Fonte: Folha de São Paulo
Cantinho do castigo
Eu tentei; eu juro que tentei, caro leitor, resistir à tentação de escrever a respeito do cantinho do castigo. Ah, como eu tentei. Mas o maldito cantinho me persegue.
Não há um dia em que, em uma busca de assuntos na internet, eu não me depare com artigos, blogs, reportagens com listas de recomendações aos pais para bem educar o filho, de acordo com a idade que ele tem, que não apresente a ideia do cantinho. Até mesmo de programas de televisão eu não consigo escapar: vira e mexe, lá está a história do cantinho.
Certamente todos conhecem essa estratégia chamada educativa, mas caso alguém tenha tido a sorte de nunca ter se deparado com ela, eu explico. Quando uma criança faz algo que não deveria ter feito, quando se descontrola, quando faz birra ou briga com o irmão, por exemplo, os pais -ou responsáveis, que podem até ser professores- devem levar a criança até um canto, de preferência longe do convívio familiar, e deixar a criança lá por um tempo.
E por quanto tempo a criança deve lá ficar? Ah, depende da idade dela, dizem os adeptos de tal estratégia. Pode ser, por exemplo, um minuto para cada ano que a criança tem, com pequenas variações. E você acredita, leitor, que já há banquinhos em forma de ampulheta, com areia dentro, que demora cinco minutos para passar de um lado ao outro? Então: a estratégia faz tanto sucesso entre os pais que já mobilizou até o mercado de produtos.
Conheço muitas mães que adoram o cantinho. Elas são entusiasmadas assim com a estratégia porque ela funciona, dizem. Sim, funciona. Por um tempo funciona, principalmente com crianças que têm menos de seis anos. As mais indefesas. Experimenta colocar um adolescente no cantinho!
Funciona da mesma maneira que funciona ensinar um cão a atender comandos como "senta" e "fica", por exemplo. Em outras palavras, adestramento, condicionamento, controle funcionam. Por um tempo, reafirmo.
E quando a estratégia do cantinho vem acompanhada da palavra "pensamento"? O tal "cantinho do pensamento" deve levar a criança a pensar na bobagem que fez. Refletir a respeito de seu mau comportamento. Como uma criança pequena pode ter uma atitude reflexiva?
Pensando bem, deve ser divertido para a criança imaginar a areia descendo e passando pelo fino buraquinho do banquinho sobre o qual está sentada. Deve ser bom também ter tempo para pensar no que quiser, imaginar, lembrar. É... o cantinho tem lá sua utilidade boa para a criança!
Em resumo, os ensinamentos nessa linha afirmam que quando a criança se comporta bem, os pais devem elogiar; quando não, levá-la para o cantinho. Na linguagem da psicologia comportamental, elogio é o reforço positivo -que visa aumentar a incidência de um comportamento- e o cantinho é o "time out", técnica que visa reduzir um comportamento indesejado.
As questões sobre as quais devemos refletir -nós, adultos, temos condição de fazer isso- é se essas estratégias educam e respeitam a criança. Minha resposta para ambas as questões é não. O cantinho do castigo, ou do pensamento, é uma punição. E sabemos que punição faz sofrer, mas não ensina nada. Adestra, condiciona, controla. Por um tempo.
Mas, e depois, quando o cantinho não for mais aplicável? O que os mais novos terão aprendido com o uso dele? Essa deve ser a nossa questão quando ficarmos tentados a usar o cantinho.
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