CINEMA
"Indomável Sonhadora" mostra luta de comunidade no sul dos Estados Unidos e tem quatro indicações ao prêmio
Quvenzhané Wallis é a mais jovem concorrente a melhor atriz; filho de brasileiro, diretor estreia em longas
"Sempre sentimos que estávamos contando uma história real, mas pelos olhos de uma garotinha que vê o mundo não necessariamente da forma mais realística", disse à Folhao diretor americano Benh Zeitlin, 30.
Em sua estreia em longa-metragem, ele recebeu quatro indicações ao Oscar, incluindo de melhor direção.
O filme disputa também melhor filme, roteiro adaptado e atriz para a estreante Quvenzhané Wallis, 9, a mais jovem concorrente ao prêmio.
Ela faz a "indomável sonhadora" Hushpuppy, que mora num barraco com o pai doente (Dwight Henry), numa vila isolada perto de um rio que aguarda o fim do mundo.
"Ela está se divertindo muito com esta badalação toda. E se adapta muito bem em qualquer situação", disse sobre Wallis. "Nunca conheci alguém assim, é uma criança normal e tem uma sabedoria incrível."
O filme tem o menor orçamento entre seus rivais do Oscar, apenas US$ 1,8 milhão (R$ 3,6 milhões), e foi rodado no esquema guerrilha, com amigos e atores não profissionais.
O roteiro é assinado por Zeitlin e por sua amiga de infância Lucy Alibar, adaptado de uma peça dela.
"Usamos a estrutura mitológica da peça e substituímos coisas do apocalipse, como as sete pragas e fogo no céu, pela inundação, a morte do meio ambiente e outras coisas que acontecem na Louisiana", continuou Zeitlin.
O diretor se apaixonou pela região ao se mudar para Nova Orleans, onde mora há seis anos e pretende rodar seu segundo longa, do qual não revela detalhes.
Mesmo sendo um lugar tão peculiar nos EUA, ele acredita que a mensagem do filme possa ressoar em lugares distantes como o Brasil, que ele já visitou diversas vezes, já que seu pai é brasileiro.
BATALHA
"A história é sobre estas pessoas que realmente batalham para ficar e preservar sua cultura, seu modo de vida. Sei que há lugares únicos no Brasil, também na costa, com problemas parecidos", disse Zeitlin, cujo pai radicado nos EUA é estudioso de folclores urbanos de Nova York.
Para fazer as criaturas mitológicas que surgem na comunidade após o derretimento das geleiras, a equipe tampouco usou efeitos de computador.
Um amigo do diretor aprendeu através de livros a treinar cinco porcos selvagens vietnamitas, e os animais foram filmados em cenários de miniatura.
"Porcos fazem qualquer coisa por pipoca. Conseguimos ensinar seis ou sete coisas e criamos as cenas ao redor destas habilidades", contou o diretor, que não levará discurso pronto à festa de domingo para "não dar azar".
Com história de sobrevivência, longa foge do sentimentalismo
INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHAComo quase sempre que a figura infantil é dominante, "Indomável Sonhadora" tende a comover o espectador. Mas é aí também que busca sua originalidade. Não há lágrimas a correr ou muitos momentos a lamentar: trata-se de uma história de sobrevivência.Sendo também um filme independente, há umas tantas chagas sociais a ocupar a vida da pequena Hushpuppy.
O pai alcoólatra é a mais evidente, mas há ainda a ausência da mãe e o lugar onde vivem, o Bathtub, a banheira, uma pobre, deslocada e resistente comunidade sulista.
O pai de Hushpuppy, Wink, é talvez o personagem mais interessante dessa saga, embora um tanto previsível: aquele sujeito fora dos padrões, vinculado tanto à natureza como a um modo de vida que se poderia chamar de primitivo (miserável é outra designação possível).
Ele ensina a filha a viver e a resistir às adversidades, que são muitas, e a proteger o Bathtub das investidas da sociedade organizada (que quer dar um fim naquela comunidade).
Ambígua figura, Wink é um alcoólatra (como todos os homens que vivem nos casebres próximos) capaz de dar belos conselhos à filha e depois botar tudo por água abaixo. Isso quando a própria natureza não leva tudo água abaixo.
ÁGUA COM AÇÚCAR
Talvez o objetivo da distribuidora brasileira, ao dar esse nome um pouco água com açúcar ao filme (em contraste com o original: algo como "Bestas do Sul Selvagem"), fosse mesmo enfatizar a presença infantil com o uso da palavra "sonhadora".
O fato é que Hushpuppy não tem nada de sonhadora ou contemplativa: é voltada a um ou dois objetivos concretos (reencontrar a mãe, sobreviver), e nisso coloca toda sua força, temperando a incerta sabedoria transmitida pelo pai com o bom senso pessoal para enfrentar a adversidade.
Há um tanto de crise, um tanto de miséria, um quê de ignorância em tudo isso: trata-se de um filme da crise, se se quiser. E da perseverança como modo de enfrentamento.
Essa perseverança é o que se estampa no rosto infantil de Hushpuppy, junto com a observação atenta, curiosa e um tanto indefesa do mundo. Esse rosto em busca de soluções, enfim, é a imagem central que domina o filme.
O rosto da menina é, no mais, a paisagem mais definida, mais nítida no trabalho do estreante Benh Zeitlin, de interesse, no mais, um tanto desigual, onde o que tem de melhor vem da secura do tom, do abandono desse "fake realismo" do cinema independente americano.
Os prêmios que vem recebendo a jovem Quvenzhané Wallis parecem evocar uma nova Shirley Temple.
Ela aparece muito bem no filme e cria essa ideia mista de doçura e dureza que ajuda na força do filme. Mas tanta atenção a alguém tão jovem cria expectativas que raramente se cumprem; com frequência só serve para criar monstros. Que importa? O mundo dos espetáculos os adora.
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