Vão muito além do futebol os sinais de sentido social e político implícitos no movimento lançado por jogadores em busca de uma revisão do calendário dos campeonatos. E, nisso, do próprio poder da CBF. Embora não se trate do primeiro movimento de jogadores, segundo uma definição que não faz justiça a corajosas e castigadas iniciativas do passado.
Começa por ser significativo que, neste país em que por tudo se pensa em mais uma lei e se pede uma ação no Congresso, o representativo grupo de jogadores preservou o alcance e a responsabilidade da iniciativa no seu próprio meio. Mostram-se mais avançados e, suponho, mais conscientes do que os repetitivos atores, cantores, músicos, compositores e, agora, também escritores.
O problema levantado pelos jogadores não é muito mais simples do que os vividos por aquelas classes profissionais, como parece a quem o vê de fora. Os calendários do futebol brasileiro estão submetidos a mais e maiores interesses que os ligados aos cofres e transações políticas da CBF e das federações estaduais. O futebol representa ganhos oceânicos para a TV. A tal ponto que há muito tempo tornou-se usual a influência da TV Globo, dominadora quase absoluta dos bons direitos de transmissão, na montagem dos calendários provenientes da CBF.
O Brasil é o único país em que a programação noturna do futebol passou a ser condicionada pela programação e pela melhor rentabilidade da TV, no caso, com as novelas. Daí decorre o desatino de se iniciarem jogos às 10 para as 10 da noite de dias úteis. Com final já rondando a meia-noite.
Horário que se tornou fator determinante para a redução do número de torcedores, no princípio, e por fim para o hábito da ausência. Disso resultou não só mais uma fonte de faturamento, porém duas: a assinatura dos canais pagos e, apesar de já pagos, sua segunda e cara cobrança para o futebol restrito aos canais "premières". E ainda achamos que é no campo que se dão os grandes gols e as grandes vitórias.
O objetivo central do movimento, porém, merece mais reflexão dos jogadores e dos que lidam com o futebol, inclusive no jornalismo esportivo. Os jogadores pleiteiam reformas no calendário para reduzir o seu desgaste físico, decorrente dos intervalos pequenos entre os jogos e das exigências do Campeonato Brasileiro com distâncias tão grandes entre os locais de jogos. Têm razão, mesmo que não possam negar a característica de que o jogador brasileiro se cuida muito pouco, a força da consciência profissional incapaz de comparar-se à das tentações, menores ou maiores.
Mas, se o objetivo do movimento tem sentido, a maneira proposta para enfrentá-lo não é lógica. O que importa não é quantos jogos um time deve jogar, e nem tanto os intervalos. Importa, sim, contra o desgaste físico, o número de jogos que cada jogador joga. É daí que vem o problema reclamado. Logo, o necessário não está fora do jogador, está nele. Em quantas vezes, sejam quantos e quais forem os jogos do seu time, o jogador deve ir a campo.
Já estão adotados, em vários times, os descansos de alguns jogadores. É isto mesmo que precisa ser institucionalizado. Fisiologistas, neurocientistas, ortopedistas e outros podem dimensionar desde um número padrão, como média geral, ou um número limite. E até, se for o caso, o número individualizado de jogos a serem permitidos a cada jogador. Ou seja, à sua escalação. Total a ser composto com ausências a intervalos periódicos ou não, conforme as circunstâncias do time e do próprio jogador.
Tanto o respeito à limitação humana não é solução complexa, que já está eventualmente praticada. O movimento dos jogadores é um avanço que precisa ir ainda mais adiante, com outras concepções remodeladoras.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.
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