sexta-feira, 15 de março de 2013

Relação tensa de Cristina com o novo papa tem raízes antigas

folha de são paulo

ANÁLISE
SYLVIA COLOMBONAS ILHAS MALVINASA festa nacional argentina ocorre em 25 de maio, celebrando o início do processo de independência da Argentina com relação à Espanha.
Até a gestão do presidente Néstor Kirchner (2003-2007), era todos os anos comemorada com um ato religioso promovido conjuntamente pelo governo e pela igreja, sempre na Catedral Metropolitana de Buenos Aires.
Desde 2005, essa tradição se quebrou. Enquanto Jorge Bergoglio abençoava fiéis na capital nacional, Néstor, e depois sua mulher, Cristina, davam sua mensagem à nação a partir de uma grande cidade de uma das províncias. Era a melhor imagem do afastamento entre o kirchnerismo e a igreja.
Os problemas têm uma raiz muito antes desses personagens entrarem no cenário. Nos anos 1950, pouco antes do golpe que pôs fim ao governo de Juan Domingo Perón, os peronistas colocaram fogo em várias igrejas de Buenos Aires. Os religiosos mais conservadores, então, passaram a apoiar a solução militar, posição que repetiriam durante a nova ditadura (1976-1983), e a opor-se firmemente aos peronistas.
Bergoglio abriu seu próprio espaço nessa disputa. Em razão de sua ligação com os padres terceiro-mundistas, associou-se com o peronismo de direita, opositor ao kirchnerismo hoje (que seria o peronismo de esquerda). Ao mesmo tempo, colocou-se numa posição conciliadora com o governo militar nos anos 70.
Desde então, costura apoios entre a esquerda e a direita por meio de uma complexa rede de influências das quais participam ONGs, ordens e associações religiosas que o sustentam.
Com Néstor, os problemas começaram logo no início de sua gestão. Bergoglio assumiu bandeiras abandonadas pelos partidos tradicionais, que caíram em descrédito depois da crise de 2001.
Passou a pedir soluções ao governo para a prostituição, o trabalho escravo nas grandes fazendas e o narcotráfico nas favelas.
Disse ao presidente que essas eram as verdadeiras questões de direitos humanos com as quais deveria preocupar-se, criticando-o indiretamente por promover tantos julgamentos de militares envolvidos na repressão dos anos 70.
Kirchner, então, usou esse argumento para trazer à tona as acusações de que teria encoberto crimes da ditadura. Bergoglio sempre as negou.
O atual papa marcou suas diferenças com Cristina a partir de acusações de ONGs e grupos religiosos.
Foi o caso da denúncia da existência de prostíbulos em Río Gallegos, território político dos Kirchner, em 2009, ou a de que o juiz kirchnerista Eugenio Zaffaroni era dono de apartamentos usados como bordeis, em 2011.
Bergoglio, ainda, mostrou apoio a opositores de Cristina, como o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, e o sindicalista Hugo Moyano.
Ao enviar sua saudação ao novo papa, Cristina não buscava simples "carona" no sucesso do agora Francisco. Trata-se de uma movimentação política que marca a relação entre Igreja e Estado.

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