sábado, 24 de agosto de 2013

As flores não falam... mas ouvem - Geórgea Choucair

Experimento realizado por biólogo da Universidade Federal de Viçosa (UFV) mostra que a interação de plantas com outros seres vivos pode ser mediada pelo som, como o das cigarras


Geórgea Choucair

Estado de Minas: 24/08/2013 

Raphael Jonas Cypriano concluiu que as plantas alteram sua forma e/ou funcionamento como resposta ao canto das cigarras     (André Valle/Divulgação)
Raphael Jonas Cypriano concluiu que as plantas alteram sua forma e/ou funcionamento como resposta ao canto das cigarras

Pesquisa de mestrado pioneira desenvolvida no Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Viçosa, Minas Gerais, mostra que as plantas podem responder diferentemente a sons emitidos por insetos, tendo como base experimentos que usaram o efeito do som das cigarras em parâmetros de trocas gasosas na planta beijinho ou maria-sem-vergonha (Impatiens walleriana). Os resultados, inéditos na área, mostram que a interação de plantas com outros seres vivos nas comunidades biológicas pode ser mediada pelo som. 


O trabalho, intitulado "Plantas respondem ao som produzido por insetos? Uma abordagem ecológica de um fenômeno físico", é parte da primeira dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFV (PPG Eco – UFV), defendida em dia 22 de julho. O autor, Raphael Jonas Cypriano, bacharel e licenciado em ciências biológicas, conta que o estudo segue a mesma linha de pesquisa realizada por ele durante sua monografia de conclusão de curso de graduação. Em 2010, ele pesquisou o efeito da música no tomateiro. Utilizando música instrumental, Cypriano mostrou, experimentalmente, que as plantas respondem em termos de aumento de fotossíntese (conversão da energia solar em compostos orgânicos) e crescimento.
"Mas não é todo som que pode aumentar a fotossíntese da planta. O som é composto por frequências diferentes, que podem estimular ou reduzir o crescimento dela", afirma Cypriano. Para fazer o estudo de mestrado, ele conta que foi empregada metodologia nunca antes utilizada no mundo. Foram construídas 10 câmaras isoladas acusticamente. Cada uma delas constituída por duas caixas de madeira de tamanhos diferentes, que foram colocadas uma dentro da outra e separadas por uma camada de lã de vidro, material isolante acústico. Dentro da caixa interna havia fonte de luz e de som. O som usado foi o canto das cigarras da natureza, gravado por um engenheiro de som em um fragmento de mata denominado Reserva de Biologia, que fica dentro do câmpus da UFV. 


O canto foi gravado no fim da tarde, horário de pico de emissão de som por esses insetos, durante 18 minutos contínuos. "O objetivo do experimento foi saber se a planta alterava sua morfologia (forma) e ou a sua fisiologia (funcionamento) como resposta ao canto das cigarras, o que poderia indicar que elas utilizavam esse som como uma fonte de informação sobre o ambiente físico", diz Cypriano. O canto da cigarra foi escolhido, segundo ele, pelo fato de ser o de maior volume sonoro da natureza. "E esse som é produzido no início da primavera, quando a maior parte das plantas começa a alterar sua fisiologia para a floração e a frutificação", observa.

PERCEPÇÃO A orientadora do projeto, Flávia Maria da Silva Carmo, completa que "o som da cigarra é composto por uma banda de frequência de alta intensidade, contínua ao longo do tempo, e que, se as plantas podem reconhecer esse padrão de som, isso indica que elas também poderiam utilizá-lo como uma fonte acessória de informação sobre o ambiente. As plantas percebem alterações de temperatura, luminosidade e de chuva que ocorrem de uma estação do ano para outra e as utilizam, por exemplo, como indicação de o quanto o ambiente está favorável para sua reprodução. O canto das cigarras poderia ser mais uma forma de perceber o ambiente que as cerca", observa. 


O experimento ocorreu durante 10 dias, em que cinco plantas foram expostas ao som das cigarras, uma dentro de cada caixa acústica. Outras cinco plantas permaneceram dentro das caixas acústicas, mas sem exposição ao som. As exposições sonoras foram feitas diariamente, uma hora pela manhã e uma hora à tarde. "Analisamos, ao longo do tempo, a taxa fotossintética diária e verificamos que houve aumento significativo de fotossíntese nas plantas expostas ao som das cigarras em relação às plantas sem som", observa Cypriano. Ele ressalta que a probabilidade estatística de o resultado obtido ter ocorrido devido a outros fatores ao acaso é de 0,2%.

Raízes e folhas mais fortes

A medida da taxa de fotossíntese das plantas pesquisadas foi feita utilizando um analisador de gás no infravermelho (do inglês IRGA), um aparelho que analisa as alterações nas concentrações de água e gás carbônico em uma pequena câmara, dentro da qual está pinçada parte de uma folha, sob feixe de luz infravermelha. Depois de constatar que houve aumento na taxa de fotossíntese da planta exposta ao som contínuo da cigarra, Cypriano fez uma nova experiência. Ele pegou a mesma gravação com o som das cigarras e desorganizou o padrão, recortando pequenos pedaços e colando em outros locais da gravação, deixando o som todo misturado. Com esse som misturado, repetiu o experimento anterior, fazendo aplicações nas plantas dentro das câmaras acústicas, com e sem exposição ao som.


No segundo experimento o resultado foi contrário: houve redução da taxa de fotossíntese das plantas expostas ao som misturado em relação às plantas sem interferência sonora. "A conclusão é que as plantas podem reconhecer o som e a sequência temporal do canto das cigarras", observa. Uma sutileza de alteração do som, diz, gerou resposta diferente nas plantas. "A duração do som pode influenciar também. Se eu colocar o som o dia inteiro, por exemplo, pode ser que ocorra estresse na planta", afirma Cypriano.


"O que obtivemos não foi uma resposta ao estímulo puramente físico do som, uma vez que os sons misturados têm características físicas iguais às do som original das cigarras. Foi uma resposta fisiológica, relacionada com o reconhecimento das diferenças entre a organização dos dois sons", afirma a professora Flávia, orientadora do projeto. Segundo ela, ainda não é possível dizer qual é o mecanismo relacionado à resposta diferente da fotossíntese das plantas ao som original e ao som das cigarras misturado. "Mas está provado que alguma coisa diferente ocorre. Podemos afirmar que há uma alteração fisiológica nas plantas e isso indica que elas respondem às diferenças entre os sons. Mas não sabemos ainda em que nível de organização isso ocorre, como também não podemos afirmar que as plantas ouvem", diz.

TOMATES Em 2010, quando trabalhava na monografia, Cypriano cultivou 10 tomateiros em casa de vegetação. Para fazer o experimento, ele transportava diariamente cinco plantas para salas distintas, com distância de mais de 30 metros, mas com o mesmo controle de luz e das condições ambientais. Durante 17 dias, das 7h às 11h, Cypriano aplicou o som do rock instrumental em uma das salas. Em seguida, analisou a taxa de fotossíntese e crescimento das plantas. "Houve aumento nos padrões de fotossíntese e de crescimento da folha e da raíz e no conteúdo de clorofila", afirma. A diferença entre os resultados obtidos na monografia e na dissertação de mestrado é que, no segundo trabalho, existe a indicação de uma relação evolutiva entre os organismos, já que insetos e plantas têm coevoluído nos mesmos ambientes há milhões de anos, e na dissertação foi também evidenciado que há algum mecanismo de distinção entre os inúmeros sons que atingem as plantas em seus ambientes. "Mas muitas outras investigações ainda devem ser realizadas até que consigamos entender perfeitamente como isso ocorre", observa Flávia.


A segunda parte da monografia de Cypriano foi de entrevista com 19 professores de biologia vegetal e 16 do Departamento de Física da UFV sobre o tema estudado. De todos os entrevistados, 46% não acreditam que a música pode influenciar na taxa de fotossíntese das plantas; 34% acreditam que a música pode influenciar e 20% não souberam responder ao questionamento. "Alguns afirmaram que a música não influencia porque as plantas não têm ouvidos, sistema  e nervos, e alguns falaram até que elas não têm emoções", completa.

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