A cabeça abaixo das nuvens
Paulo Bentancur
Estado de Minas: 07/12/2013
Com umas duas exceções, os poemas do paulista João Augusto são breves. E, no entanto, essa extrema síntese – que poderia levá-los à condição de leves comentários líricos – faz o contrário: adensa-os. E a poesia de João Augusto mostra-se surpreendente em mais de um aspecto. É o que constatamos nos cerca de 70 poemas que, reunidos, revela Poesia de telhado como um dos livros mais originais lançados no gênero recentemente.
Se virou até mesmo lugar-comum a imagem de o poeta ser alguém que vive com a “cabeça nas nuvens”, João Augusto situa seus versos a partir do telhado para dali, num ângulo mais elevado, poder flagrar as imagens que lá embaixo, dentro da casa, se confundem com os objetos e cenas cotidianas e, desta forma, perdem um tanto de expressão.
Tanto a ótica diferenciada que João Augusto escolheu quanto sua linguagem leve e ao mesmo tempo liberta de um rigor que mais endurece o resultado da versificação que o deixa solto, essa soma de procedimentos resulta numa poesia dotada de enorme carga lírica.
O amor, recorrente, não o perturba como tema. Antes, deixa-o livre exatamente para amar – pessoas, entidades, fatos, objetos, cenários. É, indubitavelmente, um amor de libertação. E só mesmo a partir dela e seu espaço mais amplo é que esse ser amoroso pode dizer-se, ou melhor, cantar-se.
Outro elemento recorrente é o imagético, fator que nos causa funda impressão. O poeta não abre mão da metáfora sem, nem por isso, forçá-la. Essa carga de imagens inusitadas e simultaneamente sugestivas, doces (trata-se de um poeta para quem o afeto é uma marca que nos toma), traz para dentro de seu livro o irrecusável convite para um convívio no qual o leitor se vê com o espírito enfim não mais refém de uma angústia que é muito comum nos poetas. Pelo menos na maioria deles.
Ocorre-nos a palavra “beleza”, que parece dizer o previsível, mas que na verdade não faz mais que justiça ao resultado final do conjunto de Poesia de telhado. Essa beleza brota diretamente desse imagético citado antes, no qual tanto elementos do mundo natural, retratados sob um ponto de vista novo, isto é, captados em sua face mais prometedora, quanto uma linguagem que busca desenhar com um certo traço de surrealismo pode desta forma ser alcançada.
Para se ter um exemplo bem concreto do prazer que emana do volume, cito um dos trechos mais contundentes: “Chegou a fraudar o amor/ A paternidade/ O local de nascimento// Mas nunca pôde se inocentar/ Da autoria dos próprios sonhos”.
Finalizando, Poesia de telhado é exatamente o que o título anuncia. Sobre o telhado se pode ver o sol, a lua, a cidade, o mar (se mar houver), e tudo aquilo que é mais íntimo – sempre destaque para o amor – pode dali voar longe.
Paulo Bentancur é escritor e crítico.
Poesia de telhado
. De João Augusto
. Editora Escrituras
. 80 páginas, R$ 22
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