sábado, 24 de agosto de 2013

Livro resgata trabalhos de marido de Cecília Meireles - Raquel Cozer

folha de são paulo
Esquecida por 80 anos, produção artística de Correia Dias ganha edição
Pai das filhas da poeta era celebridade em sua época; desenhos ficaram no baú desde que ele se matou, aos 42
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHAO baú ficou trancado, incógnito, por quase 80 anos na casa onde Cecília Meireles (1901-1964) morou no bairro do Cosme Velho, no Rio. Dentro, cerca de 1.300 caricaturas, ilustrações, pinturas e esboços, que, em seu tempo, frequentaram espaços nobres na imprensa e em exposições.
O autor daquele manancial artístico era o português Fernando Correia Dias (1892-1935), primeiro marido da poeta e pai de suas três filhas, que tem agora parte da produção resgatada na edição de luxo "Fernando Correia Dias: Um Poeta do Traço" (Batel), de Osvaldo Macedo de Sousa.
Pioneiro do modernismo em Portugal e das artes gráficas no Brasil, vítima por anos de uma forte depressão, Correia Dias foi relegado ao esquecimento desde que, aos 42 anos, enforcou-se, em casa, pouco após ler a história de Pinóquio para as filhas.
"Quando ele se matou, minha avó pegou todo o material no ateliê dele e guardou para não ficar às vistas dela, decerto em razão do trauma", diz o neto Alexandre Carlos Teixeira, curador do livro.
Em respeito à viúva, intelectuais próximos a Correia Dias pararam de falar dele, o que ajudou a deixar seu nome à beira dos registros históricos. Quando Cecília morreu, em 1964, sua filha Maria Mathilde, mãe de Teixeira, manteve o acervo intocado.
O fato de a própria obra da poeta estar no centro de uma disputa judicial há mais de dez anos não ajudou --Teixeira é o agente literário responsável, representando aquele que é tido como o principal herdeiro, seu primo Ricardo Strang.
Pela lei, a obra de Correia Dias caiu em domínio público em 2006, embora esteja guardada com o acervo de Cecília, ainda em disputa. Em 2010, Teixeira foi viver na casa do Cosme Velho, comprada por Strang em leilão, e passou a investigar o material.
Entrou em contato, então, com o português Osvaldo Macedo de Sousa, que estudava há décadas o chamado Grupo de Coimbra, do qual Correia Dias fez parte na juventude.
"Desde 1992 eu tentava montar o mosaico sobre ele. A lacuna era enorme. Só ao ver o material guardado por Cecília pude fazer a colagem", diz Macedo, que esteve dias atrás no Rio para a abertura de mostra do artista, até 1/9 no Centro Luso-Brasileiro de Cultura, em Laranjeiras.
PRECOCE
Correia Dias tinha 17 anos quando se tornou diretor artístico do jornal estudantil "O Gorro", em Coimbra.
Como pouco se sabe de sua vida pessoal --se costumava desenhar na infância, por exemplo--, é espantoso ver a qualidade de seus primeiros trabalhos, sob o pseudônimo de Tira-Linhas, com traços dignos de um veterano.
Com os colegas Christiano Cruz, Luis Felipe e Álvaro Cerveira Pinto formou um quarteto que, influenciado por revistas europeias, rompeu com o naturalismo dominante antes de 1911, data que entrou para a história como o início do modernismo local.
Quando desembarcou no Rio, em 1914, era celebrado ao ponto de merecer menções em toda a imprensa da capital. Sua ideia era então expor no país antes de fazer o mesmo na França, mas o início da Primeira Guerra estendeu sua estadia em solo nacional.
Aqui, destacou-se em especial como artista gráfico, fazendo capas e ilustrações elaboradas para livros numa época em que editores não achavam isso importante.
O Correia Dias que em 1922 se casou com Cecília Meireles era muito mais conhecido nos círculos intelectuais que a então jovem poeta. Ao longo dos 12 anos de casamento, ela ganhou reconhecimento, enquanto ele viu sua produção afetada pela neurastenia que o acometia.

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