FERNANDA EZABELLADE LOS ANGELESApesar do clima fantástico e dos monstros gigantes, "Indomável Sonhadora" surgiu da dura realidade das comunidades ribeirinhas do sul dos Estados Unidos, no Estado de Louisiana, uma região afetada pelo furacão Katrina em 2005 e, no meio das filmagens, pelo vazamento de petróleo de 2010.
"Sempre sentimos que estávamos contando uma história real, mas pelos olhos de uma garotinha que vê o mundo não necessariamente da forma mais realística", disse à Folhao diretor americano Benh Zeitlin, 30.
Em sua estreia em longa-metragem, ele recebeu quatro indicações ao Oscar, incluindo de melhor direção.
O filme disputa também melhor filme, roteiro adaptado e atriz para a estreante Quvenzhané Wallis, 9, a mais jovem concorrente ao prêmio.
Ela faz a "indomável sonhadora" Hushpuppy, que mora num barraco com o pai doente (Dwight Henry), numa vila isolada perto de um rio que aguarda o fim do mundo.
"Ela está se divertindo muito com esta badalação toda. E se adapta muito bem em qualquer situação", disse sobre Wallis. "Nunca conheci alguém assim, é uma criança normal e tem uma sabedoria incrível."
O filme tem o menor orçamento entre seus rivais do Oscar, apenas US$ 1,8 milhão (R$ 3,6 milhões), e foi rodado no esquema guerrilha, com amigos e atores não profissionais.
O roteiro é assinado por Zeitlin e por sua amiga de infância Lucy Alibar, adaptado de uma peça dela.
"Usamos a estrutura mitológica da peça e substituímos coisas do apocalipse, como as sete pragas e fogo no céu, pela inundação, a morte do meio ambiente e outras coisas que acontecem na Louisiana", continuou Zeitlin.
O diretor se apaixonou pela região ao se mudar para Nova Orleans, onde mora há seis anos e pretende rodar seu segundo longa, do qual não revela detalhes.
Mesmo sendo um lugar tão peculiar nos EUA, ele acredita que a mensagem do filme possa ressoar em lugares distantes como o Brasil, que ele já visitou diversas vezes, já que seu pai é brasileiro.
BATALHA
"A história é sobre estas pessoas que realmente batalham para ficar e preservar sua cultura, seu modo de vida. Sei que há lugares únicos no Brasil, também na costa, com problemas parecidos", disse Zeitlin, cujo pai radicado nos EUA é estudioso de folclores urbanos de Nova York.
Para fazer as criaturas mitológicas que surgem na comunidade após o derretimento das geleiras, a equipe tampouco usou efeitos de computador.
Um amigo do diretor aprendeu através de livros a treinar cinco porcos selvagens vietnamitas, e os animais foram filmados em cenários de miniatura.
"Porcos fazem qualquer coisa por pipoca. Conseguimos ensinar seis ou sete coisas e criamos as cenas ao redor destas habilidades", contou o diretor, que não levará discurso pronto à festa de domingo para "não dar azar".

Com história de sobrevivência, longa foge do sentimentalismo
INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHAComo quase sempre que a figura infantil é dominante, "Indomável Sonhadora" tende a comover o espectador. Mas é aí também que busca sua originalidade. Não há lágrimas a correr ou muitos momentos a lamentar: trata-se de uma história de sobrevivência.
Sendo também um filme independente, há umas tantas chagas sociais a ocupar a vida da pequena Hushpuppy.
O pai alcoólatra é a mais evidente, mas há ainda a ausência da mãe e o lugar onde vivem, o Bathtub, a banheira, uma pobre, deslocada e resistente comunidade sulista.
O pai de Hushpuppy, Wink, é talvez o personagem mais interessante dessa saga, embora um tanto previsível: aquele sujeito fora dos padrões, vinculado tanto à natureza como a um modo de vida que se poderia chamar de primitivo (miserável é outra designação possível).
Ele ensina a filha a viver e a resistir às adversidades, que são muitas, e a proteger o Bathtub das investidas da sociedade organizada (que quer dar um fim naquela comunidade).
Ambígua figura, Wink é um alcoólatra (como todos os homens que vivem nos casebres próximos) capaz de dar belos conselhos à filha e depois botar tudo por água abaixo. Isso quando a própria natureza não leva tudo água abaixo.
ÁGUA COM AÇÚCAR
Talvez o objetivo da distribuidora brasileira, ao dar esse nome um pouco água com açúcar ao filme (em contraste com o original: algo como "Bestas do Sul Selvagem"), fosse mesmo enfatizar a presença infantil com o uso da palavra "sonhadora".
O fato é que Hushpuppy não tem nada de sonhadora ou contemplativa: é voltada a um ou dois objetivos concretos (reencontrar a mãe, sobreviver), e nisso coloca toda sua força, temperando a incerta sabedoria transmitida pelo pai com o bom senso pessoal para enfrentar a adversidade.
Há um tanto de crise, um tanto de miséria, um quê de ignorância em tudo isso: trata-se de um filme da crise, se se quiser. E da perseverança como modo de enfrentamento.
Essa perseverança é o que se estampa no rosto infantil de Hushpuppy, junto com a observação atenta, curiosa e um tanto indefesa do mundo. Esse rosto em busca de soluções, enfim, é a imagem central que domina o filme.
O rosto da menina é, no mais, a paisagem mais definida, mais nítida no trabalho do estreante Benh Zeitlin, de interesse, no mais, um tanto desigual, onde o que tem de melhor vem da secura do tom, do abandono desse "fake realismo" do cinema independente americano.
Os prêmios que vem recebendo a jovem Quvenzhané Wallis parecem evocar uma nova Shirley Temple.
Ela aparece muito bem no filme e cria essa ideia mista de doçura e dureza que ajuda na força do filme. Mas tanta atenção a alguém tão jovem cria expectativas que raramente se cumprem; com frequência só serve para criar monstros. Que importa? O mundo dos espetáculos os adora.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário