Ávido por boas histórias, o público
prestigiou o Fórum das Letras, realizado durante quatro dias em Ouro
Preto. A próxima edição do evento literário mineiro discutirá escritas
em transe
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 03/06/2013
Na
bela e fria manhã de domingo, choveram versos em Ouro Preto. Desde
quinta-feira, leitores, autores e editores participaram da nona edição
do Fórum das Letras, encerrada ontem. Das torres da Basílica de Nossa
Senhora do Pilar caíram centenas de folhetos coloridos com versos do
poeta mineiro Affonso Ávila (1928 – 2012), extraídos do livro Cantaria
barroca (1975).
Organizada pelo escritor ouro-pretano Guilherme
Mansur, a tempestade poética fez a alegria da criançada e encantou os
adultos. “Que coisa linda! Vou levar meu papelzinho para casa”,
comemorou a pequena Tainá, que mora em Mariana. A paulista Andreia
Bizzuti, que visitava Ouro Preto pela primeira vez, já decidiu: no ano
que vem, voltará à cidade. Ao lado do marido, que fotografava tudo,
Andreia queria saber onde encontrar os livros de Affonso Ávila. É
justamente este o objetivo do fórum mineiro: despertar o interesse das
pessoas pela literatura.
Por quatro dias, a antiga capital de
Minas Gerais ofereceu eventos gratuitos a moradores e turistas – vários
deles ficaram lotados. Sábado, no Grêmio Literário Tristão de Ataíde,
jornalistas contaram ao público alguns segredos da boa reportagem.
Audálio Dantas, Danilo Venticinque e Ivan Marsiglia defenderam a
presença das boas histórias em jornais, revistas, TVs e demais veículos
de imprensa.
“Às vezes, podemos contar uma boa história com
concisão, em poucas palavras, mas isso não quer dizer que não possamos
escrever matérias extensas e que demandam tempo, como fiz ao longo da
minha carreira”, disse o veterano Audálio Dantas, citando a reportagem
que escreveu, há mais de 40 anos, sobre o Rio São Francisco. O
jornalista percorreu todo o trajeto do Velho Chico – da nascente, na
Serra da Canastra (MG), à foz, em Alagoas. “Alugamos um barco e até uma
cozinha levamos”, lembrou.
Marsiglia, que aproveitou para
autografar seu livro A poeira dos outros (Arquipélago), garante: ao
contrário do que pode parecer, as pessoas querem, cada vez mais, ler
boas histórias de não ficção. “Entretanto, por falta de espaço nos
jornais, essas histórias têm se refugiado nos livros”, disse. O
jornalista é autor de reportagem premiada, publicada em seu livro, sobre
a casa em Petrópolis (RJ) onde a militante de esquerda Inês Etiene
Romeu foi torturada durante vários dias por agentes da ditadura militar,
no início década de 1970.
Outra palestra concorrida foi a do
jornalista Mino Carta, no Cine Vila Rica, com mediação de Maurício Dias.
Muito aplaudido ao chegar, Carta autografou o livro Brasil (Record) e
falou sobre sua trajetória. Italiano, chegou ao país “menino de calças
curtas” e testemunhou importantes momentos da história política do país.
Para
o veterano repórter, o Brasil ainda padece das consequências da
ditadura militar. Mino Carta advertiu: “Não foi só uma ditadura militar,
mas também civil, pois teve amplo apoio das elites brasileiras, os
chamados donos do poder.” Com a chegada do PT ao poder, muita coisa
mudou para melhor no Brasil, na opinião dele. Para Mino, Lula conseguiu
criar uma política internacional independente, “que tirou o país do
quintal dos Estados Unidos”, e Dilma, apesar da crise, está conseguindo
levar essa política adiante.
PREÇO O pequeno
acesso do cidadão brasileiro ao livro foi tema de debate no Espaço Sesc,
montado no anexo do Museu da Inconfidência. Os editores Ivan Pinheiro
Machado (L&PM), Sílvia Leitão e Ivo Enoc (Record), com mediação de
Sérgio França, discutiram as formas de baratear o produto. Para Machado,
um dos caminhos é investir no formato de bolso. “Infelizmente, ainda há
grande preconceito por parte da elite e da imprensa em relação a esse
segmento”, lamentou.
Silvia Leitão argumentou: independentemente
do formato, o que vem em primeiro lugar é o livro ser benfeito. “Uma boa
produção, com texto integral e capa bem trabalhada, ajuda muito a
despertar o interesse das pessoas pela leitura”, garante ela.
Outro
bate-papo reuniu a agente literária Lúcia Riff e o romancista Flávio
Carneiro, que conversaram com o público sobre o interesse dos
estrangeiros em relação a escritores brasileiros. Representante de 70
autores, muitos deles com obras publicadas no exterior, Lúcia afirmou
que a demanda atual se volta para clássicos nacionais e histórias
exóticas. “De uns tempos para cá, estamos dando um grande azar. A crise
econômica dificulta muito a venda de autores brasileiros na Europa”,
lamentou.
2014 na mira
Coordenadora
do Fórum das Letras, Guiomar de Grammont, professora da Universidade
Federal de Ouro Preto (Ufop) e editora de autores nacionais da Editora
Record, informou que a 10ª edição do evento terá o tema “Escritas em
transe”. O evento já foi marcado para setembro de 2014. Para Guiomar, o
fórum reforçou sua importância no calendário cultural brasileiro. O
encerramento oficial foi marcado para quarta-feira, às 20h, com o
espetáculo Recital à brasileira, com Elisa Lucinda e Geovana Pires, no
Teatro de Bolso Júlio Mackenzie, no Sesc Palladium, em BH.
Nasce um talento
Carlos Herculano Lopes
Laura
Novaes, de 15 anos, é aluna do Colégio Santo Agostinho, em Belo
Horizonte. O Fórum das Letras, contou a adolescente, foi um grande
acontecimento em sua vida. Desde pequena, ela sonha ser escritora, e o
encontro ouro-pretano só veio reforçar essa convicção.
“Com uma
história policial, já ganhei um concurso internacional promovido pela
escritora americana Meg Cabot”, orgulha-se Laura, que circulava entre
eventos do fórum com dois livros debaixo do braço, devidamente
autografados: Longe de Manaus, de Francisco Viegas, e Ler o mundo, de
Affonso Romano de Sant’Anna.
O casal Daniela Fonseca,
jornalista, e Márcio Liberato, administrador de empresas, foi de
Divinópolis para Ouro Preto com o objetivo de participar do fórum.
“Estou aqui não só porque adoro literatura, mas para conseguir boas
notícias para o meu blog. Apesar de terem vindo poucas estrelas a esta
edição, com exceção de Adélia Prado, as discussões foram melhores do que
as do ano passado”, garantiu Daniela.
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