ZERO HORA - 02/10/2013
Uma
casa e um smartphone: você precisa de mais alguma coisa? Hoje a gente
se enclausura e faz uma vida. O que fica do lado de fora da janela é
apenas uma cidade com ruas que levam a outras clausuras: a do
escritório, a da academia, a da igreja, a do shopping, a do estádio, a
da casa de amigos e familiares. Durante o trajeto, de um ponto a outro
entre as clausuras, vamos reclamando do trânsito e olhando para os lados
com aflição, a fim de conferir se não há ninguém nos seguindo, à
espreita.
A cidade em que vivemos deveria despertar o mesmo
sentido de lar que nossa casa desperta. Também é uma referência
emocional, e o natural seria que circulássemos por ela com desenvoltura,
alegria, entusiasmo – valorizando os passeios e nos sentindo acolhidos.
Uma cidade é um espaço de integração e dinamismo, um elemento vivo. Ela
deve ser boa para nós, deve nos reservar um futuro. Uma cidade – a
nossa cidade – deve nos convidar para fazer parte dela com profundidade,
como um chamado amoroso. Mas para amá-la precisamos confiar nela,
admirá-la e considerá-la protetora.
Que condição de cidadania
pode haver em transitar apressadamente entre clausuras, em não
desfrutarmos do acolhimento que uma cidade, qualquer cidade, deveria
oferecer a quem nela vive?
Uma amiga teve o carro roubado às 14h
de um lindo dia de sol enquanto estacionava aqui perto de casa. Minha
cunhada resgatou o filho na escola enquanto acontecia um tiroteio na
praça em frente. Uma conhecida foi assaltada duas vezes no mesmo mês e
no mesmo quarteirão. Isso restrito à minha vizinhança, imagino que você
também colecione histórias sobre a sua.
Quem já teve o
privilégio de viajar para locais mais seguros não se conforma com a
indignidade de caminhar pela própria cidade desconfiando de quem cruza
pela calçada. Comerciantes atendem por trás de grades depois de certa
hora – como se ainda houvesse um horário mais perigoso do que outro. É
ridículo se sentir ameaçado pelo lugar onde se vive.
É por isso
que apoio os que lutam para atualizar nosso Código Penal. Prisão
perpétua para crimes hediondos, fim do regime de progressão (que o preso
cumpra sua pena integralmente) e redução da maioridade penal para 16
anos quando houver prática de assassinato, estupro, sequestro,
pedofilia, tráfico de drogas, de órgãos, de armas. Chega do prende e
solta.
Política é a arte de se deixar seduzir pelo poder, mas
que poder? Nossos engravatados discursam pomposamente, cortam fitas de
inauguração, vivem em reuniões, fazem de conta que representam o povo,
enquanto o povo continua negligenciado pela retórica, pela burocracia,
pela lerdeza, por leis obsoletas, por interesses eleitoreiros e pelo DNA
defeituoso deste país que, em vez de permitir que nos encantemos por
nossas cidades, faz apenas com que tenhamos medo delas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário