quarta-feira, 13 de março de 2013

Filmes hermanos viram referência-Carolina Braga‏

Brasil segue a cartilha dos argentinos e passa a filmar temas ligados à classe média. Outro caminho se abre para o cinema nacional, polarizado entre comédias e produções autorais 


Carolina Braga

Estado de Minas: 13/03/2013 

Logo na saída da sessão de pré-estreia de A busca, o cineasta Fernando Meirelles avisou no Twitter: “Finalmente aprendemos a fazer filme argentino no Brasil (no bom sentido)”. Tendo Wagner Moura como protagonista, o longa dirigido por Luciano Moura nada mais é que um drama familiar sobre transformação pessoal. Um pai procura o filho desaparecido e, nessa saga, acaba se descobrindo. Mas o que teria de “argentino” nisso?

Produtor de A busca, Fernando Meirelles, inteligentemente, levantou uma questão que não diz respeito apenas a esse longa, cuja estreia nacional está prevista para o fim de semana, mas à maneira como o cinema adulto é tratado no Brasil. “Meu comentário foi um elogio aos argentinos. Eles são melhores do que nós na construção de personagens – complexos, humanos. Talvez a mania deles por psicoterapia esteja ligada a isso. A busca traz essa complexidade em seus protagonistas, não só pela inacreditável interpretação do casal central, mas pelo texto adulto, muito refinado, e pela direção do Luciano”, afirma o diretor de Cidade de Deus.

Descontando o aspecto marqueteiro da declaração, o experiente cineasta é preciso em sua análise. Como lembra Roberto Gervitz, diretor dos longas Feliz ano velho e Jogo subterrâneo, a tradição da sétima arte “hermana” se espelha na experiência das telas italianas, forjada em personagens empáticos e ligados a problemas do dia a dia.

“A maioria dos filmes argentinos recentes tem roteiros muito bem construídos, com temáticas relativas ao cotidiano e não ligadas às chamadas grandes questões. São filmes menos autorais, ou seja, menos preocupados com o estilo e voltados para bons personagens e para contar bem uma história”, compara.

Os “hermanos” até podem não ser contemplados rotineiramente com premiações badaladas, mas seu estilo tem gerado boa repercussão internacional. Vide o exemplo de produções como O segredo dos seus olhos (vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2010), Medianeras, Infância clandestina e Um conto chinês. Por sua vez, o cinema brasileiro se divide basicamente em dois polos: de um lado, comédias populares (desde a época das chanchadas); de outro, o chamado filme de arte.

Comunicação  

“Imagino que Fernando Meirelles se refira ao fato de o cinema nacional ainda ser muito polarizado entre filmes de arte e aqueles declaradamente comerciais, como comédias e as recentes cinebiografias. Com A busca, apostamos em temática adulta e cinematografia apurada a serviço de uma produção que se comunique com a maior audiência possível”, afirma Elena Soarez, roteirista do longa protagonizado por Wagner Moura.

Para Elena, a diferença mais marcante entre os dois países está nos temas. “Argentinos fazem filmes sobre e para a classe média. Aqui no Brasil, retratar a classe média ficou por conta das telenovelas. Tradicionalmente, o cinema brasileiro de autor elege temas mais ‘nobres’, como a ensaística sociopolítica, a reflexão sobre a identidade nacional ou a investigação de nossos ‘outros’: índio, favelado, preso, bandido, nordestino. Ou seja, personagens que nós, fazedores de filmes do Sudeste, vamos desentocando”, afirma a roteirista.

Adepto dessa perspectiva, Roberto Gervitz é um defensor do cinema intimista. Em agosto, ele começa a filmar Mãos de cavalo, adaptação do livro homônimo escrito por Daniel Galera. “O cineasta brasileiro deve perder a vergonha e a culpa – de classe – de refletir e contar histórias com temas e personagens de seu universo. Deve falar com mais conhecimento e verdade, pois se trata do seu mundo”, diz. O diretor cita exemplos como Noite vazia, de Walter Hugo Khoury, filme de 1964, e obras mais recentes, como O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburger; As melhores coisas do mundo, de Laís Bodanzky; e O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho.

“A busca se insere na tradição de filmes que mergulham no universo da classe média urbana com belos personagens e histórias intimistas, adotando o tom fabular e poético, além de escapar do realismo e do naturalismo óbvios”, conclui Roberto Gervitz.

Mito
 À frente de coproduções com a Argentina, Vânia Catani, da Bananeira Filmes, surpreende-se com a declaração de Fernando Meirelles. A produtora garante: em termos de negócios, os cinemas brasileiro e argentino estão em plena sintonia. Atualmente, ela mantém duas parcerias com o país vizinho.

O primeiro filme, El ardor, começa a ser rodado em abril na província de Missiones. Será dirigido por Pablo Fendrik, com Gael Garcia Bernal, Alice Braga e Chico Diaz no elenco. O outro, Mate-me por favor, será comandado pela cineasta brasileira Anita Rocha.

“Não sou da turma que acha que qualquer filme argentino é melhor do que os nossos. Lá, há talentos indiscutíveis. Aqui também. Não sei de onde saiu o mito de que a qualidade das produções deles é superior à das nossas. Lembro-me do Paulo José dizendo que fazemos o melhor cinema brasileiro do mundo. E eles fazem o melhor cinema argentino do mundo”, brinca Vânia.

Porém, na ponta do lápis, as diferenças ficam bem mais claras. A experiência recente não deixa dúvida sobre o imenso descompasso entre orçamentos. “Minha experiência está sendo maravilhosa. O único problema é que no Brasil filmamos três vezes mais caro que eles. Isso complica. Se há algo importante para aprender com os argentinos, é filmar mais barato. Aqui está ficando surreal”, critica Vânia Catani.

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