sábado, 16 de novembro de 2013

A saudade e a dor torácica - José Carlos Lassi Caldeira

Estado de Minas: 16/11/2013 



Seria a saudade um diagnóstico diferencial da dor torácica isquêmica crônica? Tirando o aspecto anedótico, o que se sabe, desde o ponto de vista das evidências clínicas, é que as crises psicoafetivas como ansiedade, raiva, medo precipitam ou agravam os episódios de dores recorrentes que são consequentes ao fluxo sanguíneo insuficiente para a oxigenação/nutrição da musculatura cardíaca (miocárdio), como ocorre nas anginas estáveis (AE) , nas instáveis (AI) e no infarto agudo do miocárdio (IAM).

Além do estresse e de outras condições emocionais cujas dores podem se lhe assemelhar, há uma série de diagnósticos diferenciais que devem ser considerados na dor torácica isquêmica ou dor da angina. Essa dor, causada pela insuficciência coronariana, tem características particulares: trata-se de dor constritiva do tipo aperto ou opressão, geralmente sobre a área cardíaca (precordialgia), com irradiação para ombro e braço esquerdos (menos comum para braço direito, queixo e mandíbula e região epigástrica – sobre o estômago), estando associada a exercícios físicos, frio ou estresse e que melhora com o repouso ou com o uso de nitratos em 10 minutos, na angina estável.

Na angina instável e no IAM, a dor tem características semelhantes, mas é mais intensa, menos tolerante aos esforços e geralmente não cede após 30 minutos de repouso, melhorando apenas parcialmente com o uso de nitratos. Dores caracterizadas como pontadas, fincadas, punhaladas no peito geralmente não são consequentes à insuficiência coronariana (mas devem ser bem observadas) e, por outro lado, existem anginas instáveis (AI) e IAM sem dores, em especial no paciente idoso, nos diabéticos, em mulheres. E esses quadros podem se manifestar apenas como náuseas, mal estar, sudorese e dispneia.

Nas mulheres, por apresentarem diferentes perfil endocrinológico e constituição da rede arterial, os sintomas são distintos, não sendo a precordialgia e sua irradiação para o braço os sinais mais frequentes (o estrógeno tem ação protetiva contra a dor, aumentando o limiar de sensibilidade dolorosa dos nervos, assim como protegem as artérias). Também são diferentes os fatores de risco cardiovascular para elas – a hipertensão arterial é mais danosa que nos homens e a associação entre depressão, menopausa e isquemia é frequente, segundo a Sociedade de Cardiologia de São Paulo. Por tais motivos, muitas vezes as mulheres negligenciam sinais ou os desconhecem, sendo essa uma das causas do grande aumento do número de mulheres enfartadas no Brasil atualmente (10 vezes mais que há 50 anos).

Muitos outros quadros aparecem como diagnóstico diferencial, entre os quais as dores de origem gastrointestinais, como os espasmos de esôfago, as gastrites e a doença do refluxo gastroesofágico, sendo que nesses casos a dor apresenta-se como queimação ou azia, piorando com a compressão da região epigástrica e melhorando com uso de antiácidos; as dores de origem pulmonar, como as pleurites/pneumonias; as traqueobronquites e o pneumotórax espontâneo apresentam dor ventilatório-dependente (piora com a respiração) e são acompanhadas de tosse, desconforto respiratório ou dispneia severa e febre, sendo que o RX de tórax muitas vezes confirma o diagnóstico. As dores de origem musculoesqueléticas, como as costocondrites e as doenças dos discos cervicais, cursam com dores fortes, súbitas e fugases, localizadas e que podem ser reproduzidas com a pressão manual sobre a área afetada ou a movimentação da área. As dores por doenças da vesícula (inflamaçoes e pedras) se localizam no quadrante superior direito do abdome, são provocadas após as refeições e apresentam características próprias, como o sinal de Murphy positivo.

Muitas outras causas de dor torácica devem ser pesquisadas, como as pancreatites (uso abusivo de alcool), o herpes zoster, a embolia pulmonar, principalmente nos acamados e nas mulheres usuárias de pílulas anticoncepcionais, e a síndrome do pânico, atualmente muito comum nas consultas de urgência. Nos adolescentes e adultos jovens, checar o uso de drogas sobretudo cocaina e crack.

A boa anamnese e o exame físico acurado, na maioria dos casos, definem o diagnóstico. E a terapêutica dependerá, naturalmente, da condição mórbida que causa a dor: nas das dores anginosas que surgem após esforços físicos e que melhoram com o repouso, esses casos devem ser cuidadosamente examinados e, se necessário, encaminhados ao pronto-atendimento. A abordagem terapêutica em tempo hábil permite ao paciente uma longa e saudável vida. Para o caso das dores de origem psicoafetivas, emocionais, a psicoterapia e as canções são um santo remédio. “A saudade mata a gente, morena, a saudade é dor pungente”(João de Barro, A saudade mata a gente).

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