terça-feira, 4 de junho de 2013

Livro de Ângela Vaz Leão, História das palavras ganha nova edição ampliada depois de 50 anos

Livro de Ângela Vaz Leão, História das palavras ganha nova edição ampliada depois de 50 anos. Professora analisa aspectos ligados à etimologia e estuda as crônicas de Drummond 


Com todas as letras - João Paulo

Estado de Minas : 04/06/2013 


O livro História das palavras, de Ângela Vaz Leão, tem mais de 50 anos. A primeira edição foi lançada em maio de 1961, pela imprensa da então Universidade de Minas Gerais. A publicação reunia seis ensaios e ganhou os prêmios Othon Linch Bezerra de Mello, da Academia Mineira de Letras, e o Prêmio Cidade de Belo Horizonte, seção educação, da Prefeitura de BH. O volume ganha agora segunda edição, acrescida de quatro textos, pela Editora PUC Minas. O lançamento é hoje, na Quixote Livraria PUC Minas, no Coração Eucarístico.

O tema do livro é técnico, já que se trata de uma seleção de ensaios sobre problemas de léxico, abordando arcaísmos, neologismos, mistura de popular e erudito, etimologia, história da língua e até análise das crônicas de Carlos Drummond de Andrade, a partir do par inovação e tradicionalismo. Na explicação prévia, a autora diz que, se escrito hoje, o livro seria apresentado de maneira diversa, embora sem mudanças na análise. Mais que sinceridade, o julgamento de Ângela Vaz Leão em relação ao próprio trabalho diz de sua vontade permanente de aprimoramento e comunicação com novos leitores.

Os ensaios reunidos em História das palavras são prova de método que não teme a erudição, mas que seduz pelo desafio em compartilhar a pesquisa. À primeira vista, o tema e o tratamento erudito podem afastar o leitor não especialista. No entanto, Ângela Vaz Leão consegue guiar o leitor pelos desafios da linguística e filologia a partir de questões aparentemente simples, como a origem de uma palavra; a ocorrência de um termo arcaico no modo de falar de pessoas do interior de Minas; a defesa de um neologismo; os motivos pelos quais um termo se torna tabu; e até o mergulho na poética expressão lusco-fusco, para retirar dela muito mais beleza e sentido.

A autora dialoga com a tradição, busca exemplos no latim e em outras línguas românicas, apresenta conceitos de linguística, mas também traz para a argumentação o uso literário das expressões, debate o sentido das palavras, recorre ao modo de falar de pessoas do povo, pesquisa exemplos literários sempre reveladores e de bom gosto. Desse passeio pela língua, o leitor sai mais informado e atento, não poucas vezes estimulado a ir nas fontes indicadas e a perceber que a ciência das letras está muito mais próxima do que parecia à primeira aproximação.

GÍRIA E FILOSOFIA O texto que fecha o livro, “Inovação e tradiconalismo em Fala, amendoeira”, aparentemente distinto dos anteriores, que são mais técnicos, é um modelo de erudição e comunicação. Ângela Vaz Leão defende que na prosa de Carlos Drummond de Andrade, mesmo em seu livro de crônicas de 1957, ainda pouco estudado e valorizado, estão presentes elementos que fazem do autor um dos maiores prosadores da língua portuguesa, ao lado de Machado de Assis. Para amparar seu juízo, a ensaísta analisa com leveza e profundidade elementos que vêm tanto da renovação da linguagem como do bom uso da tradição da língua.

Assim, Ângela Vaz Leão estuda a estrutura do livro (como as crônicas publicadas em jornais foram agrupadas), a seleção de vocábulos feita pelo poeta, as criativas associações vocabulares propostas por Drummond, o uso do neologismo e do humor, a disciplina gramatical e a variedade sintática, a busca da oralidade, o uso de gírias e regionalismos. Pelo lado da tradição, destaca o uso sofisticado da língua culta e a bagagem intelectual do escritor, que, mesmo quando narra um episódio singelo, é capaz de extrair dele consequências de natureza filosófica, amparadas por vocábulos tomados de disciplinas científicas e de uma prosa que, mesmo sem enfeite ou pendantismo, é alimentada por alusões , citações e reminiscências de leitura. Para cada um desses momentos da criação drummondiana, Ângela Vaz Leão convoca exemplos exatos.

Com nova vida, 50 anos depois, História das palavras tem ainda a contribuir para um dos maiores desafios da academia: comunicar com seus leitores e despertar interesse pela vida intelectual. Talvez a arte de fazer conviver profundidade e clareza seja a mais difícil de todas no campo dos estudos universitários. E é para isso que existem os sábios, que são poucos, mas extremamente necessários. Dona Ângela Vaz Leão está mais atual que nunca.


HISTÓRIA DAS PALAVRAS
Lançamento do livro de Ângela Vaz Leão. Hoje às 17h30, na Quixote Livraria PUC, Espaço Cultura e Fé, Rua Dom José Gaspar, 500, prédio 7, Coração Eucarístico. Informações: www.pucminasbr/editora.

Uma trajetória exemplar
A professora Ângela Vaz Leão tem uma das carreiras mais produtivas da universidade brasileira no campo dos estudos de linguística e filologia. Professora emérita da UFMG e professora titular da PUC Minas, onde ainda trabalha na pós-gradução, já na casa dos 90 anos, é autora de livros e artigos científicos que fazem par ao trabalho como pesquisadora, professora, orientadora de teses, coordenadora de grupos de estudos (com destaque para o núcleo em torno das Cantigas de Santa Maria) e fundadora de programas de pós-graduação. Entre seus livros estão O período hipotético inicado por ‘se’ (1961), Henriqueta Lisboa: o mistério da criação poética (2004), e Cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o Sábio: aspectos culturais e literários (2007).

Há ainda uma dimensão que se destaca no trabalho de dona Ângela, como é conhecida por uma legião de alunos que ajudou a formar: a capacidade de estimular os estudos. Há, na área da linguagem em Minas Gerais, um reconhecimento merecido ao trabalho da professora, que vai do ofício em sala da aula aos custosos embates na administração, passando pela orientação detida da trajetória de dezenas de pesquisadores. Contribui para isso, além da qualidade intelectual do trabalho, a busca de valorização do campo de conhecimento a que se dedicou, com exigências altas, mas sem se perder em modismos. 

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