Ninguém é contra submeter a exames de revalidação os profissionais cubanos que vierem para o Brasil
Frei Betto
Estado de Minas: 15/05/2013
O Conselho Federal de Medicina (CFM) está indignado diante do
anúncio da presidente Dilma de que o governo trará 6 mil médicos de
Cuba, e outros tantos de Portugal e Espanha, para atuarem em municípios
carentes de profissionais da saúde. Por que aqui a grita se restringe
aos médicos cubanos? Detalhe: 40% dos médicos do Reino Unido são
estrangeiros.
Também em Portugal e Espanha há, como em qualquer país, médicos de
nível técnico sofrível. A Espanha dispõe do 7º melhor sistema de saúde
do mundo, e Portugal do 12º. Em terras lusitanas, 10% dos médicos são
estrangeiros, inclusive cubanos, importados desde 2009. Submetidos a
exames, a maioria obteve aprovação, o que levou o governo português a
renovar a parceria em 2012.
Ninguém é contra o CFM submeter médicos cubanos a exames (Revalida),
como deve ocorrer com os brasileiros, muitos formados por faculdades
particulares que funcionam como verdadeiras máquinas de caça-níqueis. O
CFM reclama da suposta validação automática dos diplomas dos médicos
cubanos. Em nenhum momento isso foi defendido pelo governo. O ministro
Padilha, da Saúde, deixou claro que pretende seguir critérios de
qualidade e responsabilidade profissionais.
A opinião do CFM importa menos que a dos habitantes do interior e
das periferias de nosso país que tanto necessitam de cuidados médicos.
Estudos do próprio CFM, em parceria com o Conselho Regional de Medicina
de São Paulo, sobre a demografia médica no Brasil, demonstram que em
2011 o Brasil dispunha de 1,8 médico para cada 1 mil habitantes. Temos
de esperar até 2021 para que o índice chegue a 2,5/1 mil. Segundo
projeções, só em 2050 teremos 4,3/1 mil. Hoje, Cuba dispõe de 6,4
médicos por cada 1 mil habitantes. Em 2005, a Argentina contava com mais
de 3/1 mil, índice que o Brasil só alcançará em 2031.
Dos 372 mil médicos registrados no Brasil em 2011, 209 mil se
concentravam nas regiões Sul e Sudeste, e pouco mais de 15 mil na Região
Norte. O governo federal se empenha em melhorar essa distribuição de
profissionais da saúde por meio do Programa de Valorização do
Profissional de Atenção Básica (Provab), oferecendo salário inicial de
R$ 8 mil e pontos de progressão na carreira, para incentivá-los a
prestar serviços de atenção primária à população de 1.407 municípios
brasileiros. Mais de 4 mil médicos já aderiram. O senador Cristovam
Buarque (PDT-DF) propõe que médicos formados em universidades públicas,
pagas com o seu, o meu, o nosso dinheiro, trabalhem dois anos em áreas
carentes para que seus registros profissionais sejam reconhecidos.
Se a medicina cubana é de má qualidade, como se explica a saúde
daquela população apresentar, segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), índices bem melhores que os do Brasil e comparáveis aos dos EUA? O
Brasil, antes de reclamar de medidas que beneficiam a população mais
pobre, deveria se olhar no espelho. No ranking da OMS (dados de 2011), o
melhor sistema de saúde do mundo é o da França. Os EUA ocupam o 37º
lugar. Cuba, o 39º. O Brasil, o 125º lugar!
Se não chegam médicos cubanos, o que dizer à população desassistida
de nossas periferias e do interior? Que suporte as dores? Que morra de
enfermidades facilmente tratáveis? Que peça a Deus o milagre da cura?
Cuba, especialista em medicina preventiva, exporta médicos para 70
países. Graças a essa solidariedade, a população do Haiti teve amenizado
o sofrimento causado pelo terremoto de 2010. Enquanto o Brasil enviou
tropas, Cuba remeteu médicos treinados para atuar em condições precárias
e situações de emergência.
Médico cubano não virá para o Brasil para emitir laudos de
ressonância magnética ou atuar em medicina nuclear. Virá tratar de
verminose e malária, diarreia e desidratação, reduzindo as mortalidades
infantil e materna, aplicando vacinas, ensinando medidas preventivas,
como cuidados de higiene. O prestigioso New England Journal of Medicine,
na edição de 24 de janeiro deste ano, elogiou a medicina cubana, que
alcança as maiores taxas de vacinação do mundo, “porque o sistema não
foi projetado para a escolha do consumidor ou iniciativas individuais”.
Em outras palavras, não é o mercado que manda, é o direito do cidadão.
Por que o CFM nunca reclamou do excelente serviço prestado no Brasil
pela Pastoral da Criança, embora ela disponha de poucos recursos e
improvise a formação de mães que atendem a infância? A resposta é
simples: é bom para uma medicina cada vez mais mercantilizada, voltada
mais ao lucro que à saúde, contar com o trabalho altruísta da Pastoral
da Criança. O temor é encarar a competência de médicos estrangeiros.
Quem dera que, um dia, o Brasil possa expor em suas cidades o
outdoor que vi nas ruas de Havana: “A cada ano, 80 mil crianças do mundo
morrem de doenças facilmente tratáveis. Nenhuma delas é cubana”.
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