Esquecida por 80 anos, produção artística de Correia Dias ganha edição
Pai das filhas da poeta era celebridade em sua época; desenhos ficaram no baú desde que ele se matou, aos 42
O autor daquele manancial artístico era o português Fernando Correia Dias (1892-1935), primeiro marido da poeta e pai de suas três filhas, que tem agora parte da produção resgatada na edição de luxo "Fernando Correia Dias: Um Poeta do Traço" (Batel), de Osvaldo Macedo de Sousa.
Pioneiro do modernismo em Portugal e das artes gráficas no Brasil, vítima por anos de uma forte depressão, Correia Dias foi relegado ao esquecimento desde que, aos 42 anos, enforcou-se, em casa, pouco após ler a história de Pinóquio para as filhas.
"Quando ele se matou, minha avó pegou todo o material no ateliê dele e guardou para não ficar às vistas dela, decerto em razão do trauma", diz o neto Alexandre Carlos Teixeira, curador do livro.
Em respeito à viúva, intelectuais próximos a Correia Dias pararam de falar dele, o que ajudou a deixar seu nome à beira dos registros históricos. Quando Cecília morreu, em 1964, sua filha Maria Mathilde, mãe de Teixeira, manteve o acervo intocado.
O fato de a própria obra da poeta estar no centro de uma disputa judicial há mais de dez anos não ajudou --Teixeira é o agente literário responsável, representando aquele que é tido como o principal herdeiro, seu primo Ricardo Strang.
Pela lei, a obra de Correia Dias caiu em domínio público em 2006, embora esteja guardada com o acervo de Cecília, ainda em disputa. Em 2010, Teixeira foi viver na casa do Cosme Velho, comprada por Strang em leilão, e passou a investigar o material.
Entrou em contato, então, com o português Osvaldo Macedo de Sousa, que estudava há décadas o chamado Grupo de Coimbra, do qual Correia Dias fez parte na juventude.
"Desde 1992 eu tentava montar o mosaico sobre ele. A lacuna era enorme. Só ao ver o material guardado por Cecília pude fazer a colagem", diz Macedo, que esteve dias atrás no Rio para a abertura de mostra do artista, até 1/9 no Centro Luso-Brasileiro de Cultura, em Laranjeiras.
PRECOCE
Correia Dias tinha 17 anos quando se tornou diretor artístico do jornal estudantil "O Gorro", em Coimbra.Como pouco se sabe de sua vida pessoal --se costumava desenhar na infância, por exemplo--, é espantoso ver a qualidade de seus primeiros trabalhos, sob o pseudônimo de Tira-Linhas, com traços dignos de um veterano.
Com os colegas Christiano Cruz, Luis Felipe e Álvaro Cerveira Pinto formou um quarteto que, influenciado por revistas europeias, rompeu com o naturalismo dominante antes de 1911, data que entrou para a história como o início do modernismo local.
Quando desembarcou no Rio, em 1914, era celebrado ao ponto de merecer menções em toda a imprensa da capital. Sua ideia era então expor no país antes de fazer o mesmo na França, mas o início da Primeira Guerra estendeu sua estadia em solo nacional.
Aqui, destacou-se em especial como artista gráfico, fazendo capas e ilustrações elaboradas para livros numa época em que editores não achavam isso importante.
O Correia Dias que em 1922 se casou com Cecília Meireles era muito mais conhecido nos círculos intelectuais que a então jovem poeta. Ao longo dos 12 anos de casamento, ela ganhou reconhecimento, enquanto ele viu sua produção afetada pela neurastenia que o acometia.
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