ANDRÉ MANTOVANI
TENDÊNCIAS/DEBATES
Quem soube sabe?
A TV Cultura envelheceu mal. Contentar-se com números de audiência depois da vírgula é pouco. A emissora não pode ser um desperdício
O momento é de transformação na indústria da comunicação. Surgem novas mídias, novos formatos e vetores. O "modus operandi" do mercado se altera, veículos tradicionais perdem lugar para a novidade, tradições arrefecem. Ameaças e oportunidades se misturam.O aumento da penetração da TV paga faz a quantidade de canais se expandir de forma acelerada. Emissoras de TV aberta perdem espaço para canais segmentados. Tendência que só se intensificará.
Inserida nesse ambiente está a TV Cultura, que, a partir do próximo mês, contará com novo presidente-executivo. Sua marca é lembrada com carinho e possui atributos valiosos. Mas sua programação é morna e pouco relevante.
A palavra aqui é vitalidade. Não há. Ao passar pelo canal, percebemos que tecnicamente tudo é bom e correto, os apresentadores, os cenários, as chamadas, a organização da grade. Mas falta vida, falta atrair, é burocrática. A TV Cultura envelheceu mal. Precisa atualizar-se.
O ponto de partida seria o próprio nome: TV Cultura. Num significado menor, cultura confunde-se com erudição, distante da maioria. Num significado mais amplo, cultura é o ambiente ao redor e a maneira pela qual aprendemos a percebê-lo. No último, cultura e comunicação se entrelaçam --é por intermédio da cultura que ocorre a comunicação.
Entendida assim, a palavra cultura nos indica que a TV Cultura poderia propiciar novos olhares. Cabe sugerir que o caminho seria abordar temas atuais e relevantes de um ponto de vista inusitado e não convencional, de forma a abrir novas perspectivas para a sua audiência, fugindo do lugar-comum e da análise superficial, sem cair no erudito inaccessível ou folclórico desinteressante. Um desafio.
Sem cair na armadilha da quantidade versus qualidade, pois boa programação atrai bons números de audiência. Há que se propor movimentos mais contundentes na programação. Alguns passos já foram dados. A aproximação com a produção independente, o lançamento de formatos e o uso da segunda tela são boas iniciativas, mas é pouco.
Por que não pensar na BBC? Uma TV pública que é exemplo para o mundo, experimenta e inova com excelentes resultados. Atualiza-se com velocidade, pois preocupa-se com sua audiência, em ser relevante e em comunicar o que acredita interessar ao seu público entendido de forma ampla. Mais do que uma TV, a BBC é uma marca forte com atuação multiplataforma.
Contentar-se com números de audiência que surgem depois da vírgula é pouco. Os recursos do Estado estão alocados e serão gastos. A TV Cultura não pode ser um desperdício, e o momento não é para timidez.
O audiovisual é setor estratégico e em forte transformação. Cabe à Fundação Padre Anchieta participar de forma ativa desse desenvolvimento. O audiovisual ajuda na construção das identidades. É importante que o Estado contribua para uma construção rica. Assim, colaborará na criação de cidadãos mais autônomos e conscientes.
A TV Cultura deve voltar a ser polo vanguardista na produção midiática, o canal em que surgem novos e importantes formatos de comunicação. Não há tempo a perder.
CRISTOPHER VLAVIANOS
TENDÊNCIAS/DEBATES
Energia em desequilíbrio
Se há energia elétrica não aproveitada pelo mercado cativo, por que não destiná-la ao mercado livre? É preciso financiar empreendimentos
O mercado livre de energia floresceu no Brasil após o fim do racionamento de energia, em fevereiro de 2002. A redução do consumo elétrico pela população foi tão exitosa que sobrou energia no mercado. O excedente alimentou a fase de maior expansão do mercado livre, que, desde então, vem atuando com os grandes consumidores de energia de diversas cadeias produtivas.O diferencial para uma empresa aderir ao mercado livre é a possibilidade de poder escolher seu fornecedor de energia, assim como o preço, o prazo e o montante a ser consumido, favorecendo a competitividade. Hoje, o mercado livre responde por 27% do consumo brasileiro.
Por outro lado, no mercado cativo ou regulado, compra-se energia da concessionária sem a possibilidade de negociar preço, ficando-se sujeito às tarifas de fornecimento. Os consumidores residenciais estão no mercado cativo.
O contexto atual brasileiro, porém, revela certo desequilíbrio no setor de energia e entre os mercados cativo e livre. Em novembro de 2012, o governo federal reduziu as tarifas de energia para o consumidor (e agora promete manter a redução por decreto, pois a medida não chegou a ser votada pelo Senado). Era um momento crítico, em que os reservatórios se encontravam em níveis baixíssimos. O sinal implícito era de que "o custo caiu, podem consumir mais".
Para não correr o risco de desabastecimento energético, o governo então colocou em operação usinas térmicas ineficientes e caras, mas necessárias para garantir o fornecimento de energia. O custo desse acionamento para a sociedade é superior a R$ 1 bilhão por mês.
Não faz sentido pagarmos um custo tão alto em uma energia suja quando se tem uma oferta de energia limpa reprimida e pouco estimulada.
No último leilão para o mercado cativo, por exemplo, havia uma oferta de cerca de 14 mil megawatts, predominantemente de energia eólica, para uma demanda declarada de 500 megawatts --os leilões para novos empreendimentos energéticos no mercado cativo se baseiam nas previsões de demanda futura.
Não incluir essa oferta de energia limpa na matriz elétrica brasileira resulta em uma maior dependência das usinas térmicas, mais custos para o sistema e, pior, em um aumento da emissão de gases poluentes para a atmosfera.
Mas, se há oferta de energia elétrica não aproveitada pelo mercado cativo, por que não destiná-la ao mercado livre?
A resposta paira sobre a dificuldade em financiar novos empreendimentos para o mercado livre. As empresas consumidoras geralmente celebram contratos de médio prazo, de três a cinco anos, no ambiente livre, renovando-os de acordo com sua estratégia de mercado e procurando uma menor exposição aos reajustes da inflação, de modo a manter a sua competitividade.
Para os agentes que financiam os empreendimentos, porém, esse prazo é insuficiente para garantir o retorno do investimento. Isso explica a falta de oferta de novos empreendimentos para o mercado livre, enquanto sobra para o mercado cativo, que conta com prazos contratuais maiores e, por consequência, com mais garantias de retorno.
A solução para esse desequilíbrio seria a entrada de agentes financiadores, em especial o BNDES, em projetos de energia para o mercado livre.
Em uma só "tacada", o governo estimularia a oferta, reduziria os custos financeiro e ambiental advindos do acionamento das térmicas, geraria empregos, recolheria impostos, manteria a segurança do sistema elétrico e eliminaria o desequilíbrio entre oferta e demanda dos mercados cativo e livre.
Para que seja factível, porém, o agente financiador precisará se certificar de que o empreendimento será, de fato, entregue, contando com a fiscalização da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). E, como em todos os demais casos, terá seus contratos baseados no valor da commodity "energia".
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