'Quanto Custa?' une duas peças do alemão e retrata cenicamente atmosfera de medo de 1939
Personagens fazem alusão a Adolf Hitler, mencionam países nórdicos e relações comerciais da época
"Quanto Custa?", montagem que estreia amanhã no Centro Cultural Banco do Brasil, combina "Dansen" e "Quanto Custa o Ferro?", peças que podem ser consideradas complementares, uma vez que os protagonistas de ambas são perseguidos por um gângster --metáfora para Adolf Hitler.
De acordo com o diretor, os textos fazem menção direta a países nórdicos, aos contratos comerciais estabelecidos então, e, sobretudo, às relações pessoais.
Alguns personagens são paródias às nações escandinavas, como sugerem seus nomes: o vendedor de ferro Svenson --assemelha-se com Suécia-- e a jornaleira Norsen --com Noruega.
A encenação prima por uma direção de arte cuidadosa. A cenografia, os objetos de cena e os figurinos desenvolvidos para a montagem transmitem o clima de incerteza e insegurança da época.
"São textos que funcionavam como crônica do momento presente, redigidos quando o nazismo estava no poder", afirma Pedro Felício, que interpreta três personagens, ao lado de Luís Mármora --que incorpora dois-- e Ernani Sanchez, que encarna Svenson.
A caracterização cenográfica influencia bastante o desenvolvimento dramático.
São três áreas perfiladas lado a lado: a primeira para o açougue, a segunda para a banca de jornal, e a terceira para a ferraria. Este último espaço, por exemplo, é cercado por grades, o que delimita os movimentos dos atores.
"Isso cria uma situação de claustrofobia, e também representa a luta pela segurança no período", diz Granato.
CONCEITOS DE BRECHT
Apesar de o enredo aparentar ser um drama naturalista, já que trata do cotidiano de comerciantes vizinhos, uma categoria brechtiana fundamental está presente.
A peça é uma fábula de natureza política, aspecto chave na compreensão da dialética marxista sobre a qual o autor alemão se debruçava em seus estudos teatrais.
Outro elemento trabalhado pelo grupo foi o chamado efeito de estranhamento, procedimento que visava impedir que o espectador absorvesse as histórias encenadas como algo natural, familiar.
O intuito seria fazer com que o público olhasse as coisas sob uma nova ótica, possibilitando uma tomada de consciência. "Em nossa versão, usamos a música para obter o efeito de estranhamento", conta Granato.
A iluminação e a trilha sonora não deixam o espectador se esquecer do contexto de horror da Segunda Guerra Mundial, referência estética importante da peça.
Grandes contradições capitalistas estimulam onipresença do autor
DE SÃO PAULO
Dentre os principais nomes do cânone teatral do século 20, pode-se notar que Brecht foi quem deixou a mais indelével marca no teatro brasileiro contemporâneo, levando em conta o alto número de montagens todos os anos.
Hermann Wündrich, dramaturgista do Berliner Ensemble, companhia fundada por Brecht e sua mulher em 1949, afirma perceber, em suas excursões com o grupo pelo mundo, que a importância do autor em vários países parece ser maior do que em sua própria terra natal.
"Isso acontece sobretudo onde as contradições e as barbaridades do capitalismo são mais evidentes do que na Alemanha. Brecht é um dos poucos autores que fazem crítica direta ao capitalismo em suas peças", afirma Wündrich.
Para ele, as teorias estéticas de Brecht tornaram-se comuns na prática, dissipando-se pelos mais diversos meios de nosso cotidiano, mas as grandes transformações sociais ocorridas exigem com que elas sejam renovadas.
"As suas teorias transformaram-se em referências que estão por toda parte, em publicidade, videoclipes, cinema, teatro e literatura. O que fazemos no Berliner Ensemble é desenvolver um entendimento atual de Brecht, pois a mudança é a nossa principal tradição", diz.
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