Exame de sangue criado por cientistas dos Estados Unidos indica
as chances de um paciente sobreviver a uma infecção generalizada
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 12/08/2013
Diferenciar
infecções leves daquelas que apresentam risco de vida é uma decisão
complexa, feita milhões de vezes por ano em salas de emergência. Hoje,
baseada principalmente em observações clínicas e exames laboratoriais
auxiliares, a decisão define ainda sem precisão se um paciente enviado
para casa com antibióticos deveria ter sido internado para tratamento
intensivo. O risco é de existência da sepse – uma infecção grave que
está associada com uma resposta inflamatória generalizada e uma das
principais causas de morte em todo o mundo. Em artigo publicado na
revista Science Translational Medicine, pesquisadores americanos relatam
dois estudos clínicos em que foi testado um exame sanguíneo capaz de
avaliar a sobrevivência do paciente assim que é diagnosticada a infecção
generalizada.
Participaram do estudo cerca de 300 pacientes
atendidos em quatro departamentos de emergência urbanos com diferentes
graus de infecção. Os cientistas analisaram o nível de proteínas,
elementos bioquímicos e plasma sanguíneo dos voluntários. Depois de 28
dias, os dados de sobreviventes e não sobreviventes foram comparados.
Uma assinatura molecular – um conjunto específico de alterações
bioquímicas no sangue – pareceu diferenciar os resultados de forma
bastante precoce: no momento da chegada ao pronto atendimento. Os
pesquisadores concluíram que uma melhor produção de energia celular por
um processo chamado betaoxidação – a oxidação de ácidos graxos feita
pelas mitocôndrias – pode determinar quais pessoas têm mais chances de
sobreviver a um quadro de sepse.
Apenas os pacientes que não
morreram mudaram a forma de produção de energia celular. As assinaturas
moleculares descobertas pelos autores apontam indícios de problemas com
as mitocôndrias, as máquinas no interior das células que produzem
energia. Essa descoberta levou os cientistas a desenvolverem um teste
que pode identificar essa assinatura molecular no sangue dos pacientes
e, então, prever a sobrevida à sepse. Os investigadores trabalharam
durante oito anos para reproduzir esses resultados em duas formas e três
grupos de pacientes.
De acordo com os resultados dos
experimentos, o exame mostrou-se reproduzível e melhor do que os métodos
atuais. A equipe liderada por Raymond Langley, do Centro Nacional de
Recursos Genômicos, em Santa Fé, nos Estados Unidos, acredita que os
dados oferecem evidências sólidas de que o teste simples pode ser a
diferença entre a vida e a morte de pacientes com sepse. Isso porque,
atualmente, não há, segundo eles, um tratamento padrão para essa
complicação nem maneira de saber o quão grave a situação se tornará. Se
os cuidadores podem prever quais pacientes são mais propensos a morrer
de septicemia, esses indivíduos podem ser internados em um hospital
imediatamente para o tratamento intensivo.
Inviabilidade Para o
chefe do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Alberto Chebabo, por mais que possa parecer animador, o teste
relatado no artigo ainda está muito distante da prática clínica. “É um
exame que não existe clinicamente ou comercialmente, como todos os
outros que buscam esses marcadores. Ele ainda não é viável, mas é um
caminho”, constata o também infectologista do Laboratório Exame.
Chebabo
acredita que o custo do teste o torna pouco viável. Outro problema,
segundo ele, é o risco de possíveis mudanças na eficiência quando esse
tipo de exame passa a ser feito em grande escala. Muitas vezes, ao
trabalhar com marcadores moleculares, não é possível extrapolar um
resultado menor como verdadeiro. “Um exemplo dessa situação é o exame de
procalcitonina. Quando ele foi lançado, veio como um exame que seria
capaz de diferenciar quadros de inflamação grave e de sepse. Mas a gente
viu, na prática clínica, que não é bem assim, ele consegue diferenciar
em alguns casos, mas não em todos”, explica.
No caso do
procalcitonina, o problema está no fato de que quadros complicados de
resposta inflamatória nem sempre estão relacionados a casos de infecção.
“Dessa forma, (o exame) passou a ter credibilidade um pouco baixa e
foram sendo encontradas formas de utilizar a procalcitonina muito mais
como uma ferramenta para acompanhamento de resposta ao tratamento do que
de diagnóstico ou de resposta de gravidade de sepse.”
Infectologista
do Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC–RS), Fabiano Ramos afirma que os critérios atuais
para determinar a gravidade da sepse em um paciente têm como base um
contexto analisado pelo médico, que leva em consideração o quadro
clínico e os resultados de exames laboratoriais que medem o nível de
disfunção dos órgãos. “Quanto maior o comprometimento orgânico for
relatado, maior é a chance do paciente morrer”, diz.
Ramos alerta
que, em todos os casos, o tratamento deve ser precoce. O reconhecimento
da infecção é fundamental. A partir dele, são iniciados os
procedimentos, compostos por vários passos, para tentar reverter a
situação. “Entre esses passos, está o uso precoce do antibiótico,
preconizado pela gente para ser feito em torno de uma hora depois do
reconhecimento do quadro de infecção. Quanto mais precoce o tratamento,
maiores as chances de sobrevivência”, reforça.
25%
das ocupações de leitos em UTIs no Brasil acontecem devido infecção generalizada
65%
dos casos de sepse levam à morte no Brasil, enquanto a média mundial está em torno de 30% a 40%
Imunizar a mãe para proteger os filhos
Causa comum da
sepse bacteriana em recém-nascidos, a doença estreptocócica do grupo B,
ainda sem vacina, é muitas vezes fatal. Para proteger esses bebês, um
programa de imunização deveria ter como alvo mulheres grávidas, fazendo
com que os anticorpos resultantes da vacinação pudessem ser passivamente
repassados das mães para os fetos. Essa é a proposta de um grupo de
cientistas relatada em artigo publicado na revista científica Science
Translational Medicine.
A recomendação foi o resultado de um
encontro em Siena, na Itália, para discutir possíveis abordagens para a
imunização materna focada na prevenção de doença perinatal por
estreptococos do grupo B. Segundo os pesquisadores, o procedimento é
extraordinariamente bem-sucedido na prevenção do tétano neonatal e
passou a ser recomendado nos Estados Unidos para a prevenção da gripe,
tanto da criança quanto da mãe.
Ainda assim, “os dados sobre a
segurança e a eficácia da imunização materna por ensaios clínicos
randomizados (prospectivos) são raros, e a maioria dos dados viria de
estudos observacionais e bancos de dados administrativos”, relataram, no
artigo, os pesquisadores. A grande maioria das vacinas recomendadas
hoje teria se mostrado eficaz e segura em adultos não gestantes. Por
outro lado, o principal alvo para uma vacina contra o estreptococo do
grupo B e a sepse neonatal é a mulher grávida.
Dois aspectos
foram discutidos pelos cientistas na busca da solução do impasse.
Segundo eles, já existe infraestrutura em muitos países para vacinar as
mulheres grávidas. A condição poderia ser facilmente adaptável a um novo
programa de vacinação para estreptococos do grupo B. Também de acordo
com os especialistas, a vasta experiência com as vacinas da gripe e do
tétano serve como demonstração de que a vacinação de grávidas é segura e
eficaz na prevenção de doenças neonatais. “O sucesso dos programas de
imunização materna pré-natal para tétano e influenza, bem como o
potencial para a futura disponibilidade de vacinas conjugadas
imunogênicas, torna este um momento ideal para avançar com o
desenvolvimento de uma vacina contra esse mal (a doença estreptocócica
do grupo B).” (BS)
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