sábado, 16 de novembro de 2013

A questão da eutanásia‏

A questão da eutanásia 
 
Deixar a decisão para o médico é, sem dúvida, uma má escolha. Ele decidirá com base nos valores individuais dele 
 
Luciana Dadalto
Advogada, coordenadora do Departamento de Direito Médico, Odontológico e Hospitalar da Ivan Mercêdo Moreira Sociedade de Advogados, doutoranda em ciências da saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG


Estado de Minas: 16/11/2013


A divulgação recente de casos de eutanásia na Bélgica e na Holanda, países que legalizaram a eutanásia há muitos anos, reavivou os debates sobre a necessidade da legalização dessa prática no Brasil.

De um lado, os defensores sustentam argumentos jurídicos acerca da autonomia individual e da dignidade humana, afirmando que o indivíduo deve ter o direito de morrer quando estiver passando por sofrimento físico ou mental e que os profissionais de saúde devem ajudá-lo.

De outro, os contrários a essa prática se baseiam em diferentes razões: religiosos afirmam que a vida é um presente divino e que não cabe ao indivíduo tirá-la. Juristas afirmam que a vida é um direito indisponível e que, portanto, o indivíduo não pode abrir mão dela. Médicos que trabalham com cuidados paliativos afirmam que a efetividade dos cuidados com os pacientes fora de possibilidades terapêuticas permite que o paciente tenha um fim de vida digno, sem que seja necessário abreviá-la.

Defender a eutanásia é, em que pese os aspectos éticos e morais, o caminho mais simples, pois vivemos a primazia do individual sobre o coletivo, num mundo que protege com virulência as liberdades individuais. Dessa forma, a defesa da eutanásia centra-se na ideia de que o indivíduo deve ser livre para fazer escolhas ilimitadas, inclusive sobre a morte, e cabe ao Estado, aos profissionais de saúde, aos familiares e amigos respeitá-las.

Ser contra a eutanásia é um caminho espinhoso. O argumento religioso pode soar piegas, irracional e moralizante para aqueles que não têm crença religiosa e para os que defendem que o Estado é laico. O argumento jurídico pode dar a ideia de que o direito, muitas vezes, impõe barreiras socialmente ultrapassadas e que o Estado não pode limitar a autonomia do indivíduo. O argumento médico pode soar ilusório, pois a verdade é que os cuidados paliativos (ramo da medicina que visa proporcionar ao doente conforto para que a morte chegue no tempo certo, sem sofrimento) ainda estão engatinhando no Brasil, com raras exceções.

Mas, talvez, o cerne da discussão não seja nenhum desses argumentos. O que parece é que discutir qualquer assunto que tenha a ver com morte é, para a sociedade brasileira, um tema secundário, que precisa ser varrido para debaixo do tapete e ali ficar até a morte repentina ou diagnóstico de uma doença fora de possibilidades terapêuticas (terrivelmente conhecida como doença terminal).

Quer dizer que antes de defender a eutanásia no Brasil precisamos defender a necessidade de conversar sobre a morte. Todos vamos morrer, portanto, podemos e devemos decidir sobre como queremos morrer caso tenhamos uma doença fora de possibilidades terapêuticas, recusando, se quisermos, tratamentos que apenas prolongam a vida sem garantir a qualidade dela. Para isso existe o Testamento Vital, regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina em 2012.

Contudo, apenas um documento não resolve. Precisamos conversar com nossos familiares e, principalmente, com nossos médicos, pois são eles que têm a cruel missão de nos orientar quando questionamos: “Doutor, o que o senhor faria?”. Ou, ainda, de decidir entre seguir a vontade dos familiares ou a vontade do paciente, manifestada durante um sussurro no leito.

Deixar a decisão para o médico é, sem dúvida, uma má escolha. Pois esse profissional decidirá com base nos valores individuais dele, decidirão sendo pressionado pela família e assombrado pela ameaça de um processo judicial. Assim, a escolha deve ser de cada um de nós e, quem sabe, o dia em que tivermos essa consciência, não precisemos defender a eutanásia no Brasil.

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