SÃO PAULO - "Ouvi que vai ter neve amanhã", diz a dona de casa. "Não vou entrar na fila por isso", retruca a vizinha. Após levar horas para obter sua ração, um homem parte furioso, dizendo que vai matar o líder Gorbatchov. Volta logo e frustrado: lá a fila estava ainda maior.
Assim era o humor popular sob as ditaduras socialistas do leste europeu. Caviloso, sarcástico e às vezes masoquista. Servia como válvula de escape em regimes que reprimiam a informação e o contraditório. Rebatia, com a tinta da penúria cotidiana, a propaganda oficial laudatória.
A presidente Dilma Rousseff exerce um estilo de governo que por vezes lembra o solipsismo dos secretários-gerais soviéticos. Obsessiva pelo controle da informação, distanciada do mundo sublunar da política congressual e partidária, desconfiada dos assessores e da própria sombra.
Plano C de Lula para a sucessão de 2010 --depois de queimados os cartuchos de Dirceu e Palocci--, Dilma não tem base regional. Não se pode dizer de pronto onde fez carreira política. É típica representante da categoria que o filósofo Friedrich Nietzsche chamou de "nômades do Estado sem lar", ao referir-se aos burocratas das nações modernas.
Rousseff é uma ideia instalada na cadeira presidencial. Na leitura complacente, uma ideia ingênua demais para sobrepujar as cobras criadas da política brasileira, em especial quando o vento da economia bate na proa.
A governante solitária vê-se agora no centro de anedotas desfavoráveis. A obsessão pelo controle resvala no descontrole com as tentativas de pilotar até o avião presidencial. A compra urgente de um fogão para o Palácio da Alvorada enseja gracejos machistas. Virão mais casos reveladores da personalidade difícil, muitos brotando de sua camarilha.
Eis a mudança: nem o círculo próximo à presidente segura mais as críticas a seu modo de conduzir. Elas começam a fluir sob a forma de maledicências e anedotas variadas.
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