Retrovanguarda
SILAS MARTÍ
EM VENEZA
SILAS MARTÍ
EM VENEZA
Num beco veneziano que serpenteia entre palácios dos séculos 11 e 12 e termina na Fundação Prada, o "jet set" da arte vem fazendo fila para entrar no passado.
É ali que está em cartaz a mostra mais viva da temporada --um remake fiel até o último detalhe de "Quando Atitudes se Tornam Forma", o apanhado radical de arte minimalista ressuscitado do jeito que foi montado pelo curador suíço Harald Szeemann pela primeira e única vez em 1969 no Kunsthalle de Berna.
Do outro lado do labirinto de canais, um grupo de artistas ocupou o pavilhão romeno nos Giardini da Bienal de Veneza com uma ideia parecida, só que mais engraçada.
Remontando o passado
Ver em tamanho maior »
Homenzinho de pedra de Alighiero Boetti em frente a painel de vidro de Mario Merz na mostra 'Quando Atitudes se Tornam Forma', organizada por Harald Szeemann em 1969 e agora remontada na Fundação Prada em Veneza
Deixaram vazio o espaço e fazem, com mímicas, reencenações das obras mais célebres que já passaram pela mostra italiana em seus quase 120 fartos anos de história.
Liderado por Alexandra Pirici e Manuel Pelmus, o grupo anuncia com voz de locutor de rádio a obra que vai apresentar e depois se contorce em posições esdrúxulas para compor, por exemplo, todo o horror de "Guernica", clássico de Picasso.
Em chaves distintas, a sisuda e elogiadíssima remontagem da Fundação Prada e as estripulias dos romenos ilustram a volta ao passado como espécie de vanguarda.
"Estamos sequestrando a história", diz Pelmus à Folha. "Há uma ironia em fazer uma retrospectiva de uma bienal impossível de retomar, com seus milhares de obras."
Em setembro, Paulo Venâncio Filho vai tentar fazer o mesmo com a Bienal de São Paulo, numa mostra em que reúne no pavilhão do Ibirapuera as obras mais influentes que já passaram pelo evento paulistano desde 1951.
"Não é uma remontagem, mas uma revisão do que a Bienal já mostrou e o que provocou", diz o curador. "Como não há mais tendências hegemônicas e nada é muito nítido, grandes exposições do passado determinam uma visão da arte contemporânea."
Ou talvez seja coisa de uma geração "hiper-histórica", nas palavras de Massimiliano Gioni, curador da Bienal de Veneza agora em cartaz. "Tudo está ao alcance de um clique no Google", diz ele. "É uma memória imediata, que sempre volta à superfície."
O artista Ernesto Neto concorda. No pavilhão romeno, resumiu o que viu como "vanguarda da retrospectiva" e depois lembrou que a internet "foi um acontecimento do futuro que abriu uma porta gigantesca para o passado".
Tão grande é essa porta que exposições inteiras têm viajado no tempo até o presente. Em São Paulo, o Centro Universitário Maria Antonia exibe agora o remake, também igual na disposição e escolha das peças, de uma mostra do artista Nuno Ramos montada pela primeira vez no Rio há quase 30 anos.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
CURTO-CIRCUITO
"Já existe maturidade no circuito que permite fazer essas coisas", diz João Bandeira, curador do Maria Antonia. "Mas seria um problema se todos passassem a fazer isso. Seria um sarampo retrô."
Ramos também defende a remontagem. "Obras mais bestas e mais fracas são superadas quando vão embora", diz. "Mas aquelas verdadeiras continuam abertas, têm a capacidade de se colocar de novo. Retomar um corpo de obras pode gerar um curto-circuito interessante, dar nova leitura para aquilo."
Mais lírico, Hans Ulrich Obrist, que vem remontando uma série de exposições que criou nos últimos 13 anos, gosta de pensar que as mostras viajam como "uma partitura musical" e podem ser remontadas sempre sem nunca serem iguais ao que foram.
"Não é só uma tendência", diz o curador suíço. "Exposições são vivas e orgânicas."
CRÍTICA
Mostra em Veneza é, até agora, a reencenação mais ambiciosa
FABIO CYPRIANOENVIADO ESPECIAL A VENEZADesde os anos 1960, reencenar espaços expositivos tornou-se um tema no circuito de arte, a partir do museu Van Abbe (Eindhoven). Sob a direção de Jean Learing, a instituição holandesa passou a recriar ambientes realizados por artistas como Theo van Doesburg, com "Flower Room", de 1925 e refeito em 1965.Desde então, cada vez mais artistas e instituições promovem esse tipo de reencenação. De certa forma, isso vem ocorrendo graças a uma disciplina que tem ganho importância em universidades e centros de estudo, que é a história das exposições.
Segundo Charles Esche, no excelente catálogo da reencenação de "Quanto Atitudes se Tornam Formas" em Veneza, "a história das exposições está se transformando em um instrumento para se compreender a interface social da arte e até mesmo seu futuro potencial político".
A partir dessa ótica, "Quando Atitudes", organizada por Germano Celant pela Fundação Prada, pode ser vista como a mais ambiciosa reencenação jamais feita. Primeiro, por se tratar da revisão de uma exposição paradigmática, organizada em 1969 pelo suíço Harald Szeemann, no Kunsthalle de Berna.
A mostra, além de ser considerada o marco do fortalecimento da figura do curador, foi pioneira em reunir um elenco internacional, que valorizava mais o processo do que as obras em si, característica inaugural da arte contemporânea. Dela tomaram parte nomes como Joseph Beuys, Philip Glass e Walter de Maria.
Mas a radicalidade da reencenação de Celant, amigo de Szeemann e que inclusive fez o discurso de abertura da mostra original, está em montar "Quando Atitudes" em um palácio histórico, o Ca'Corner della Regina, de 1724, em colaboração com o arquiteto Rem Koolhaas e o artista Thomas Demand.
Com isso, longe de uma remontagem nostálgica, Celant e seu time criaram um ambiente que permite rever a mostra, com a emoção da presença de obras até então só vistas em fotografias. É como olhar o passado a partir de uma situação complexa, onde o o mundo da arte da era das feiras se encontra hoje.
Nenhum comentário:
Postar um comentário