Conhecido em Sabará por tocar matraca,
tradicional na semana santa, Francisco Dário dos Santos reclama do
desinteresse pelo instrumento e busca apoio para treinar jovens
Ailton Magioli
Estado de Minas: 13/03/2013
Último
matraqueiro em atividade em Sabará, na Grande BH, a cada nova semana
santa Francisco Dário dos Santos, de 39 anos, mostra-se preocupado com a
sobrevivência da atividade e, consequentemente, do próprio instrumento
musical e sinalizador. “Já tentei atrair a juventude, mas ninguém quer”,
afirma Chiquinho, que, matraqueiro desde a infância, há 16 anos criou a
famosa TV Muro de Sabará.
Oportuna e devidamente trajado de opa
(capa sem mangas, usadas por irmandades e confrarias religiosas) roxa,
Chiquinho lembra que a matraca surgiu para substituir os sinos na semana
santa. “Nesta época os sinos ficam restritos à dobragem, enquanto a
matraca é tocada nas procissões e abertura do sepulcro”, acrescenta o
matraqueiro, cuja agenda fica repleta de compromissos no período.
A
começar da abertura do sepulcro, na quinta-feira da semana santa, às
15h, na Igreja de São Francisco de Assis, no Centro Histórico de Sabará,
seguida da encenação da Paixão de Cristo e Procissão do Enterro, a
partir das 19h30 do mesmo dia, na Praça Melo Vianna, a cargo do grupo
teatral Cena Aberta. A maior cerimônia da data fica reservada para a
Procissão da Penitência, na madrugada da sexta-feira, a partir das 4h,
quando milhares de fiéis, muitos dos quais em jejum e penitência, saem
em direção à Capela do Bom Jesus, no Morro da Cruz, a cerca de três
quilômetros do Centro Histórico.
Para tocar a matraca é preciso
ter “jeito”, segundo Francisco Dário dos Santos. “Trata-se de uma
mesmice, o vai e volta do instrumento, para o lado direito e o lado
esquerdo, para fazer o ferro bater na madeira e soar”, explica o
matraqueiro, lembrando que geralmente a matraca é constituída de
madeira, onde existe um pedaço de ferro curvilíneo que, quando sacudido,
produz som. Usada principalmente em pequenas cidades por vendedores de
beiju e na quaresma, para anunciar uma procissão, o instrumento é uma
herança familiar no caso de Chiquinho.
“Aprendi a tocar com o meu
pai, Francisco Armando dos Santos, que herdou a função do pai dele, meu
avô, Modestino dos Santos”, recorda ele, que convive com o instrumento
desde os 7 anos. “Meu irmão também tocou, mas desistiu por causa da
procissão de madrugada, quando tinha de acordar cedo demais”. Segundo
Chiquinho, à exceção do parceiro Wilder Jader, aluno da Apae de Sabará,
que gosta de matraca, os jovens da cidade histórica não querem mais
saber do instrumento.
Fôlego “Por se tratar de
um instrumento pesado, tem de ter fôlego para tocar”, ressalta
Chiquinho, cujos instrumentos datam de 1956 e 1963 e pesam,
respectivamente, 6kg e 10kg. “Muitos não sabem da importância da
matraca, que, além de substituir os sinos na semana santa também são
responsáveis por afastar o mal e expulsar o demônio”, admite o
matraqueiro, que pensa em treinar a juventude para o aprendizado do
instrumento, além de criar um grupo de matracas. Para isso, ele pensa em
recorrer à ajuda de órgãos públicos e da Banda Santa Cecília, umas das
instituições musicais mais antigas do estado, com sede em Sabará.
Dois
anos antes de aprender a tocar matraca, Chiquinho já havia se iniciado
na arte do sino, ao lado do pai. Nascido e criado ao lado da Igreja de
São Francisco, foi no alto da torre, em companhia do pai, que ele
aprendeu a manusear o pesado instrumento, que, com a morte do sineiro,
em 1990, ele parou de tocar. “Tenho vontade de voltar a tocar sino”,
confessa o matraqueiro, lembrando que Sabará tem hoje seis sineiros e
apenas dois deles estão em atividade.
SAIBA MAIS: toque de melancolia
Instrumento
amplamente usado na capital e cidades históricas da região
metropolitana (Santa Luzia, Raposos, Sabará, Pedro Leopoldo, Nova Lima),
além de Ouro Preto, Mariana e São João del-Rei, a matraca pode ser
encontrada, por exemplo, na Paróquia Nossa Senhora das Dores, do Bairro
Floresta, Leste de Belo Horizonte. “Na sexta-feira santa o coroinha usa a
que nós temos aqui”, afirma o pároco José Geraldo Sobreira, recordando
que o instrumento remete ao período do barroco. “Trata-se de uma
tradição antiga na vida da Igreja, cuja origem eu não sei se tem a ver
com a colonização”, acrescenta padre Sobreira, salientando o fato de ele
ter sido incorporado por rituais litúrgicos e paralitúrgicos, de modo
especial pelas procissões. “Ao contrário do sino, que tem um toque
alegre, a matraca tem um lado lúgubre, triste, sendo mais usada,
inclusive, na procissão do enterro de Jesus Cristo”, destaca o pároco,
lembrando que, além de Minas, o instrumento é muito usado nos estados de
Goiás e, talvez, da Bahia.
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