sexta-feira, 15 de março de 2013

Tendências/Debates

folha de são paulo

ROGÉRIO PORTUGAL BACELLAR
TENDÊNCIAS/DEBATES
Uma regularização mais veloz
Ao evitar o apelo à Justiça, a usucapião administrativa reduziria de 10 anos para 90 dias o tempo de legalização de loteamentos clandestinos
Os loteamentos clandestinos e irregulares estão entre as principais causas do crescimento desordenado das grandes cidades e das regiões metropolitanas. Trazem consequências negativas amplas como danos ambientais, urbanísticos e até mesmo sociais.
O risco de enchentes e desabamentos, a criação de bolsões sem infraestrutura e a impossibilidade de legalização dos imóveis são alguns dos problemas ocasionados pela incorreta ocupação do solo.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2011 apontam que, dos 5.565 municípios do Brasil, 3.025 possuem loteamentos desses tipos. Estima-se que, se nada for feito para combater essa demanda, até 2050, o número de assentamentos subnormais no Brasil quintuplicará.
Em um processo de regularização, diversas são as origens dos imóveis ocupados. Mesmo que pertençam ao governo, é necessário o uso de um instrumento legal para formalizar a transferência ou a doação. Uma das formas é por usucapião.
O grande gargalo que existe hoje acerca da legalização é o longo prazo que a usucapião exige. A demanda precisa ser encaminhada ao Judiciário, onde pode ficar até 10 anos.
Por ter sido criado para oferecer a oportunidade de discussão ampla no Judiciário acerca da transferência de propriedade de um bem por direito adquirido, a usucapião conta com uma série de ritos que são desnecessários em projetos sociais de regularização fundiária.
O projeto de usucapião administrativa é uma alternativa a essa realidade. Foi organizado pelo poder público, com apoio da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) e Anoreg-RJ e em parceria com cartórios extrajudiciais para regularização das favelas do Rio de Janeiro.
Estima-se que, somente no Estado do Rio de Janeiro, mais de um milhão de moradores de favelas poderão ser beneficiados. Levantamento feito em 2012 aponta que, apenas na Rocinha, cerca 160 mil moradores poderão ter suas residências regularizadas.
Com base nesse projeto-piloto, apresentamos, em 2012, ao Ministério da Justiça um estudo para que o mesmo procedimento seja adotado em todo o país. Caso seja aprovado e se torne projeto de lei, o fornecimento de documentação de posse aos ocupantes por usucapião ficará muito mais rápido e fácil. A concessão do título de propriedade ficaria a cargo dos cartórios extrajudiciais, sem necessidade de intervenção da Justiça, caso não haja conflito. O prazo para concessão de um título de propriedade nesses casos seria de cerca de 90 dias.
Além das questões urbanísticas e ambientais, o tema diz respeito à cidadania. A obtenção de escritura de posse dá ao morador a segurança de que o local em que reside é definitivamente seu. E abre portas para a solicitação de obras de saneamento e eletricidade pelos governos.
Outro ganho significativo é a possibilidade dos legalmente proprietários buscarem financiamentos bancários. Podem, assim, realizar melhorias no imóvel, ao mesmo tempo em que contribuem para eliminar as transações imobiliárias clandestinas, trazendo todo esse contingente para a formalidade e legalidade.


GASTÃO VIEIRA
TENDÊNCIAS/DEBATES
Ora, direis, contar estrelas
A três meses da Copa das Confederações, a quase totalidade dos hotéis não aderiu à classificação de estrelas feita pelo governo
Quem já passou pelo inconveniente sabe como é difícil conter a frustração: o turista chega ao destino de férias dos seus sonhos depois de meses planejando uma viagem; paga por um hotel que se anuncia como três, quatro ou até mesmo cinco estrelas; e, no final, encontra acomodações de qualidade muito inferior ao que fora anunciado.
Durante mais de uma década, esse constrangimento foi lugar-comum no Brasil. Sem regras claras de classificação, o setor hoteleiro do país viu-se vítima de uma verdadeira grilagem de estrelas, distribuídas por hotéis, pousadas, resorts e flats de acordo com os critérios de cada um.
O resultado foi uma perda gradual da confiança do turista na hotelaria brasileira. As estrelas passaram a ser vistas como simples referência aproximada ou, pior, como mais uma dessas regras que "não colam" no Brasil. Isso causou problemas à imagem do país no exterior e uma competição desleal entre empresas que zelavam pela qualidade de seus serviços e outras que se aproveitavam do descontrole.
A situação começou a mudar em 2008, quando foi sancionada a Política Nacional do Turismo (lei nº 11.771), prevendo o estabelecimento de normas de classificação dos meios de hospedagem por regulamento posterior. Essas finalmente foram instituídas pelo decreto nº 7.500/2011, que criou o Sistema Brasileiro de Classificação de Meios de Hospedagem, o SBClass. Ele trouxe de volta as estrelas à hotelaria brasileira e deu ao Ministério do Turismo a exclusividade na sua distribuição.
O SBClass foi estabelecido após uma série de estudos, que analisaram experiências de 24 países. Em 2010, mais de 300 especialistas foram consultados em uma série de oficinas, que terminaram em seis cursos de capacitação e 26 avaliações-piloto. Seus critérios nada têm de arbitrário, portanto.
Além disso, pensando numa concorrência justa, as estrelas do SBClass são definidas de acordo com sete categorias de estabelecimento. Assim, resorts não competem com hotéis, pousadas não competem com hotéis históricos.
Os critérios também são distribuídos de acordo com uma matriz, de forma que alguns itens são, por assim dizer, "de série" -todo hotel cinco estrelas precisa ter TV por assinatura nos quartos-, enquanto outros são "opcionais" -nem todo hotel cinco estrelas precisa ter piscina.
O custo da classificação é baixo: menos de R$ 900 por três anos de registro, dependendo do estabelecimento. Ele inclui a placa com as estrelas e a visita do Inmetro, órgão que fechou uma parceria com o Ministério do Turismo para vistoriar o cumprimento dos critérios.
Apesar de tudo isso, a adesão dos hotéis ao sistema tem sido incrivelmente baixa. Somente três dezenas se registraram até agora para ganhar estrelas, num universo de cerca de 6.260 que integram o Cadastur, o cadastro oficial de empresas de turismo do governo brasileiro.
Na prática, isso significa que sites de viagem continuam vendendo estabelecimentos sem classificação oficial (e, em alguns casos, gato por lebre) e que hotéis legitimamente estrelados ainda estão competindo em desvantagem. O mercado ainda está recebendo a sinalização errada, a três meses da Copa das Confederações.
Acredito que a razão para o aparente desinteresse seja o desconhecimento do SBClass por parte das empresas. Há uma mitologia em torno dos critérios de classificação que não resiste ao menor escrutínio: muitos dos critérios são eletivos e muitos dos obrigatórios são itens que os hotéis já possuem.
Há também, possivelmente, resistências localizadas em algumas cidades de hotelaria antiga, mas que não são maiores do que o desejo do setor de ser competitivo e jogar limpo com o cliente.
Embora o decreto que criou o sistema dê ao ministério a prerrogativa de retirar estrelas de hotéis não cadastrados, preferimos convencê-los a aderir. Mas a proximidade dos grandes eventos requer que esse processo seja acelerado. Afinal, o maior interesse de todos, independentemente do número de estrelas, é que o turista volte, sempre.

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