quarta-feira, 15 de maio de 2013

Sexo na velhice - Claudia Collucci

folha de são paulo

Sexo na velhice


"Neste momento das nossas vidas, Willie e eu estamos num desses umbrais, o da maturidade, quando quase tudo se deteriora: o corpo, a capacidade mental, a energia e a sexualidade.
Que diabo nos aconteceu? (...) Certa manhã nos vimos despidos no espelho grande do banheiro e ambos nos sobressaltamos. Quem eram aqueles velhinhos intrusos em nosso banheiro?
Nesta cultura, que supervaloriza a juventude e a beleza, são necessários muito amor e alguns truques de ilusionista para manter vivo o desejo pela pessoa que antes nos excitava e agora está achacosa e gasta.
Em minha idade respeitável, na qual me dão desconto no cinema e no ônibus, tenho o mesmo interesse de sempre pelo erotismo. Minha mãe, que completou 90, diz que isso nunca acaba, mas é melhor não espalhar, porque o resultado é chocante; supõe-se que os velhos são assexuados, como as amebas.
Por dentro Willie [William Gordon, com quem está casada há 26 anos] não mudou, continua sendo o mesmo homem forte e bom por quem me apaixonei.
Por isso estou empenhada em manter acesa a paixão, embora já não seja o fogo de uma tocha, mas a chama discreta de um fósforo. Outros casais da nossa idade exaltam os méritos da ternura e do companheirismo, que substituem o alvoroço da paixão, mas já avisei a Willie que não pretendo substituir a sensualidade por aquilo que já tenho com a minha cachorrinha. Ainda não..."
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É dessa forma honesta e divertida que a escritora Isabel Allende, 70, nos introduz ao seu mais recente livro: "Amor" (Editora Bertrand Brasil, 240 págs, R$ 29), que reúne seus principais contos de amor.
Ao falar abertamente sobre sexo e sexualidade na velhice, Isabel presta um grande serviço não só à população de idosos, mas a todos nós que um dia chegaremos lá.
O tema é ainda um tabu, motivo de vergonha e constrangimento para muitos idosos. Mas não precisaria ser assim, dizem os especialistas.
O que se prega hoje é que o sexo na terceira idade pode ser sim prazeroso, mas depende de como encaramos o envelhecimento e de como vamos driblar as limitações naturais desse processo.
Existem, é claro, mudanças fisiológicas reais. O homem pode demorar mais para se excitar, ter ereção e orgasmo. A mulher sofre com a diminuição da elasticidade, o ressecamento vaginal e sente dor durante a penetração.
Alguns medicamentos também podem dificultar a ereção e o desejo, como os anti-hipertensivos ou antidepressivos. Um ajuste na dosagem ou a troca de medicação pode melhorar isso.
Lubrificantes à base de água diminuem a dor da penetração no caso das mulheres. Para os homens, as drogas para disfunção erétil são de grande ajuda --e de preocupação também.
Há um aumento no índice de doenças sexualmente transmissíveis em idosos, incluindo o HIV. Os mais velhos raramente usam preservativos, o que representa um grande risco.
Uma vida sexual ativa também depende de conversa, de trocas. Saber o que é mais prazeroso para o parceiro e fazer as adaptações necessárias também é muito importante nessa fase da vida.
A questão prioritária, porém, é derrubar estereótipos e preconceitos. A sociedade ainda vê a sexualidade muito atrelada à beleza e juventude. Isso coloca uma barreira psicológica, principalmente para as mulheres.
Daí a importância do livro da septuagenária Isabel Allende. Não é negar as dificuldades do envelhecer. Mas sim encontrar formas de dar mais qualidade e alegria aos dias que nos resta.
Avener Prado/Folhapress
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.

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