Bienal de Veneza se inspira em projeto que criaria palácio com grandes descobertas
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
Até agosto, os índios kaiowá Genito Gomes e Valdomiro Flores, da aldeia Guaiviry, no Mato Grosso do Sul, estarão diariamente falando sobre sua cultura ao lado de um histórico farol na entrada do Arsenale, a antiga fábrica de armas de Veneza.
"Nós estamos aqui para falar de nosso povo, de nosso passado, do presente e do futuro", diz Flores. Essas narrativas, em português ou espanhol, que nem todos vão entender na Itália, fazem parte do novo trabalho do brasileiro Paulo Nazareth, um dos 150 artistas da exposição "O Palácio Enciclopédico".
Com curadoria de Massimiliano Gioni, essa é a principal seção da 55ª Bienal de Arte de Veneza, que será aberta ao público amanhã e vai até 24 de novembro.
Bienal de Veneza
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Projeto do artista italiano Marino Auriti (1891-1980) do "Palácio Enciclopédico"
Fazem parte ainda da Bienal Pavilhões Nacionais, que nesta edição alcançaram o recorde de 88 países. Entre eles, o do Vaticano, que participa do evento de arte contemporânea pela primeira vez.
Gioni sugeriu o título da mostra a partir de um projeto do artista italiano Marino Auriti (1891-1980), que chegou a viver por pouco tempo no Brasil e radicou-se nos Estados Unidos no final dos anos 1920. Em 1955, Auriti patenteou uma ideia, a criação do Palácio Enciclopédico, um museu imaginário que contivesse as grandes descobertas da humanidade.
Auriti, que era um comerciante e nunca foi artista, chegou a construir uma maquete dessa proposta ambiciosa, cujo custo ele estimou em US$ 2,5 bilhões (R$ 5 bilhões).
A maquete é justamente a primeira peça que se vê no Arsenale, um dos dois espaços da mostra principal, cercada por fotografias de estilosas produções de cabelo, registradas pelo nigeriano J.D.Okhai Ojeikere.
'OUTSIDERS'
A exposição faz uma leitura antropológica do estudo da imagem, apagando limites entre artistas e amadores, entre quem faz parte do sistema da arte e quem não faz", defendeu Gioni na Itália.
Dessa forma, uma invenção maluca, como o Palácio Enciclopédico, ou as criativas cabeleiras nigerianas passam a ganhar status de arte.
A Venezapedia de Gioni é bastante ampla: ela vai desde as narrativas kaiowá, na obra de Nazareth, a desenhos do fundador da antroposofia Rudolf Steiner (1861-1925), uma coleção de rochas do sociólogo francês Roger Caillois, ou mesmo o "Livro Vermelho", do psicanalista suíço Carl Jung (1875-1961).
O livro em capa de couro vermelho --daí o nome-- reúne desenhos pintados por Jung em formatos de figuras mitológicas e mandalas, ou seja, diagramas simbólicos circulares utilizados pelo hinduísmo e pelo budismo.
"Exibir o 'Livro Vermelho', pela primeira vez em uma exposição de arte contemporânea nos obriga a meditar sobre nossas próprias imagens internas e sonhos que aparecem através da exposição", disse o curador italiano.
Ele apresenta o livro na primeira sala do Pavilhão Central, o outro espaço da mostra principal em uma sala escurecida, e com cópias de algumas páginas expostas ao seu redor, em um conjunto bastante dramático.
Na esteira do conceito de "imagens internas", outra figura chave na exposição é o brasileiro Arthur Bispo do Rosário (1910-1989), que comparece com um grande conjunto de obras, como também ocorreu na Bienal de São Paulo, no ano passado.
Mas não é apenas de "outsiders", como são chamados os não-artistas, que o "Palácio Enciclopédico" é constituído. A exposição apresenta nomes de peso, como os norte-americanos Walter de Maria e Bruce Naumam, ou a dupla suíça Peter Fischli e David Weiss, em uma série de pequenas esculturas em cerâmica com títulos hilários.
Nesse grupo, intitulado "Suddenly This Overview" ("de repente essa visão"), há de réplicas de fatias de pão a uma cena com dois bonecos que representam como os pais de Albert Einstein descansam depois de fazer sexo. A enciclopédia dos suíços, assim como a de Gioni, é realmente original.
Suíço Max Bill é fio condutor de pavilhão do Brasil
DO ENVIADO A VENEZA
"Dentro/Fora", a representação brasileira em Veneza, tem curadoria do venezuelano Luis Pérez-Oramas, responsável pela última Bienal de São Paulo (2012), e é uma exposição coletiva.
A mostra é composta pelos artistas contemporâneos Hélio Fervenza e Odires Mlászho e por obras de artistas históricos, que contextualizam a produção atual.
Nesse sentido, "Unidade Tripartida", do suíço Max Bill (1908""1994), desempenha papel essencial.
A escultura, que, até ontem pela manhã, ainda não havia chegado a Veneza, venceu a primeira Bienal de São Paulo, em 1951. Ela foi escolhida por Pérez-Oramas devido ao fato de ter o formato de uma fita de Moebius, na qual o dentro e o fora ocupam a mesma posição.
A partir daí, o curador cria uma leitura da obra dos dois contemporâneos apresentados, que também seguiriam procedimentos semelhantes.
No pavilhão brasileiro, as obras históricas são vistas na primeira sala, ao lado de obras já conhecidas de Fervenza e Mlászho.
Na segunda sala, os dois contemporâneos apresentam novos trabalhos.
Nacionalismo está em baixa nas representações
DO ENVIADO A VENEZA
A Argentina levou ao pé da letra a ideia de representação nacional na 55ª Bienal de Arte de Veneza, e exibe em seu espaço uma exposição dedicada a Eva Perón, feita pela artista Nicola Constantino.
A obra retrata Evita em funções públicas e privadas, como ao se pentear olhando para o espelho em seu quarto, na interpretação de uma atriz. A instalação termina com projeções da Evita real, em colossais manifestações públicas. Parece propaganda política, o que é estranho em uma mostra de arte.
A Bienal de Veneza surgiu em 1895 e, junto com ela, a ideia de uma exposição baseada em representações nacionais, ou seja, artistas e obras indicados oficialmente por países.
Isso já ocorria em outras áreas: era comum, por exemplo, com novas máquinas nas chamadas exposições universais.
Possivelmente por isso, Veneza sempre teve um caráter competitivo, que é consagrado com o Leão de Ouro, o prêmio para melhor pavilhão e artista.
Mas países não costumam enviar imagens políticas de publicidade, já que a seleção costuma ser feita por especialistas.
Mas a Argentina é mesmo exceção. E uma das surpresas dessa Bienal foi França e Alemanha terem trocado de pavilhão, uma sinalização clara pela quebra de nacionalismos.
No pavilhão da Alemanha, a França exibe o artista albanês Anri Sala, há anos radicado no país, o que aponta para como os responsáveis pela indicação não concordam com políticas de xenofobia em ascensão no país.
Também a Alemanha, no pavilhão da França, apresenta artistas de outros países, como Dayanita Singh, da India, Santu Mofokeng, da África do Sul, e o polêmico chinês Ai Weiwei, que não pode vir a Veneza. O artista chinês é responsável por uma das obras mais impactantes da Bienal, composta por centenas de bancos de madeira, que criam uma escultura penetrável.
Mesmo o Brasil, na curadoria do venezuelano Luis Pérez-Oramas, apresenta em sua seleção o italiano Bruno Munari (1907-1998), tendo pela primeira vez um estrangeiro, que nunca esteve no Brasil, representando o país.
Nacionalismo, com exceção da Argentina, está em baixa em Veneza.
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