Um coração desmedido
Arquivinho Vinicius de Moraes comemora o centenário de um dos maiores e mais queridos poetas brasileiros com direito a caderno com 13 poemas inéditos escritos na adolescência
André di Bernardi Batista Mendes
Estado de Minas: 07/12/2013
Vinicius de Moraes, óleo sobre tela de Candido Portinari, 1938 |
O dia 19 de outubro foi especial. Aconteceram fatos estranhos. Muitos
casais que pouco se amavam amaram-se, outros tantos namorados namoraram,
num conluio promissor. Tudo isso porque neste dia nascia, no Rio de
Janeiro, há 100 anos, Vinicius de Moraes, o Poetinha. E para bem
comemorar a data a Bem-Te-Vi Produções Literárias relança (a primeira
edição é de 2002) o Arquivinho Vinicius de Moraes, uma edição
comemorativa de encher e fazer brilhar os olhos. A pasta traz novos
itens, como um caderno manuscrito com 14 poemas, sendo 13 inéditos – uma
preciosidade guardada por mais de 80 anos –, e um CD, Miúcha canta
Vinicius & Vinicius, lançado em 2003 pela Biscoito Fino, além de um
álbum de fotografias com imagens do poeta cantando com Pixinguinha, numa
queda de braços com Tom Jobim, bebendo com Oscar Niemeyer, biografia,
cronologia e bibliografia atualizada, e curiosidades, como bilhetes em
fac-símile de Charles Chaplin, Orson Welles e Pablo Neruda. Trata-se de
um pequeno tesouro.
Bilhete do cinesta Orson Welles dirigido ao poeta |
Vinicius de Moraes foi, talvez, o único poeta
que viveu como um poeta, como disse certa vez outro poeta, outro amigo,
Carlos Drummond de Andrade. Vinicius provou que é possível conjugar,
plena e profundamente, os verbos, os vários sentidos que a paixão – esta
palavra feita de flor e fogo – sugere e cobra. Dono de uma diplomacia
peculiar, pouco recomendável para caretas, o poeta soube escrever como
poucos sobre os percalços de uma vida, esta palavra borrada de risos e
muitas lágrimas. Que arco-íris estendido, o que só viram as mulheres de
Vinicius de Moraes?
De Ouro Preto a Oxford, da Lapa à Lagoinha, do muito até a excelência do muito pouco. A vida de Vinicius não foi fácil. Mas suas palavras, os seus versos, carregados de tanta delicadeza, são feitos de asas, são como levezas. A luz dos olhos deste nosso poeta serviu para desconcertos, com um brilho único e intenso, sua poesia deixou impresso nos suas coisas uma espécie de digital estranha, indelével. Não sei se Vinicius tinha inimigos. É muito pouco provável. Como deveria ser interessante conversar com o poetinha. Devem saber os seus muitos parceiros de canto e bebedeira. Bastava alguns acordes, e a noite acordava. Vinicius era pop e era culto, era Leminski e Shakespeare. Vinicius era um incansável procurador de si mesmo. Vinicius nunca sai de cena.
Tudo era matéria para sua poesia, o bar, a praia, a ressaca, as idas e vindas, as circunstâncias, os amigos distantes. Vinicius soube, como um perito, como um romântico, dizer o que soube das mulheres. As mulheres eram o seu território, o seu país conquistado com maestria e canções, com a força de sua prosa, com a fragilidade absurda e comovente de seus versos. Sujeito de bons e muitos companheiros, Vinicius deleitava-se, contínuo de porres homéricos. Vinicius preferia um nada de castigos e castidades. Tanto fascínio deve sobrevir da alma feminina, sobre um turbilhão invejável, diante de um desejo de paz e liberdade. Vinicius plantou e colheu, para o bem de todos, uma rosa de Hiroshima. Vinicius, corajoso, colocou em prática sua utopia viva. Vinicius pagou todos os preços.
De Ouro Preto a Oxford, da Lapa à Lagoinha, do muito até a excelência do muito pouco. A vida de Vinicius não foi fácil. Mas suas palavras, os seus versos, carregados de tanta delicadeza, são feitos de asas, são como levezas. A luz dos olhos deste nosso poeta serviu para desconcertos, com um brilho único e intenso, sua poesia deixou impresso nos suas coisas uma espécie de digital estranha, indelével. Não sei se Vinicius tinha inimigos. É muito pouco provável. Como deveria ser interessante conversar com o poetinha. Devem saber os seus muitos parceiros de canto e bebedeira. Bastava alguns acordes, e a noite acordava. Vinicius era pop e era culto, era Leminski e Shakespeare. Vinicius era um incansável procurador de si mesmo. Vinicius nunca sai de cena.
Tudo era matéria para sua poesia, o bar, a praia, a ressaca, as idas e vindas, as circunstâncias, os amigos distantes. Vinicius soube, como um perito, como um romântico, dizer o que soube das mulheres. As mulheres eram o seu território, o seu país conquistado com maestria e canções, com a força de sua prosa, com a fragilidade absurda e comovente de seus versos. Sujeito de bons e muitos companheiros, Vinicius deleitava-se, contínuo de porres homéricos. Vinicius preferia um nada de castigos e castidades. Tanto fascínio deve sobrevir da alma feminina, sobre um turbilhão invejável, diante de um desejo de paz e liberdade. Vinicius plantou e colheu, para o bem de todos, uma rosa de Hiroshima. Vinicius, corajoso, colocou em prática sua utopia viva. Vinicius pagou todos os preços.
Primeiras páginas do caderno de poesias de Vinicius de Moraes, de 1931 |
Da macumba ao blues, passando como um rio, como um rio benfazejo pela MPB, Vinicius ensinou muito aos machos de sua espécie. A mulher, por tudo, merece mais, os homens merecem menos. Vinicius encontrou grandes mulheres pela vida afora. Vinicius, assim, foi e ainda será responsável por uma série de casos e paixões. Mas é preciso memória. Este belo lançamento fez sua parte.
A vida, para Vinicius, muitas vezes foi feita de espinhos, era uma vida sujeita a chuvas e trovoadas. Mas paixão é combustível, é o álcool mais puro, é o uísque mais caro. A poesia de Vinicius é sinônimo de catarse e requinte, com o mais alto apuro técnico. É uma poesia que muito serve para encantos, que serve também para reconciliar os gêneros. O masculino, e a alma feminina como foco de urgências e demandas que só captam as antenas e o coração do poeta mais levado. Vinícius decifrou posturas e poses femininas.
Partitura do foxtrote Loura ou morena, primeira composição de Vinicius de Moraes |
Nem o amor, nem as paixões. Só as nuvens são eternas, diria Mário Quintana. Imoral, dono de quase nada, farto de sonho e gandaia, Vinicius soube ser amigo e soube ser amante. Trata-se de um poeta que merece lembranças e tanto carinho. Trata-se de um grande poeta que merece loas e respeitos. O nome Vinicius de Moraes agrega uma soma de sustos. Sociável, inteligente, solto de amarras bestas, Vinícius era dono de uma personalidade única. Vinicius tinha suas nuvens, que o transformaram em algo parecido.
ARQUIVIHO VINICIUS DE MORAES
Bem-Te-Vi Produções Literárias, R$ 225
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