segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Marcelo Gleiser

folha de são paulo

A ideia que redefiniu o mundo


 

O mês passado marcou o centenário da publicação do modelo do átomo pelo físico dinamarquês Niels Bohr, com seus famosos saltos quânticos. Desde então, e de forma inesperada, a física quântica tomou conta do mundo, dominando as transformações tecnológicas que definem grande parte da história do século 20: radioatividade e energia nuclear, bombas atômicas e termonucleares, transistores e semicondutores, lasers, tecnologias digitais, como as usadas em seu celular ou laptop, CDs, DVDs, enfim, os produtos que usamos no nosso dia-a-dia e que são todos derivados das propriedades da matéria ao nível atômico e subatômico.
O interessante é que o modelo atômico de Bohr é meio absurdo, uma colagem de ideias clássicas e quânticas, fruto da intuição genial do único cientista capaz de confrontar Einstein. Bohr imaginou o átomo como um minissistema solar, com o próton no centro e o elétron circulando à sua volta. Seu modelo servia apenas para o átomo mais simples que existe, o de hidrogênio. Nisso, Bohr seguiu o protocolo dos físicos, de sempre buscar um problema mais fácil para começar.
Bohr sabia que o átomo não era um simples sistema solar: planetas giram em torno do Sol por bilhões de anos praticamente sem perder energia; já o elétron cairia rapidamente no próton, ao menos segundo a física clássica, que descrevia como cargas elétricas opostas se atraem.
Bohr teve que inventar para o átomo novas regras que necessariamente iriam contra a física clássica. Corajosamente, apresentou sua ideia sugerindo algo inusitado: o elétron só poderia estar em algumas órbitas, separadas no espaço como os degraus de uma escada. Da mesma forma que você não pode ficar entre dois degraus, o elétron não pode ficar entre duas órbitas. Pode apenas pular de uma para outra, como nós pulamos entre degraus de uma escada. Esses são os famosos saltos quânticos.
E o que determina essas órbitas? Mais uma vez, encontramos a incrível intuição de Bohr: como os elétrons giram em torno do próton em órbitas circulares, eles têm o que chamamos de "momento angular", uma quantia que mede a intensidade de movimentos circulares. (Por exemplo, quando uma patinadora no gelo gira com os braços estendidos e depois encolhe os braços sua velocidade de giro aumenta --essa é uma consequência da conservação de momento angular.)
Bohr sugeriu que o momento angular do elétron devesse ser "quantizado", isto é, só podia ter certos valores discretos, dados pelos números inteiros (n=1, 2, 3...). Se L é o momento angular, a fórmula de Bohr é L = n (h cortado), onde h cortado é a famosa constante de Plank, que o físico alemão havia introduzido em 1900 e que aparece em todos os processos quânticos.
A sacada genial de Bohr foi misturar conceitos da física clássica com a nova física quântica, criando uma teoria híbrida do átomo. Com ela, Bohr resolveu um antigo mistério da física, relacionado com a radiação que um elemento químico emite quando aquecido, que aparece apenas em algumas cores (ou melhor, frequências).
Os pulos dos elétrons entre as órbitas são acompanhados da emissão e absorção de "fótons", as partículas de luz que Einstein havia proposto em 1905. A teoria de Bohr capturou a essência dos átomos, suas órbitas discretas, explicando suas emissões ou espectro quantizado. Uma nova física para um novo século, que continua nos surpreendendo até hoje.
Marcelo Gleiser
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".

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