sábado, 24 de agosto de 2013

Risério revisita Edgard, o magnífico - JC Teixeira Gomes


A TARDE -24/08/2013

Edgard Santos e a Reinvenção da Bahia (Rio, Versal Editores, 2013) é indispensável estudo sobre o mais fecundo reitorado de que se tem notícia no Brasil


Antonio Risério vem-se distinguindo como estudioso da cultura, das tradições e da história da Bahia. Por
este aspecto, não se justifica que não esteja na Academia de Letras da Bahia, que ajudaria a dinamizar com sua escrita irreverente e demolidora, digna de um outro pena de aço. Ainda agora, ele nos deu Edgard Santos e a Reinvenção da Bahia (Rio, Versal Editores, 2013), indispensável estudo sobre o mais fecundo reitorado de que se tem notícia no Brasil. Não pretendo aqui realizar uma análise do novo livro de Risério, pelas limitações do espaço, mas apenas indicar ao leitor, como estímulo de leitura, alguns dos seus aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, o autor, em 18 capítulos, soube registrar com eficiência o incomparável legado de Edgard Santos, não apenas à Universidade Federal da Bahia, que comandou com excepcional clarividência de 1946 a 1961, mas à própria vida cultural do Estado, sacudida da irrelevância pelo rico aporte universitário dos anos 50.

Se o texto do nosso autor, efetuando o inventário das realizações de Edgard Santos desde o Hospital Universitário até as soberbas iniciativas culturais, é sempre estimulante e pleno de detalhes, merece também louvável citação a escolha do crítico Luís Costa Lima para fazer o prefácio do livro. Intelectual residente no Rio, longe da vida baiana, obstinadamente voltado para uma severa produção critico-teórica que destoa da leviandade universitária brasileira, Costa Lima mostrou surpreendente conhecimento da época de atuação de Edgard Santos, analisada com poder de síntese e pertinência de conceitos. Seu texto começa o livro muito bem e ressalta a repercussão nacional obtida pelo trabalho de Edgard Santos.

O texto de Risério evidencia que o reitor não era apenas o inspirado administrador universitário: ele jogava bem politicamente, tanto assim que foi ministro de Vargas. Além disso, revelou habilidade rara ao conciliar atitudes tão opostas, como prestigiar o reacionarismo do Portugal salazarista, de que foi exemplo o IV Colóquio Luso-Brasileiro realizado com repercussão internacional em Salvador, em 1959, e simultaneamente criar órgãos como o Centro de Estudos Afro-Orientais (o Ceao), instrumento na Bahia de dignificação cultural e política da África oprimida pelo colonialismo luso, combatido desde 1961 por Angola, Moçambique e Guiné com guerras de libertação, que testemunhei como repórter (e sobre elas escrevi).

Um dos pontos essenciais da análise de Risério está na denúncia do reacionarismo das esquerdas estudantis, que levaram em 1961 à deposição de Edgard Santos, instaurando o longo reinado da mediocridade na Ufba. Como jornalista, acompanhei os fatos produzidos pela irresponsabilidade das esquerdas imaturas e de visão cultural vesga no início dos anos 60. Lá um dia, em plena efervescência da greve contra Edgard Santos, fui designado para fazer uma entrevista com o reitor e telefonei para marcar audiência. Surpreso, vi que o próprio reitor estava no telefone. Imediatamente, ele me disse: “Meu caro jovem, já dei todas as entrevistas possíveis. Nada mais posso dizer. Só lhe peço uma coisa: escreva em seu jornal que os estudantes devem voltar às aulas! Faça-me um favor: escreva que terminem com a greve e voltem!” Logo senti na voz de Edgard Santos indisfarçável ansiedade. De fato. Ele estava sendo injustiçado por
um movimento de sectários burros, radicais inconformados com os projetos culturais do reitor. É isto que Risério deixa patente em seu livro, evidenciando, inclusive, que Edgard Santos foi, no Brasil, o único reitor a criar um eficiente sistema de assistência aos estudantes, englobando serviço médico exemplar e hospedagem para moças e rapazes.


O espaço me impede de comentar as incomparáveis obras de Edgard Santos no campo da música (os Seminários de Koellreutter), do teatro, da dança, enfim, das iniciativas maravilhosas que se diluíram num tempo de fracassos. Aos leitores, recomendo que evoquem toda essa idade de ouro da cultura baiana lendo o livro que Risério escreveu com o costumeiro talento, ímpeto provocativo e riqueza de informação


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