Pesquisa prova que café não traz
malefícios para o coração. Outros estudos comprovaram a ação estimulante
da bebida sobre o sistema nervoso, desde que consumida com moderação
Carolina Cotta
Estado de MInas: 31/08/2013
Para algumas doenças,
ele pode merecer sinal de alerta. Mas não para os problemas do coração.
Estudos recentes revelam que o café, uma das bebidas mais consumidas e
apreciadas pelos brasileiros, não faz mal à saúde se consumido em
quantidades moderadas e habituais, o equivalente a até quatro xícaras
grandes por dia. Uma pesquisa da Unidade Café e Coração do Instituto do
Coração (InCor), em parceria com o Consórcio Pesquisa Café, coordenado
pela Embrapa Café, avaliou os efeitos da bebida sobre a pressão arterial
e o coração de pacientes coronarianos. Não há evidências de que o café
seja ruim para elas.
A investigação começou há quatro anos. Mesmo
com a popularidade do cafezinho, era preciso conhecer melhor suas
propriedades nutracêuticas. De acordo com o médico e pesquisador Luiz
Antônio Machado César, do InCor e do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o novo estudo envolveu
114 pacientes. Foram convocadas pessoas saudáveis e outras com doenças
coronarianas. Antes das análises, todos foram proibidos de ingerir
cafeína por três semanas, até que passassem por uma bateria de exames:
testes de esteira, exame do Holter, monitoramento da pressão arterial e
dosagens de sangue.
Alguns pacientes foram selecionados para
beber café de torra média clara e a outra parte, o de torra média mais
escura. Cada um recebeu uma cafeteira com café e orientações de preparo
da bebida. Durante quatro semanas, cada voluntário tomou de três a
quatro xícaras de café por dia. Em seguida, todos voltaram ao
consultório e repetiram os exames. Depois, os pacientes que haviam
tomado o café de torra mais escura repetiram o mesmo procedimento,
também durante quatro semanas, com o café de torra mais clara. E
vice-versa. Ao final, os exames foram mais uma vez realizados.
A
média de idade dos voluntários do estudo foi de 53 e 54 anos. Cerca de
60% dos pacientes eram saudáveis e 40% tinham doenças coronárias. “Os
resultados mostram que tomar café não faz mal. O café de torra clara tem
leve tendência a aumentar a pressão arterial. Já o café de torra escura
não causou nenhuma alteração na pressão. Houve discreto aumento no
colesterol ruim e também no colesterol bom. Observou-se também que,
depois de ingerir café, as pessoas normalmente conseguiam andar mais na
esteira”, conclui o pesquisador, também diretor da Unidade de
Coronariopatias Crônicas do InCor.
Segundo o especialista, o
café torrado a determinada temperatura, e por mais tempo, tem
substâncias químicas transformadas ou destruídas. O de torra clara, por
exemplo, levou a um discreto aumento da pressão arterial, algo entre
dois e três milímetros de mercúrio. “Alguma substância foi transformada
nesse tipo de torra para que ocorresse essa alteração”, sugere. “E o
gosto forte”, adianta o especialista, “não tem nada a ver com a cor. O
café não precisa ser preto para ser gostoso. Temos café com torra mais
clara e sabores expressivos.”
Estudos epidemiológicos realizados
pelo instituto do câncer americano já haviam avaliado mais de 400 mil
pessoas durante 20 anos. Os resultados, publicados no New England
Journal of Medicine, mostram que os pacientes com câncer com hábito de
tomar café morreram menos do que aqueles que não ingeriam a bebida.
Outros estudos recentes sugerem que os diabéticos que tomam café morrem
menos do que os diabéticos que não tomam. Pesquisas concluíram que a
cafeína e o ácido clorogênico, um dos componentes da bebida, induzem o
indivíduo a responder melhor à sua própria insulina.
Mas no
século passado, muitas pessoas acreditavam que o café trazia malefícios à
saúde, aumentando a pressão sanguínea, causando arritmia e até mesmo
provocando infartos. Foi só a partir dos anos 2000 que investigações
começaram a comprovar que tais crenças não tinham base científica. Esse
desconhecimento motivou a criação da unidade de pesquisa sobre café e
coração no InCor, que pretende realizar uma série de estudos ao longo de
anos. “Fechamos os grupos de estudos com café arábica e blends. Falta
estudar os efeitos do café descafeinado e do expresso. Gostaríamos
também de fazer testes com pessoas diabéticas, sem incluir pessoas que
tomem remédio.”
SEM RESTRIÇÃO Desde que em quantidade habitual e
que o paciente seja acostumado a tomar café, não há nenhuma restrição à
ingestão da bebida por pessoas com problemas de hipertensão, problemas
na válvula mitral ou que já passaram por cirurgias cardiovasculares,
como ablação e cateterismo. Entretanto, segundo Luiz Antônio Machado
César, algumas pessoas são mais sensíveis a determinados tipos de
alimento ou bebida. “Há quem consuma cafeína e tenha taquicardia. Nesses
casos, não é recomendado ingerir.” Mesmo as crianças com problemas
cardíacos estão liberadas, mas, nesse caso, o recomendado é o café com
leite.
E já que os benefícios do café para a saúde estão
atrelados a um consumo moderado, faz bem cuidar para que não se
desenvolva uma dependência à bebida. “É normal nos acostumarmos à
cafeína. Entretanto, parando de tomar por um tempo, os efeitos da
dependência, como dor de cabeça, incômodo e irritabilidade, logo
desaparecem. Os mesmos efeitos manifestam-se em quem toma café demais.
Nesses casos, recomenda-se que a diminuição da bebida seja feita
progressivamente. É possível e fácil”, ensina o especialista.
Estimulante
Outras
pesquisas já comprovaram a ação estimulante do café sobre o sistema
nervoso, aumentando a atenção, a concentração e a memória de curto e
médio prazo, sendo recomendado, inclusive, para estudantes de todas as
idades. Outros estudos ainda apontam que o café pode atuar na prevenção
do câncer de cólon e reto, doença de Parkinson e de Alzheimer, apatia e
depressão, obesidade infantil, diabetes tipo 2, cálculos biliares e
câncer de fígado, além de aumentar o estado de vigília do cérebro e
diminuir a sonolência.
Três perguntas para...
Marcus Vinicius Bolivar Malachias -
Cardiologista, diretor do Instituto de Hipertensão Arterial de Minas
Gerais e professor da Faculdade de Ciências Médicas
Publicação: 31/08/2013 04:00
Qual o histórico dessa relação café e coração?
No
passado, a medicina era muito proibitiva. O que se desconhecia era
proibido. A medicina hoje é baseada em evidências. A partir de
constatações científicas, adotamos uma ou outra medida. Existem pessoas
sensíveis ao café, nas quais a bebida pode provocar o aumento da
frequência do coração, taquicardia, palpitações, insônia e até aumentar a
ansiedade. Tanto que, em doses maiores, ele chegou a ser proibido antes
de competições olímpicas porque podia funcionar como um dopping branco.
Mas a maioria das pessoas pode tomar café até a noite, que não sente
nada disso.
E quais são os benefícios do café?
Ele
tem alguns efeitos protetores do coração e da circulação. Isso porque
tem substâncias antioxidantes, os compostos fenólicos. Se consumido de
forma frequente, e desde que não seja uma dose acentuada para não levar
aos efeitos estimulantes, o café tem substâncias capazes de promover a
antioxidação, prevenindo o envelhecimento das artérias. Esse
envelhecimento é como uma “ferrugem” nas artérias, por causa dos
radicais livres de oxigênio, que levam a uma oxidação, assim como em uma
placa de metal exposta ao tempo. Isso é a arteriosclerose. Todo mundo
tem um envelhecimento natural das artérias, mas alguns processos podem
freá-lo, como a alimentação saudável e algumas substâncias como os
compostos fenólicos. Claro que isso deve ser visto dentro de um
contexto. Não adianta tomar café e descuidar do colesterol, da pressão e
da atividade física.
Você recomenda o café aos seus pacientes?
O
café saiu da lista negra, mas também não é uma prescrição. É um
alimento saudável se utilizado com moderação. É uma bebida aceita. Daí a
indicá-lo como tratamento ainda é controverso. Recentemente, houve essa
discussão em relação ao chocolate amargo, que também contém substâncias
antioxidantes. O mesmo serve para o vinho, que muita gente insiste em
tomar como se fosse remédio. Se o paciente gosta, pode até consumir uma
dose moderada. Mas não é uma receita médica.
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