quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Eduardo Almeida Reis-Cadastro‏

Toda anedota é um perigo, porque desperta na plateia o espírito de imitação, e a reunião se transforma numa sessão interminável de falta de graça


Eduardo Almeida Reis


Estado de Minas: 02/10/2013 

Sempre que vejo adeptos deste ou daquele partido político recorrendo ao argumento, às vezes mentiroso, de que outro partido “também” rouba, na tentativa de justificar a ladroeira despudorada dos seus correligionários, me lembro de um episódio ocorrido no Rio no tempo de antigamente. Dois rapazes da minha geração, ligeiramente mais velhos do que o então jovem philosopho, disputaram a mão da bela filha do rei do Arroz. A. L. e F. B., muitíssimo bem-apessoados, foram convidados pelo rei para jantar no Copacabana Palace, oportunidade que o orizicultor aproveitaria para fazer o cadastro dos candidatos a genro. E a mocinha ali, com a mãe e os irmãos, encantada pelo fato de ser disputada por dois belos cariocas. No agronegócio a comparação foi covardia, porque A. L. era formado em agronomia e tinha duas imensas fazendas, enquanto F. B., curso secundário completo, era filho de um produtor de aguardente de cana no Rio de Janeiro, cujas terras não passavam de 200 hectares. Covardia acentuada quando cuidaram dos veículos automotores. F. B. tinha um Volvo preto de duas portas e segunda mão, enquanto A. L. tinha sete automóveis. Sete! Hoje, qualquer idiota pode ter sete automóveis. Sei disso, porque já tive cinco, um deles novo, mas naquele tempo sete automóveis novos, importados, cada um mais caro e mais carro que os outros, era número digno do Marajá de Kapurthala. Major-general His Highness Farzabd-i-Dilband Rasikh-al-Iqtidad-i-Daulat-i-Inglishia, Raha-i-Rajagan, Maharaja sir Jagatjit Singh Nahadur, Maharaja of Kapurthala, GCSI, GCIE, GBE (1872–1949) era o Bill Gattes, o Carlos Slim Helú da primeira metade do século passado. Salvo no quesito beleza física, em que os dois empatavam, seria impossível comparar os cadastros dos candidatos à filha do rei do Arroz, quando o arrozeiro perguntou pelas mães dos rapazes. A. L., que tinha grande mágoa da separação escandalosa de sua genetriz, confessou: “Minha mãe é desquitada”, enquanto F. B., na maior felicidade por encontrar um quesito em que se igualava ao concorrente, repetia aos gritos: “Mamãe também é! Mamãe também é!”.


Narrador
Disputada na República Tcheca dia 30 de agosto, a Supercopa da Europa reuniu os vencedores das ligas da Europa e dos Campeões. Teria sido bela partida de futebol entre o Chelsea, agora treinado por José Mourinho, e o Bayern de Munique, que tenta adaptar-se ao treinador Pepe Guardiola para enfrentar, em Marrocos, o Atlético de Alexandre, o Grande. Teria sido... diz aqui o philosopho, se o narrador da ESPN não fosse um historiador com doutorado em estatística. Em vez de narrar o prélio, o rapaz passou o tempo inteiro falando dos times que venceram esta ou aquela copa entre 1908 e 2012, com o número de gols, os jogadores expulsos ou lesionados (jogador de futebol não se machuca, se lesiona), um negócio insuportável, porque nenhum telespectador se interessa pelo que ocorreu entre 1909 e 2012. Não se interessa nem é capaz de guardar tantas informações inúteis.


Anedotas
É do gênio de Abgar Renault a seguinte reflexão: “Não gosto de anedota com prefácio”. Realmente, anedota prefaciada é um horror. Contudo, mesmo aquelas sem proêmio exigem que o cidadão tenha o dom de saber contar piadas. Em rigor, toda anedota é um perigo, porque desperta na plateia o espírito de imitação, e a reunião se transforma numa sessão interminável de falta de graça. Experimente e me conte. Basta a primeira para dar início a uma sucessão de piadas sem graça. Felizmente, desde criança me contenho no anedotizar, porque tive um tio engraçadíssimo, inteligentíssimo, com o dom anedotista, que entretinha uma festa a noite inteira – e os convidados sérios, solenes, importantes, rolavam no chão de tanto rir. Desde então só encontrei raríssimas pessoas com aquele dom. Tenho sido vítima do chato preênsil e anedótico, aquele que nos prende pelo braço para contar casos que supõe muito engraçados, à chuva dos perdigotos que não dispensa. Essas primeiras 156 palavras serviriam como nariz de cera para um chiste que resolvi contar por escrito, mas já me arrependi. É muito pesado para jornal lido nas casas de família de Minas. Fico devendo.


O mundo é uma bola
2 de outubro de 313: no Sínodo de Latrão, o papa Milcíades, também conhecido como Melquíades ou São Melquíades, declara o donatismo heresia. Parece que donatismo foi doutrina religiosa fundada por Donato, bispo de Cartago, que reclamou tratamento severo (reprovado pela maioria da Igreja católica) para os cristãos que haviam fraquejado durante a perseguição do imperador romano Diocleciano. Em 1187, Saladino derrota os Cruzados e conquista Jerusalém. Saladino, em árabe Salãh ad-Din Yusuf ibn Ayyub, foi um chefe militar curdo, muçulmano, que se tornou sultão do Egito e da Síria liderando a oposição islâmica aos cruzados europeus no Levante. Egito, Síria, Iraque, Iêmen e Hejaz ficaram sob seu domínio. Hejaz, “a barreira”, como é do desconhecimento universal, é uma região no Oeste da Arábia Saudita, banhada pelo Mar Vermelho, e sua cidade principal é Jidá, mas a área é mais conhecida por incluir Meca e Medina. Hoje, pasme o leitor, é o Dia Internacional da Não Violência, que só faz aumentar.


Ruminanças
“Que seria do Brasil sem alguns muitos chatos que têm espaço cativo na imprensa? Seria um país com jornais de leitura mais divertida” (R. Manso Neto)
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