João Paulo
Estado de Minas: 23/11/2013
Paulo Henrique Ferreira conta uma história de amor que recolhe seus cacos em versos de canções |
O jornalista Paulo Henrique Ferreira nasceu em dezembro de 1978. O que fez dele um jovem na década de 1990. Seu livro Álbum duplo – Um rock romance é uma confirmação dessa cronologia, que ganha tradução estética na forma da trilha sonora que embala a história. Somando referências da cultura pop dos anos 60 em diante, o autor parece ter escrito um livro porque não era capaz de fazer canções. Não se trata de um fracasso expressivo, mas de uma espécie de confissão: o melhor da vida, para o personagem central do romance, Marlo Riogrande, tem letra e música.
Escrito em primeira pessoa, em tom confessional, Álbum duplo é uma espécie de Apanhador no campo de centeio mais moderninho (inclusive porque não foge ao sexo, coisa que Salinger está sempre adiando em seus livros) ou um Encontro marcado com menos angústia. O estilo é influenciado por Nick Hornby – sem tanto humor, na verdade –, em sua obsessão com cultura pop e em encontrar lição de moral nos clássicos do rock. Paulo Henrique Ferreira cita ainda em seu romance outros exemplos literários além de Salinger e Fernando Sabino, como James Joyce e até mesmo Guimarães Rosa, e ainda cineastas como Stanley Kubrick, Paul Thomas Anderson e Quentin Tarantino. Mas seu negócio é mesmo rock.
Cada capítulo do romance vem antecedido de setlist, com temas que de certa forma fazem música de fundo para o que é narrado. E dá-lhe Beatles, Bob Dylan, Stones, Queen e, principalmente, Lou Reed, que foi em vida tudo que Marlo parece ter sonhado um dia. As músicas não estão lá apenas para ilustrar, muitas vezes a inspiração vem dos versos, que funcionam como iluminações profanas para as confusões afetivas do personagem. Marlo é um garoto que ama os Beatles e os Stones, mas que chegou ao mundo depois que o sonho acabou.
A história propriamente dita é singela: Marlo Riogrande é um rapaz de classe média, que ficou órfão de mãe muito cedo e foi para a cidade grande estudar e tentar a vida. Entra para a faculdade, que está longe de ser de primeira linha, dá aulas particulares e encontra um emprego como professor de história em um cursinho preparatório para concursos. Divide o apartamento com um amigo e encontra em Marcela o amor de sua vida. O senso destrutivo entra em ação na forma de uma amante casada. Marlo perde Marcela para um careta profissional e perde ao mesmo tempo o rumo da vida. O romance é sua estação no inferno.
Marlo tenta de tudo para superar o vacilo, do rock às drogas, com uma passagem pelo sexo radical. Chega a pensar em abrir uma produtora de pornografia (meio na atmosfera de Boogie nights) e se aproxima de garotas de programa. Junto com outros amigos derrotados cria uma saga ingênua, mas que ele compara com Cães de aluguel, de Tarantino. Na realidade, o personagem passa o livro costurando o lirismo das canções e mergulhando cada vez mais fundo na fossa. A derrocada tem certa ironia, não é complacente e o jogo com os elementos do pop é engenhoso. Mas não vai muito além disso. Tem até uma passagem pela religião, via Eclesiastes. Para completar, o final é feliz.
Álbum duplo é um romance de estreia que tem tudo para se aproximar do mais reticente dos leitores, o jovem. Para cumprir esse objetivo, investe bem o repertório de signos da cultura de massa, ainda que não se aprofunde no outro lado do disco da existência. É por aí que PH tem tudo para dar sequência ao seu universo literário, assim como tem feito Hornby com seus personagens mais velhos e tramas mais maduras.
Em tempo: no hotsite do livro (www.albumduplo.com), que pode ser acessado por QR Code impresso na contracapa, o leitor tem acesso a links para cada uma das 51 canções listadas nas playlists ao longo do livro. Um livro que toca.
Álbum duplo – Um rock romance
• De Paulo Henrique Ferreira
• Editora Record
• 176 páginas, R$ 28
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