Donas do próprio nariz
Depois de ignoradas por editoras convencionais, autoras desconhecidas ganham espaço no meio digital
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 23/07/2013
Publicitária, a paulista Vanessa Bosso sempre gostou de escrever. Em 2010, já com alguns romances prontos, resolveu publicá-los da maneira tradicional. Procurou três editoras e pagou para lançar cinco livros. Passado um bom tempo, não recebeu retorno sobre as vendas. A dentista fluminense FML Pepper não foi a tanto. Como queria ver sua história infantojuvenil numa grande editora, mandou os originais para três delas, referências no meio. Não recebeu nem sequer um “não estamos interessados”. Também do interior de São Paulo e atuando no mercado publicitário, Josy Stoque pagou pela edição dos volumes de uma série. Assim como Vanessa, não soube o que ocorreu com os exemplares.
Esses três nomes – Bosso, Pepper e Stoque – são praticamente desconhecidos no mercado editorial. Mas faça uma busca virtual: as autoras vão aparecer em destaque, principalmente nas redes sociais, e frequentam a lista dos 100 mais vendidos da Amazon brasileira. Desde que a multinacional do comércio eletrônico chegou ao Brasil, em dezembro, as três viram a chance de ser lidas sem a chancela de uma editora tradicional. Funcionou, ainda que o caminho seja longo. “Hoje ainda não dá, mas da forma como as coisas vão, com inúmeras possibilidades, acho que em cinco anos poderei viver dos livros”, afirma Vanessa Bosso, autora de Ribeirão Preto, com 10 trabalhos publicados na Amazon.
Seus livros mais conhecidos são o infantojuvenil A aposta, que vai ganhar continuação, e o romance O homem perfeito, com jeito de comédia romântica. “Quando a Amazon chegou ao Brasil, um amigo me falou que devia parar de pagar para publicar e optar pelos e-books. A aposta bombou no primeiro mês, e isso chamou a atenção do pessoal da Amazon. Eles me ligaram perguntando se tinha outros”, conta Vanessa, que fechou contrato de exclusividade com a multinacional. Em três meses, A aposta vendeu pouco mais de 500 e-books. “Esses números parecem baixos, mas não são. Pesquisa feita recentemente diz que só 10% dos leitores sabem que a Amazon está no Brasil”, continua Vanessa.
Já FML Pepper ultrapassou 1,5 mil downloads de seu único título publicado na Amazon: Não pare!, primeiro volume da série teen que mistura romance com lances sobrenaturais (o segundo volume, Não olhe!, será publicado entre agosto e setembro). Não pare! ficou engavetado por três anos. Em 2012, chegou a público em formato digital, disponibilizado por várias livrarias americanas (Amazon, Barnes & Noble, iBook).
Como Pepper não tinha facilidade com o meio digital, resolveu lançar o primeiro livro por uma editora americana, a Book Baby, especializada em trabalhar com autores independentes. Ela enviou o arquivo, que foi formatado como e-book pela empresa. “Quando a Amazon chegou ao Brasil, acabei abandonando a americana”, explica Pepper, que usa o pseudônimo para a literatura. No horário comercial, ela atende em seu consultório dentário em Niterói.
Já Josy Tortaro, a Josy Stoque, guarda em sua casa, em Sertãozinho, no interior paulista, caixas com volumes encalhados dos dois primeiros volumes da série Os 4 elementos, romances açucarados com toques sobrenaturais escritos na esteira da tetralogia Crepúsculo. Depois deste, ela escreveu em parceria com outra autora independente, Gisele Galindo, o romance erótico Insensatez. Ela descarta a influência direta da trilogia Cinquenta tons de cinza em seu trabalho. “Escrevi esse livro entre março e abril do ano passado, e o Cinquenta tons só chegou ao Brasil no segundo semestre”, explica Josy. A dupla tentou uma editora tradicional, mas não teve retorno.
Em maio, com poucos dias de diferença, Josy lançou na Amazon os dois primeiros volumes de As 4 estações e Insensatez. O retorno foi imediato. “Em dois dias, Insensatez entrou para a lista dos 10 mais vendidos”, orgulha-se ela, que até outubro lança e-books do terceiro volume da série sobrenatural e mais um erótico, Puro êxtase. Por ora, seus livros estão somente na Amazon, mas nos próximos meses vai disponibilizá-los em lojas virtuais como Fnac, Saraiva e Livraria Cultura. “O problema maior do livro físico é a distribuição. Sem uma boa editora, não compensa. Já a Amazon tem visibilidade muito maior do que uma editora poderia me dar”, diz Josy. Pepper acrescenta: “Hoje, nem sei dizer se gostaria de publicar numa editora tradicional. Mas estou aberta a negociações.”
COMO LANÇAR Escritores independentes e editores de seus próprios livros são chamados “autopublicados”. Para fazê-lo pela Amazon, por exemplo, o sistema é simples. Autores devem usar a plataforma Kindle Direct Publishing (KDP, com tutorial disponível no site da multinacional) para disponibilizar o e-book. O valor cobrado por cada um deles é definido pelo próprio autor: se custar mais de R$ 6, o escritor fica com 70% dos royalties de cada download; se o valor for inferior, ele recebe 35%.
Nomes desconhecidos geralmente começam pedindo preços bem baixos. FLM Pepper entrou para os mais vendidos da Amazon brasileira cobrando R$ 1,99 por cada download de Não pare!. Para alcançar a margem daqueles que recebem 70% por preço de capa, Josy Stoque costuma cobrar pouco mais de R$ 6 por cada livro. Insensatez foi lançado em maio por R$ 6,01 – atualmente, é vendido a R$ 6,95.
“Como autora autopublicada, o custo é muito pequeno para produzir. Sempre cobro abaixo de R$ 9,90”, diz Vanessa Bosso. Cada trabalho passa por duas revisões ortográficas bancadas por ela. A revisão fica a critério de cada escritor, pois a Amazon publica o e-book tal como ele foi enviado. Bosso, por sinal, é a primeira brasileira da Amazon que terá livro publicado no Brasil via Create Space – o volume é impresso sob demanda. “Em 24 horas, o produto chega na casa do cliente. Estão fazendo o teste comigo (A aposta foi disponibilizado na semana passada via Create Space). Daí, vamos ver se venderá mais no formato e-book ou no impresso”, conclui.
DE OLHO
A comercialização dos e-books é acompanhada de perto pelos autores. A cada novo livro vendido, o número muda automaticamente no relatório que cada um deles recebe. A lista dos mais vendidos, tradicionalmente semanal, é atualizada de hora em hora no formato digital. Na Amazon, A aposta, de Vanessa Bosso, figura há 35 dias na lista dos 100 mais; a ficção científica Insurreição, da mesma autora, há 11; Estrela – Em busca do brilho eterno, conto de fadas de Josy Stoque, está há sete dias na mesma lista; e Não pare!, de FMP Pepper, há 144.
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