terça-feira, 4 de junho de 2013

Uma mania americana - Michael Kepp

folha de são paulo

Uma mania americana


"Americanos são muito estatísticos", já dizia Caetano. É verdade.
Meus conterrâneos, obcecados por fatos, os colocam em um pedestal e os quantificam, para lhes conferir precisão e credibilidade. Números e porcentagens lhes dão o poder de prever e, às vezes, controlar os acontecimentos.
Se fosse feito um estudo, o resultado mostraria que nove em dez americanos amam estatísticas. Mas estou só 50% certo disso.
Mais estatísticas per capita são recolhidas sobre o beisebol do que sobre qualquer outra atividade humana. Já que acontece tão pouca coisa durante o jogo, os comentaristas inundam os espectadores de números sobre o desempenho de cada um dos jogadores.
Os torcedores ficam mais encantados por essas cifras do que por um jogo de futebol que acaba zero a zero.
Nas noites das eleições presidenciais, as redes de TV alimentam eleitores famintos de fatos com números constantemente atualizados de votos dados a cada candidato em cada condado de cada Estado onde a disputa esteja acirrada.
Mas duas estatísticas previram a derrota de Mitt Romney na eleição de 2012. Uma delas se destacou em um vídeo, gravado secretamente, em que ele dizia a ricos doadores de campanha que 47% dos americanos eram "vítimas... dependentes do governo".
A outra estatística --a do slogan "Nós somos os 99%", do movimento Occupy Wall Street-- era um sinal de que a maioria dos eleitores não votaria em um bilionário do 1% mais rico. Ou, no caso de Romney, do 0,006% mais rico.
Números poluem a paisagem americana. As placas de estrada que anunciam o perímetro urbano de uma cidade sempre informam a população. Os arcos dourados da rede McDonald's anunciam quantos bilhões de hambúrgueres foram servidos. E um painel eletrônico em Manhattan mostra um número constantemente atualizado, de 13 dígitos: a dívida nacional.
A imprensa americana publica fatos quantificados com valor noticioso zero. Veja essa recente manchete do "New York Times": "Donald Hornig, o último a ver a primeira bomba atômica, morre aos 92 anos".
A revista "Harper's" dedica uma página inteira a estatísticas. Entre as 39 estatísticas de maio estava este precioso dado: entre os países que produzem atores pornô, a Hungria ocupa o segundo posto. Outra revista me revela que eu nasci no oitavo melhor hospital dos Estados Unidos.
Michael Kepp
Michael Kepp, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Ed. Record). Mantém o site www.michaelkepp.com.br. Escreve às terças, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".

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