Sandra Kiefer
Estado de Minas: 26/09/2013
Sem medo de expressar opiniões, frei Cláudio
tem atitudes vistas com reserva na Igreja, mas também uma legião de
admiradores, que lotam as missas |
Do alto da firmeza de posições consolidada em seus 80 anos, frei Cláudio está em busca de leveza, conforme confessa na reflexão do boletim da missa do último domingo, na qual paroquianos amigos prepararam homenagem antecipando a celebração do aniversário. “Prosseguirei na caminhada, sendo este o objetivo: deixar alguma flor neste planeta no qual nasci, aprendi, recebi tanto, convivi e pelejei, vencendo obstáculos e colhendo bons frutos”, assinalou, no folheto. Em outro trecho, porém, o religioso desconfia da própria capacidade de se manter sereno. Como diz um colega padre, que o acompanha à distância, no anonimato: “Frei Cláudio é admirável, admirável, admirável… mas tem o temperamento explosivo”.
Coube ao garoto Jildert – nome civil de batismo na Holanda – a escolha de vir para o Brasil aos 16 anos, ainda na condição de seminarista, com um grupo de sete jovens holandeses, estudantes carmelitas da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo. Dos oito, quatro concluíram a formação sacerdotal. Desses, dois perseveraram no sacerdócio. Frei Cláudio é o único sobrevivente no Brasil. Após dois anos de estudo ginasial em Itu (SP), um ano de estágio em Mogi das Cruzes (SP), três de filosofia e quatro de teologia em São Paulo, frei Cláudio também se formou em letras clássicas. Foi ordenado em dezembro de 1959. De 1960 a 1964, quando se encontrava em Roma, preparando-se para o doutorado em teologia dogmática, conviveu com o clima de renovação que iria desembocar no Concílio Vaticano II. Ele conta que, na ocasião, teve a oportunidade de presenciar “uma significativa – embora passageira – mudança na Igreja Católica, em doutrina e pastoral”.
No retorno ao Brasil, depois de rápida passagem de três anos por São Paulo, foi transferido para Belo Horizonte, onde daria aulas de teologia e trabalharia na paróquia do Carmo, onde permanece até hoje. Em 2010, a informação de que o afastamento de frei Cláudio para outra cidade era cogitado foi o bastante para desencadear intensa mobilização na comunidade, que reagiu com o poder de 13 mil nomes lançados em um abaixo-assinado, além de encher, ainda mais, as missas do religioso. Teriam motivado o movimento para afastá-lo atitudes que fugiriam aos padrões da Arquidiocese de Belo Horizonte. Entre as principais fontes de incômodo estaria o boletim distribuído nas missas, totalmente reescrito por ele. Nas demais paróquias, a celebração segue um roteiro pré definido pela Cúria Metropolitana.
Por fim, o religioso concordou com a saída diplomática: se aposentaria por idade do posto de pároco (acima de 75 anos), sendo substituído na função por frei Evaldo Xavier Gomes. Mas, a pedido dos fiéis, frei Claúdio continua a responder pela missa das 11h do domingo, como vigário. “Muitos padres ainda dizem por aí que minha missa não é válida”, reconhece. De acordo com a Cúria Metropolitana de BH, a Paróquia Nossa Senhora do Carmo é administrada por meio de congregação religiosa, que conta com governo próprio. Portanto, mudanças internas passam pelo discernimento dos próprios carmelitas.
Poucos sabem, porém, que frei Cláudio briga pela modernização do folheto da missa desde a década de 1960. A contenda iniciou-se dois anos depois do Concílio Vaticano II (1962-65), que liberou o emprego do português no início e no fim das celebrações, preservando o latim apenas na parte central do folheto. “Já na metade do ano de 1967, decidimos rezar a missa toda em português. Não tinha sentido insistir em uma língua que ninguém mais entendia. O povo bateu palmas, mas o bispo exigiu explicações. Meio ano depois, em 1968, chegou a ordem de Roma dispensando o uso do latim”, revela o religioso, autor de dezenas de livros e adepto da Teologia da Libertação – corrente sem consenso dentro do catolicismo que surgiu na América Latina, na década de 1960, com forte conotação socioeconômica e política e que defende a atuação da Igreja sobretudo em defesa dos menos favorecidos.
Caráter formado na dureza da 2ª Guerra
Frei Cláudio não poderia ser diferente do que é. De certa forma, suas posturas refletem algo de sua experiência iniciada na Holanda, durante os conflitos da Segunda Guerra Mundial. Aos 10 anos, viu seu pai fazer buracos no silo para esconder jovens que se negavam a colaborar com o Exército alemão. Com o país ocupado pelos nazistas, o frade revela ter ficado muito impressionado com a atitude do então vigário local. Do púlpito, ele insistia para que ninguém colaborasse com o regime de Hitler. Devido às suas mensagens, passou três anos em um campo de concentração nazista.
Fatos e exemplos como esses deixaram marcas profundas no religioso, que, mais tarde, já no Brasil, pregaria contra injustiças e violências do regime militar. “O leite bebido na infância produz, mais tarde, seus efeitos”, observa o religioso, que continua jovem no idealismo que propaga. Durante a ditadura militar, a Igreja do Carmo continuou a funcionar como casa aberta, abrigando reuniões de estudantes das mais diversas frentes de militância política.
Conta o frade: “Certa vez, um grupo de sete rapazes e moças, acusados de iniciativas subversivas, presos e torturados em Juiz de Fora, fizeram chegar a nós o relato do que haviam sofrido. Um dos acusados, preso e maltratado, citou meu nome como facilitador dessa ‘subversão’. Fui ouvido no Dops, xingado e ameaçado, porém prova não foi encontrada, além da palavra do rapaz torturado”.
PAPA Quanto à escolha do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, eleito papa Francisco, frei Cláudio considera que a Igreja Católica está entrando no bom caminho. “Na teologia, o papa bebeu de uma fonte antiga, da qual todos nós – os mais antigos – bebemos também. Felizmente, quanto à pastoral, o papa Francisco tem um jeito bem aberto. Há quem observe que ele fala e faz o que estamos ouvindo e fazendo, na paróquia, há 40 anos. Ainda bem”, suspira.
Entre as “modernidades” adotadas pelo frade carmelita no ritual da missa, estão o repartir da comunhão também com pessoas separadas que se casaram de novo. Ele argumenta que a mesa da Eucaristia deve ser de acolhida e não de exclusão.
Frei Cláudio chega a se exaltar ao descrever o quadro da Santa Ceia, que costuma encimar a mesa da sala de jantar de inúmeras casas católicas em Minas. “Afinal, na Primeira Eucaristia, em uma ponta da mesa estava Judas, que iria trair; na outra ponta, Pedro, que iria negar; e o restante da turminha que iria abandonar Jesus, na hora da condenação. Além do mais, até o papa, ao rezar a missa, na hora da comunhão, também reconhece: ‘Não sou digno de que entreis em minha morada’. Ora, se ninguém é digno, o problema não é a dignidade, mas o convite, que é universal”, defende. “Ninguém é digno, mas todo mundo é convidado.”
Artesão da féEm 21 de outubro será lançado o livro Cláudio van Balen: Artesão da fé, de autoria do padre Mauro Passos e do ambientalista Cláudio Guerra, amigos do frade. A obra detalha um pouco mais da trajetória do religioso, sua infância na Holanda e as atividades sociais da Igreja do Carmo, referência no país. “Sabe do que mais gosto em frei Cláudio? Da sua alma livre, sem narcisismo e sem amarras. Ele é o que é. Eu queria ser assim”, confessa uma entre os 800 voluntários dos mais de 50 projetos sociais da Igreja do Carmo, entre serviços jurídicos, médicos e psicológicos, que atendem a 20 mil pessoas por mês. Diariamente, ela segue de ônibus de um bairro vizinho até o Sion para se inspirar no exemplo de vida do religioso.
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