sexta-feira, 17 de maio de 2013

A impressão digital que vem dos pulmões-Vilhena Soares‏

O ar expirado pela pessoa tem um padrão químico único, diz estudo. A descoberta pode ajudar no diagnóstico de doenças


Vilhena Soares

Estado de Minas: 17/05/2013

Não é só o álcool que você bebe que o seu hálito revela. Pesquisadores de instituições suíças descobriram que a respiração de cada pessoa traz uma marca própria, uma espécie de “impressão digital” que os cientistas pretendem usar para auxiliar em tratamentos e diagnosticar doenças de maneira rápida e prática, diminuindo o transtorno com agulhas e exames de resultados demorados.

O grupo de pesquisadores do Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH) e do Hospital Universitário de Zurique realizou o estudo, publicado na revista científica Plos, com 11 voluntários. Por 11 dias seguidos, os participantes tiveram a respiração analisada em quatro horários diferentes. Apesar de muitas semelhanças, os cientistas notaram que o hálito de cada pessoa tem um conjunto de compostos químicos que formam um padrão único, nomeado por eles de breathprints (algo como impressões da respiração). “Encontramos (em cada participante) algumas pequenas variações durante o dia, mas, em geral, o padrão individual permanece e pode ser útil para fins médicos”, diz Pablo Martinez-Lozano Sinues, um dos cientistas responsáveis pelo estudo.

Para chegar até esse resultado, a equipe modificou a massa de elementos contidas no hálito por meio de um espectrômetro. O aparelho químico bombardeia as moléculas com um feixe de elétrons de alta energia e produz átomos altamente carregados. Ao ultrapassar um campo magnético, esses átomos são identificados de acordo com a posição e, assim, os cientistas conseguem identificar cada elemento contido na respiração. 

Durante o experimento, os voluntários não mudaram muito a rotina. Eles apenas precisavam comparecer quatro vezes por dia ao laboratório para soprar por um tubo e, dessa forma, fornecer o material para análise. Os horários não eram predefinidos. Os participantes podiam chegar a qualquer momento e só precisavam ficar sem comer nem beber por 30 minutos antes das medições. Nenhum deles era fumante. O resultado, para os autores do artigo, é bastante promissor. Apesar de nem todas as substâncias presentes na respiração das pessoas terem sido identificadas (foram notadas cerca de 100), detectou-se o padrão único de cada voluntário, o objetivo inicial do estudo.

Diagnóstico Como próximo passo, os pesquisadores pretendem fazer o diagnóstico de doenças usando as breathprints, especialmente de enfermidades que afetam os pulmões. “Se acharmos um padrão consistente em pacientes com doença pulmonar, poderemos desenvolver uma ferramenta de diagnóstico muito mais rápida”, explica Sinues. 

Para Marcelo Alcantara, membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, o projeto pode trazer benefícios importantes para a área médica. “Apesar de os estudos serem iniciais e precisarem de um embasamento maior, essa descoberta é interessante e inovadora. Conseguir, por meio do hálito, marcar as características específicas e defini-las como únicas para cada pessoa é bastante promissor ”, comenta. O pneumologista vê a possibilidade de o projeto levar a novas formas de diagnóstico. “Poder marcar características de um indivíduo a partir do que ele exala seria uma maneira bastante eficaz de identificar as doenças, tornando o diagnóstico mais rápido e, quem sabe, assim, adiantar um tratamento.” 

Outra grande vantagem da impressão digital pelo hálito seria substituir exames de urina e de sangue, dando fim às agulhas e à espera pelo resultado, já que, por meio da respiração, o diagnóstico seria instantâneo. “O nosso objetivo é desenvolver a análise da respiração até o ponto em que se torne competitiva com a análise estabelecida entre sangue e urina”, diz Malcolm Kohler, professor no Hospital Universitário de Zurique e coautor do estudo. Kohler não descarta ainda a possibilidade de desenvolver um exame que identifique riscos de doenças em pessoas saudáveis, ao detectar elementos que servem de marcadores de enfermidades antes de elas se manifestarem.

Custo Uma das dificuldades que os cientistas também precisam vencer é o alto custo do espectrômetro e o espaço ocupado pelo aparelho, o que dificultaria a análise do hálito em clínicas. Por isso, desenvolver aparelhos menores que funcionem da mesma maneira é uma das metas da equipe. Para Ana Campa, professora de bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), essa limitação pode ser vencida. “Novos modelos têm sido pesquisados e, possivelmente, teremos opções mais sofisticadas que se adaptariam a essa novidade”, afirma. “Um dos problemas que também devem ser pontuados é a quantidade da amostra recolhida para análise. Caso seja estabelecida uma quantidade limitada da expiração feita no aparelho, mais condições reais existirão para se diagnosticar uma doença respiratória”, completa. 

Os pesquisadores seguem otimistas e esperam que, com esse primeiro passo, o projeto siga em frente e possa trazer mais frutos para a medicina. “Pequenos espectrômetros de massa portáteis já existem. Se o desempenho deles for melhorado, eles acabarão por encontrar o seu caminho em clínicas e consultórios médicos”, acredita o líder da pesquisa, Renato Zenobi, da Universidade de Zurique. 

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