sábado, 28 de setembro de 2013

Desigualdade e analfabetismo param de cair

Pesquisa do IBGE revela que, após uma década, rendimento de ricos subiu em ritmo superior ao de pobres em 2012
Taxa de analfabetos é mais alta entre idosos, mas teve redução entre jovens; crianças ficam mais tempo na escola
DO RIODE SÃO PAULODE BRASÍLIAA pesquisa anual que investiga as características socioeconômicas dos brasileiros detectou que a queda do analfabetismo e a desigualdade, conquistas marcantes nas últimas duas décadas, foi interrompida em 2012.
Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a melhora na distribuição de renda foi estancada porque a remuneração dos mais ricos cresceu num ritmo superior à dos mais pobres.
Alguns analistas interpretaram o dado como um sinal de que as políticas de transferência de renda estejam próximas do esgotamento, tese refutada pelo governo.
Também chamou a atenção a constatação de que a diferença entre os salários de homens e mulheres voltou a crescer no país.
O levantamento, feito pelo IBGE, também mostrou que a taxa de analfabetismo parou de cair após 15 anos.
Isso aconteceu principalmente entre os brasileiros com mais de 40 anos. O envelhecimento da população, segundo especialistas, deve tornar a redução dos analfabetos uma tarefa mais difícil.
A boa notícia é que essa taxa é cada vez mais baixa entre jovens. Outros dado positivo foi aumento dos anos de estudo desse mesmo grupo.
A Pnad também traz importantes revelações dos hábitos de consumo das famílias. A mais curiosa: já são maioria no país os domicílios que usam o celular como o único telefone de casa.
Outro destaque foi o aumento das famílias que possuem carro, num momento em que pega fogo o debate sobre o transporte público.
    IBGE entrevistou 363 mil pessoas em todo o país
    DO RIO
    A Pnad é realizada no atual formato desde 1992 e investiga temas como educação, mercado de trabalho, migração, acesso a bens duráveis e serviços públicos, além de tecnologia da informação.
    É feita anualmente, exceto em ano em que há Censo --um por década.
    Em 2012, a pesquisa abrangeu 147 mil domicílios no país. Foram entrevistadas 363 mil pessoas.
    A Pnad é feita no fim de cada ano e divulgada após cerca de 12 meses. A margem de erro varia conforme o tamanho da amostra de cada dado pesquisado.
    Analfabetismo no país para de cair pela 1ª vez em 15 anos
    Entre idosos, a taxa dos que não sabem ler nem escrever chega a 24,4%; já entre os jovens ela se limita a 1,2%
    Melhoria perde ritmo porque analfabetos que restam são cada vez de mais difícil inclusão, afirma professora
    MARIANA SALLOWICZPEDRO SOARESDO RIODANIEL CARVALHODO RECIFEPela primeira vez em 15 anos, a taxa de analfabetismo parou de cair, interrompendo a tendência de queda contínua --mais acentuada desde o fim dos anos 90.
    O percentual de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler nem escrever no país passou de 8,6% para 8,7% entre 2011 e 2012.
    Restavam 13,2 milhões de analfabetos no país, concentrados nas faixas etárias mais elevadas, segundo a Pnad.
    Maria Lúcia Viera, gerente do IBGE, diz que a variação representa estabilidade, dentro da margem de erro e que será preciso aguardar os dados do próximo ano para verificar a tendência.
    Para a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, há um componente demográfico que influencia a taxa de analfabetismo, "já que a população envelhece e os não alfabetizados se concentram em faixas etárias mais elevadas".
    Entre os brasileiros com 60 anos ou mais, o percentual chegou a 24,4%. Na outra ponta, a menor taxa foi entre jovens de 15 a 19 anos (1,2%).
    Na avaliação de Eliane Andrade, professora do departamento de educação da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e da UniRio, a redução da taxa pode perder ritmo, uma vez que os analfabetos que restam no país são cada vez de mais difícil inclusão. Ela citou idosos e moradores de áreas rurais.
    "A tendência é chegar em uma taxa em que é difícil conseguir grandes variações."
    Com a elevada taxa de escolarização, a redução do analfabetismo fica mais complicada, avalia Kaizô Beltrão, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV.
    "A eliminação do analfabetismo ocorre principalmente pela entrada na escola." Entre as crianças de 6 a 14 anos, 98,2% já estavam na escola no ano passado.
    Por região, a Nordeste concentrava mais da metade dos analfabetos de 15 anos ou mais. A taxa chega a 17,4%, ante os 4,4% do Sul.
    Houve melhora em outros índices de educação. A média de anos de estudo na população com dez anos ou mais subiu de 7,3 para 7,5. A presença de crianças de quatro ou cinco anos nas escolas foi de 77,4% para 78,2%.
    'SABIDO'
    No Recife, o comerciante Armando Marques, 43, que parou de estudar na segunda série para trabalhar, sabe ao menos escrever o nome de batismo. Diz que perdeu "muita oportunidade na vida".
    "Mas eu me informo. Assisto TV e minha esposa lê jornal para mim", afirma.
    Mesmo analfabeto, virou um microempreendedor. Entrega pizzas e acabou de comprar uma barraca de coco.
    "Nunca me passaram a perna porque sou sabido, sou inteligente", diz Marques, que garantiu estudo aos seus quatro filhos e afirma acreditar que agora é possível conciliar trabalho e escola.
    "Vou abrir outros horizontes. Não vou mais depender de ninguém para assinar um cheque, para ler para mim", disse o comerciante.
      ANÁLISE
      No Nordeste, alfabetização é comparável à taxa da Índia
      RÚSSIA E CHINA TÊM ÍNDICES MELHORES DO QUE O BRASIL
      SABINE RIGHETTIDE SÃO PAULOA taxa de população analfabeta com mais de 15 anos no Brasil (8,7%) é alta se comparada a países como EUA, Alemanha e Nova Zelândia, cujos índices giram em torno de 1% dos habitantes.
      Nesses países, ficam fora da escola comunidades pobres, isoladas e nativos. Ou seja: não saber ler é exceção.
      Rússia e China têm índices melhores do que o Brasil: em torno de 5% de analfabetismo segundo dados oficiais. Perdemos para a Índia: lá cerca de 25% da população acima de sete anos não sabe ler.
      A taxa indiana de analfabetismo é encontrada por aqui também. No Nordeste brasileiro, quase 25% da população economicamente ativa masculina não sabe ler.
      Trocando em miúdos, um em cada quatro homens com mais de 25 anos não escreve um bilhete, não pega ônibus sozinho e nem pode ler a receita de um medicamento.
      De quem foi alfabetizado, poucos ficam na sala de aula. O IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), divulgado em julho, mostrou que só metade da população adulta do país concluiu o ensino fundamental.
      Com essa trajetória, quem chega ao ensino superior em idade universitária (18 a 24 anos) é uma minoria: 14% da população. Em países ricos, a taxa gira em torno de 70%.
      Os números mostram que programas de inclusão social no Brasil têm conseguido manter crianças na escola (a taxa de analfabetismo de 10 a 14 anos é de 1,9%), mas não atraiu a população jovem e adulta de volta às aulas.
      Uma alternativa para melhorar esse quadro é incluir em programas como o Bolsa Família a exigência de que o chefe de família também esteja estudando. E, claro, ter boas escolas para a população jovem e adulta.

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