Carolina Braga
Estado de Minas: 09/07/2013
Wanderléa, a Ternurinha, se prepara para escrever livro de memórias e quer remontar show da década de 1970 |
“É bom o público ficar ciente de que estou indo fazer Sueli Costa”, frisa Wanderléa. Isso equivale a dizer que na apresentação de hoje, no Sesc Palladium, pelo menos no quesito musical, nada lembrará o tom festivo da época da Jovem Guarda. “É muito bom o convite de coisas inusitadas na carreira da gente”, comemora a intérprete.
A homenagem a Sueli Costa abre a série Compositores.BR, que até dezembro destacará o papel das mulheres na música brasileira. Além dela, o duo Bambu e Pinho apresenta versões instrumentais. Embora a própria Wanderléa classifique o encontro como inusitado, não será a primeira vez que ela se dedicará a repertório conhecido na voz da própria Sueli. No álbum Feito gente (1975), gravou Lua, Poeira e solidão, além de Verdes varandas, feita em parceria com Ebe Guarino. “Era um momento bonito, forte e dramático do show. Adorei, porque agora posso revisitar uma série de canções que estavam na minha memória”, diz.
De acordo com a cantora, pelo que já deu para perceber durante os ensaios, a densidade das interpretações marcará a apresentação. Wanderléa diverte-se ao se dar conta de que o repertório da homenageada requer certa dose de emoção. “Acho que tenho gabarito para cantar Sueli Costa. Pelo tanto que vivi, pela experiência de vida. Ela fala de coisas que entendo perfeitamente”, garante.
Como se trata de um projeto especial, Wanderléa se apresenta em Belo Horizonte com uma banda diferente da que costuma circular. Segundo ela, o diretor musical Lalo Califórnia convocou músicos que pudessem conferir ao repertório uma sonoridade mais acústica. “É mesmo uma coisa diferenciada na minha carreira, e trata-se de uma cantora e compositora que respeito muito”. Também estarão no set list sucessos como 20 anos blues, Dentro de mim mora um anjo e Jura secreta.
O show dedicado às canções de Sueli Costa foi pensado para a estreia em Belo Horizonte, mas isso não significa que não terá vida própria. Produtores de outros estados já sondaram Wanderléa para que ela repita a experiência em outros palcos. Aliás, livre da cobrança de ter que ser a grande vendedora de discos para a massa, Wanterléa tem se permitido cada vez mais mergulhos em projetos inusitados.
Ao contrário de muita gente que lamenta, Wanderléa não sofre com a anunciada crise da indústria fonográfica. “Ter que passar a vida sendo a galinha dos ovos de ouro é muito duro”, desabafa. Além de cantar Sueli Costa, a intérprete da Jovem Guarda também explorou repertório de chorinho, das cantoras do rádio e de Johnny Alf. “É interessante cantar outro gênero, em outro projeto, porque me leva a emoções anteriores”, conta.
Letra e música
Como tem variado bastante sua atuação, Wanderléa tem uma lista de lançamentos para os próximos anos. Em parceria com o Canal Brasil lançará a reprodução do álbum ... Maravilhosa, de 1972. O show idêntico ao que fazia na época foi gravado no Teatro Municipal de São Paulo e sairá em CD e DVD. Outra pendência é um DVD de carreira, registrado no Ibirapuera. Além disso, o registro do show em homenagem a Sueli Costa não está descartado.
“É um atrás do outro, mas sem ansiedade. Está pulsando de acordo com a finalização de cada coisa”, pondera. Wanderléa reconhece que está se devendo um disco de inéditas. Garante que ele virá na hora certa. Antes, ainda, tem a finalização de um livro de memórias. “Vou contando coisas da minha história. É muito difícil falar na primeira pessoa. Como tive um convívio com artistas de personalidade forte, fiquei naquela delicadeza”, diz.
Vem aí
Com o objetivo de reverenciar a presença feminina na canção brasileira, o projeto Compositores.BR trará a Belo Horizonte grandes intérpretes no segundo semestre. Depois de Wanderléa, será a vez de Leila Pinheiro homenagear Fátima Guedes (dia 23), Nana Caymmi e Paula Santoro cantarem Dolores Duran e Maysa (20/8), Flávio Venturini interpretar o repertório de Marina Lima (15/10), Ana Cañas cantar Rita Lee (19/11) e, fechando a programação, Zeca Baleiro mostrar as canções de Chiquinha Gonzaga (3/12).
Wanderlea canta Sueli Costa
Hoje, às 20h, no Grande Teatro Sesc Palladium. Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3279-1500. Plateia 1: R$ 40 (inteira), R$ 20 (meia) e R$ 34 (comerciário); plateia 2: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia) e R$ 25,50 (comerciário); e plateia 3: R$ 20 (inteira), R$ 10 (meia), R$ 17 (comerciário). Todos os preços mediante a doação de 1kg de alimento para o programa Mesa Brasil Sesc Minas Gerais.
Palavra de mulher
Ailton Magioli
“Aniversário a gente faz todo dia”, desconversa Sueli Costa, que vai comemorar 70 anos no dia 25. Nascida na Tijuca, criada em Juiz de Fora, na Zona da Mata, e radicada no Rio desde 1969, ela é considerada a mais importante compositora brasileira em atividade, contabilizando sucessos nas vozes de Simone (Jura secreta, Cordilheira e Música, música), Maria Bethânia (Coração ateu), Elis Regina (O primeiro jornal) e Fafá de Belém (Dentro de mim mora um anjo), entre outros.
Irmã da também cantora Telma (já falecida) e da compositora Lisieux, Sueli Costa atribui à mãe, Maria Aparecida Corrêa Costa, professora de piano e canto coral, a paixão pela música. “Ela me deu duas vidas: a vida como ela é e a vida musical”, empolga-se Sueli, para quem a música possibilita outro modo de vida. Sobrevivendo da própria obra, a compositora, que já teve de enfrentar na Justiça uma grande rede de TV, pela falta de pagamento dos direitos autorais, defende a existência do Escritório Central de Arrecadação dos Direitos (ECAD), temendo a recém-aprovada fiscalização do órgão pelo governo, ainda a ser sancionada.
Já envolvida com a música, aos 4 anos Sueli entra em contato com o piano, que trocaria anos mais tarde pelo violão. A primeira composição, Balãozinho, foi feita sob inspiração da participação da cantora Sylvia Telles em um programa de TV, que acabara de assistir. Com a formação de um trio ao lado das irmãs, iniciou a incursão dela pelos festivais de MPB, nos quais tornou-se presença obrigatória nas décadas de 1960 e 70. “Foi uma época bonita, de muita música e muita amizade. Havia admiração de um pelo trabalho do outro. Conheci muita gente na época, quando iniciei as parcerias”, recorda.
O advogado juiz-forano João Medeiros foi o primeiro parceiro. Com ele Sueli compôs Por exemplo, você, que Nara Leão gravou. “João me apresentou o Cacaso e o Abel Silva”, acrescenta, lembrando que Abel, um dos parceiros mais constantes até hoje, ainda lhe apresentou Capinam e Tite de Lemos, com os quais fez algumas das mais de 140 canções que contabiliza ao longo da carreira. Além de dois CDs – Amor blue, de 2007, e Minha arte, de 2000 –, Sueli Costa gravou cinco LPs – Íntimo, 1984; Louça fina, 1980; Vida de artista, 1978; Sueli Costa, 1977, e Sueli Costa, 1975.
Depois da estreia como autora na voz doce de Nara Leão, foi a vez da incisiva Maria Bethânia incluir três canções da compositora (Aldebarã, Assombrações e Sombra amiga) no antológico show-disco Rosa dos ventos, de 1971. Ao mesmo tempo, Elis Regina incluiria Vinte anos blue, depois de incluir Cão sem dono em Transversal do tempo. Daí em diante, Sueli Costa se tornaria presença obrigatória no repertório das grandes intérpretes brasileiras.
A lista merece respeito e vai de Marília Medalha a Gal Costa, passando por Nana Caymmi, Fátima Guedes, Leila Pinheiro, Claudette Soares, Lucinha Lins, Alaíde Costa, Célia e Angela Ro Ro, entre outras. A sobrinha Fernanda Cunha, filha de Telma Costa, também tem registrado canções da tia em seus discos. Cauby Peixoto é o mais recente da lista de cantores a incluir Sueli em suas gravações, depois de Ivan Lins e Carlinhos Vergueiro.
Especial para a TV
Depois de gravar participação no Estúdio 66, do Canal Brasil, apresentado pelo saxofonista Zé Nogueira, Sueli Costa está nos planos da emissora para fazer algo em torno de seu aniversário de 70 anos. “Acho que as pessoas curtem mais o aniversário do que a gente”, constata a compositora, cuja crença pessoal passa pelo aniversário diário.
Diretor dos programas Sangue latino e Estúdio 66, do Canal Brasil, Felipe Nepomuceno confirma o interesse de fazer um especial com a compositora, que seria transformado em DVD. “Eu e o Zé Nogueira estamos desenvolvendo o projeto em homenagem a Sueli, que deverá ser gravado ainda neste segundo semestre”, anuncia Felipe Nepomuceno, que já teve reuniões inclusive com a homenageada. Além da presença de Sueli, vários convidados, ainda a serem definidos, irão participar do especial, que sairá simultaneamente em DVD.
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