Zero Hora - 27/10/2013
É uma discussão de difícil consenso: liberdade de expressão x direito à
privacidade. Dois pilares indispensáveis para uma sociedade civilizada.
Como equilibrar os interesses?
Em 2005, publiquei uma pequena novela que tratou desse tema. Em
Selma e Sinatra, uma jornalista entrevista uma famosa cantora a fim de
escrever sua biografia, e durante suas conversas a cantora deixa escapar
que teve um rápido affair com Frank Sinatra, mas não quer que isso seja
revelado, pois era casada na época. A jornalista surta com o veto. E
abre-se o debate entre elas: o que torna, afinal, uma vida interessante
aos olhos dos outros?
Não condeno quem tenta preservar sua intimidade. Se um engenheiro
não gostaria que falassem sobre seus porres, se um desembargador evita
admitir que fumava baseados na adolescência, se uma publicitária não
quer que vasculhem sua sexualidade, se uma professora não deseja que
saibam que ela teve um caso extraconjugal, por que um artista deveria se
sentir confortável com a exposição disso tudo?
Muitos responderiam: porque ele tem uma vida pública. Como se fosse
um acerto de contas: “Já que você é rico, célebre e bem-sucedido,
entregue seus podres em troca”. Mas em troca de quê? De ter realizado um
trabalho que o deixou em evidência? É alguma espécie de punição por ser
reconhecido nas ruas?
Sou uma leitora voraz de biografias e considero que toda história de
vida é ficção. Quando leio livros sobre Marylin Monroe, Patti Smith ou
Nelson Rodrigues, entendo que o autor, por mais que tenha pesquisado,
por maior que seja sua boa fé, não tem como saber toda a verdade: as
suposições contracenam com os fatos.
O biografado se torna um personagem – bem realista, mas um
personagem. Até mesmo quem escreve a própria biografia maquia um
pouquinho a si mesmo. Ninguém se deixa conhecer 100%. O leitor
experiente tem consciência disso e rende-se à criação e à qualidade do
texto.
Ou seja, em vez de discutir legislação, o ideal seria que lêssemos
mais e melhor para mudar nossa mentalidade de abelhudos, entendendo que
há diferenças entre uma matéria de revista e um livro: as revelações que
o livro traz situam o biografado num contexto histórico e social,
ultrapassando as fofocas íntimas, que podem ser curiosas, mas não têm
essa relevância toda.
Se estivesse bem clara a diferença entre um livro e a Caras,
artistas cujas vidas despertam interesse editorial talvez não tivessem
tantos melindres, pois confiariam na inteligência do leitor. Mas o que
este prefere? Um relato com pimenta ou sem pimenta? Bem embasada ou
contada com sensacionalismo? Aí é que entra a questão da mentalidade,
que se não se refinar, continuará a gerar o desconforto dos biografados.
Literatura nenhuma deve ser censurada, coibida, mas também não deve
ser lida com avidez apenas por causa de detalhes mundanos. Houvesse
segurança no discernimento do leitor, essa polêmica talvez nem tivesse
iniciado.
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