Substância [18f] fluorclorina será testada
em humanos, pela primeira vez no Brasil. Experiência ocorrerá na UFMG, até o fim do mês
Felipe Canêdo
Estado de Minas: 12/08/2013
Pela
primeira vez no Brasil, testes de imagem para detectar o
desenvolvimento de células cancerígenas usando a substância radioativa
[18f] fluorclorina serão ministrados em humanos. Os exames serão
organizados pelo Centro de Imagem Molecular (Cimol) da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e devem ocorrer até o
fim deste mês. Eles serão realizados em pacientes com câncer de próstata
voluntários e contribuirão para que a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) passe a permitir sua comercialização no Brasil.
Se
tudo correr bem no chamado “ensaio clínico” – quando o fármaco é
testado em humanos –, o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear
(CDTN), instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação e sediada no câmpus da UFMG, em Belo Horizonte, passará a
produzir e comercializar a [18f] fluorclorina. “Essa substância já é
utilizada na Europa há alguns anos e recentemente teve seu uso liberado
para uso clínico nos Estados Unidos”, explica o professor e coordenador
de Medicina Nuclear do Cimol, Marcelo Mamede. Segundo ele, os exames de
tomografia por emissão de pósitrons (PET, na sigla em inglês) podem
possibilitar diagnósticos mais precoces do que fazem as tomografias e as
ressonâncias magnéticas. Mamede conta também que a [18f] fluorclorina
já foi testada em animais no Brasil.
No procedimento, o
radiofármaco é injetado no paciente e se espalha por seu corpo. O
paciente passa a emitir radiação, que é medida pelo aparelho de PET, e
as áreas onde há maior reprodução de células emitem maior radiação. A
partir disso, é possível fazer uma imagem de tumores. “Você tem a pele
ou o osso, e quando você vai fazer o diagnóstico, quando o tumor começa a
crescer, a estrutura muda de tamanho, de forma, de conformação. Mas nas
tecnologias já estabelecidas, como tomografias e ressonâncias, há
restrições em tamanho, em características e, eventualmente, só é
possível fazer o diagnóstico depois de um tempo. Quando eu pego a PET
usando radiofármacos, consigo fazer esse diagnóstico antes”, frisa
Mamede.
O ensaio clínico, que deve ser concluído até o fim de
setembro, já foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa em Seres
Humanos da UFMG e será feito em três grupos de 100 pessoas. O primeiro
grupo consistirá de pacientes já diagnosticados com câncer de próstata
mas que ainda não fizeram nenhum procedimento de tratamento, como
quimioterapia ou cirurgia. O segundo será de pacientes que tiveram a
próstata retirada (prostatectomizado) e que posteriormente foram
diagnosticados com um leve aumento de PSA (Prova do Antígeno
Prostático), que pode indicar reincidência de tumores. E o terceiro será
composto de pacientes com alto risco para câncer de próstata, que
fizeram biópsia guiada por ultrassom transrretal mas o resultado foi
negativo. Os pacientes participantes serão selecionados pelas equipes de
urologia do Hospital das Clínicas da UFMG e do Hospital Luxemburgo,
ambos na capital mineira.
O resultado esperado do exame é que
ele possa diagnosticar mais pacientes com câncer de próstata e com maior
precisão. Marcelo Mamede destaca que a quantidade da droga a ser
administrada não faz mal ao indivíduo. “Senão o teste fica com uma
conotação de cobaia. Não é uma cobaia. Nós já sabemos que o princípio
ativo dele funciona, mas há uma exigência da Anvisa no Brasil. Há dados
suficientes na literatura que comprovam que a [18f] fluorclorina
funciona, o que nós estamos fazendo é replicando um ensaio que foi
confirmado lá fora”, garante.
VIDA CURTA O professor explica
também que a meia vida da [18f] fluorclorina – período de decaimento,
tempo em que metade da massa da substância radioativa desintegrará – é
curto e, portanto, até hoje não era possível importar a substância para o
Brasil e, assim, fazer o exame. “O produto tem que ser utilizado a uma
distância de no máximo duas horas de onde foi produzido. Sua meia-vida é
de cerca de 100 minutos”, afirma. “Então, se importássemos a [18f]
fluorclorina da Europa ou dos Estados Unidos, quando ela chegasse aqui
teríamos só água”, brinca o professor.
Uma desvantagem do
exame com esse tipo de fármaco é o preço, muito mais alto do que o de
uma tomografia. “Custa cerca de R$ 4 mil . Uma tomografia custa de R$
400 a R$ 600”, ele calcula. Outra aplicação eficaz do exame e já
comprovada em outros países é para pacientes com uma espécie de tumor
agressivo no cérebro chamado glioblastoma multiforme. “Vamos fazer outro
ensaio clínico, posteriormente, com esse tipo de pacientes”, promete o
professor. Mais uma possível aplicação do [18f] fluorclorina é para
detectar tumores de câncer de mama. “O que queremos com o ensaio clínico
que vai ser realizado agora é gerar dados para subsidiar a Anvisa para
que ela permita que essa substância seja comercializada no país”,
acrescenta Mamede.
Outra tecnologia já empregada no país e que
consiste em um princípio semelhante é a que usa o radiofármaco
[18f]-FDG (fluorodesoxyglucose). Segundo Mamede, a reprodução de células
consome muita glicose, então, em locais onde há grande reprodução de
células, eles são destacados nas imagens de tomografia com essa
tecnologia. Dessa maneira é possível detectar tumores com maior
precocidade. Os exames que usam [18f]-FDG também são uma espécie de PET.
três perguntas para...
Carlos Corradi, chefe de Urologia do Hospital das Clínicas da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Urologia
1 - Qual será a importância da realização desse ensaio clínico com a [18f] fluorclorina?
Esse
ensaio será importante porque nos permitirá avaliar se esse exame
consegue diagnosticar o câncer de próstata como nós esperamos. Vamos
fazer um estudo, sem ônus nenhum para o paciente, e ver a qualidade do
teste. Se ele corresponder às expectativas, vamos entregar os resultados
para a Anvisa que poderá então permitir a comercialização da [18f]
fluorclorina no Brasil.
2 - E esse tipo específico de exame ajuda em que?
O
câncer de próstata é o câncer mais frequente no homem. E nem sempre é
fácil de diagnosticá-lo, às vezes a gente faz uma biópsia e ela dá
negativo, mas é fundamental diagnosticar esse tipo de câncer
precocemente. Sem dúvida, esse exame vai nos dar mais informações. A
chance de uma pessoa se curar aumenta muito se o diagnóstico é feito
antes da metástase. Nesse caso a chance de cura é de 90%.
3 - O PET é um exame caro. Quando ele é mais recomendado?
Quando
foi feita uma biópsia e o resultado deu negativo, mas o PSA do paciente
está alterado. O PSA aumentado não significa que o paciente tem um
câncer, o PSA aumentado é uma alteração na próstata. E também quando o
paciente já tem um câncer e você quer ver como está a doença naquele
momento, ver que procedimento é mais adequado, se é cirurgia, se é
radioterapia, se é remédio.
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