Walter Sebastião
Estado de Minas: 23/05/2013
Os dragões, pintura de Nello Nuno: estética pós-Guignard |
Dois artistas, dois irmãos: Nello Nuno (1939-1975) e Eliana Rangel (1941-2003). Nome de referência das artes visuais em Minas Gerais, ele é pintor celebrado, mas pouco conhecido – e menos ainda estudado. Autora de obra que se valeu da abstração, ela investigou as relações entre matéria, cor e superfície. Ambos acabam de ganhar livros escritos pelo crítico Márcio Sampaio, que foi casado com Eliana. O lançamento será amanhã, em Ouro Preto, com direito a pequena – e preciosa – exposição.
“Esse livro significa a concretização de um sonho”, afirma Anna Amélia Lopes, viúva de Nello Nuno, que acalentava o projeto desde a morte do marido, em 1975. “Fico muito feliz em ver obras fortes sendo divulgadas. Nello trouxe nova direção para a arte em Minas Gerais: deixou a influência de Guignard e optou por representação mais solta, fazendo a leitura do cotidiano com cores e composições muito livres”, explica.
Artista plástica, Anna chama a atenção para o legado de um criador irrequieto, sempre em busca de novas formas de expressão. Com rapidez, Nello trocava a dedicação intensa a uma pesquisa por outros caminhos. A viúva revela que tamanha inquietação provocava surpresa, chegando a dificultar a venda de quadros. “As pessoas queriam o que ele parou de fazer, enquanto a nova fase ainda soava estranha para elas. Nello nunca gostou de explicar seu trabalho, considerava que arte devia ser sentida. Se precisasse explicar, melhor seria se tornar escritor”.
Autodidata, Nello se formou por meio dos livros de arte e de obras literárias. Carinhoso com os filhos, era homem alegre, generoso e tranquilo – o que se vê nas cores de seus quadros. “Muito boêmio, ele me acostumou a não esperá-lo para jantar, a ouvir o ‘vou ali e volto já’ e só aparecer no dia seguinte. Sofri, mas o achava um artista tão genial que compreendi: meu marido precisava do tempo dele”, diverte-se a viúva.
Nello tinha uma postura tão relaxada diante da vida que qualquer um – pessoas simples, intelectuais, pobres ou ricos – sentia vontade de conversar com ele, relembra Anna Amélia. “Gostava de qualquer assunto, tinha humor e era supercarismático. Amigos vinham de Belo Horizonte para Ouro Preto, onde moro até hoje, só para tirar uma prosa. Adorava ir ao Bar do Tóffolo para ler jornal e jogar xadrez. Era ótimo no xadrez e tinha mesa cativa lá”, recorda.
Terapia Apesar de otimista, Nello enfrentou momentos de infelicidade que o fizeram procurar a terapia. Amigos chegaram a criticá-lo, temendo que a análise prejudicasse sua criatividade. “Não concordo, acho que a terapia ajudou. A arte dele ficou incrível”, defende a viúva. Na opinião dela, justamente desse período surgiram as melhores obras do marido, como as realizadas pouco antes de ele morrer.
Nello teve um amigo ilustre que o ajudou nos momentos difíceis: o escritor Murilo Rubião. O pintor ilustrou vários textos do escritor e foi influenciado por ele – sobretudo nos quadros em que experimentou a estética ligada ao fantástico.
Anna Amélia está feliz com o livro sobre o legado do marido, mas sonha com uma ampla retrospectiva de seus trabalhos. “Adoraria que a cidade de Viçosa voltasse a promover o Salão Nello Nuno”, acrescenta, referindo-se ao evento organizado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). “Um salão com formato mais tradicional é ótima oportunidade para quem está começando a carreira”, acredita.
Oportunidade A pequena exposição de trabalhos de Nello Nuno e Eliana Rangel no Museu Casa dos Contos dará ao público a chance de conhecer a obra dos irmãos. O crítico Márcio Sampaio diz que a mostra vai ressaltar e reconhecer as qualidades e a originalidade de cada um.
Embora criações independentes e um tanto diversas, as obras de Nello e Eliana têm linguagens e temas próximos. “O conjunto apresenta alto teor poético e expressivo. O público poderá ver ali ressonâncias afetivas, o diálogo entre o trabalho dos irmãos”, conclui Sampaio.
EM OURO PRETO
Lançamento dos livros Nello Nuno: a poética do cotidiano e Eliana Rangel, construções afetivas, de Márcio Sampaio. Amanhã, às 19h, no Museu Casa dos Contos, Rua São José, 12, Centro Histórico de Ouro Preto. Informações: (31) 3551-1444. Entrada franca. Exposição com obras dos irmãos ficará em cartaz até 2 de junho.
Unidos na arte
Detalhe de Terra, ritmo (tríptico, parte 2), de Eliana Rangel |
Eliana trabalhou como técnica de laboratório da Escola de Medicina da UFMG e atuava como desenhista e ilustradora de obras científicas. Orientada inicialmente por Nello e a cunhada, Anna Amélia Lopes, ela começou a transpor a experiência na área científica para o campo da arte. Primeiro trabalhou com o desenho e depois se dedicou à pintura.
Pintor, desenhista, ilustrador e professor, Nello Nuno conviveu em BH com os artistas plásticos Maria Helena Andrés, Álvaro Apocalypse, Terezinha Veloso, Jarbas Juarez, Eduardo de Paula e Chanina. Morou em Lagoa Santa, já casado com Anna Amélia. Em 1965, o casal se mudou para Ouro Preto e criou escola ligada à Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop).
Professor da Faop e das escolas Guignard e de Belas-Artes da UFMG, Nello morreu aos 35 anos, no auge da carreira. A causa teria sido botulismo contraído em patê ingerido durante noitada regada a vinho em Lagoa Santa, com amigos – entre eles o escultor Amilcar de Castro. Há quem assegure que a meningite matou o pintor.
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