sábado, 7 de dezembro de 2013

De volta ao front - Ailton Magioli

De volta ao front 

Gravadora Kuarup investe em jovens talentos da MPB e acredita na força do mercado, apesar da crise da indústria fonográfica. O elenco reúne novatos dispostos a batalhar por seu espaço

Ailton Magioli

Estado de Minas: 07/12/2013 


Projeto Vinagrete estreia no mercado fonográfico misturando forró, MPB e baião com funk (Carlos Alkmin/divulgação)
Projeto Vinagrete estreia no mercado fonográfico misturando forró, MPB e baião com funk

Eles chegaram à cena no momento em que o mercado e a música passam por transformações. Responsáveis por dar continuidade à já nem mais lembrada linha evolutiva da MPB, jovens cantores e compositores, além de enfrentar a falta de fôlego de grandes gravadoras para investir, começam a experimentar novos formatos de seu produto, que passam obrigatoriamente pelo espaço virtual.

“Hoje em dia, só quem gosta de encarte procura disco”, constata a mineira Barbara Leite, que chega ao mercado com Quem, lançamento da Kuarup. Pela mesma gravadora, estreiam na carreira fonográfica Léo Versolato, de São Paulo (com Santo bom); Giovanna Farias, paraibana radicada no Rio de Janeiro (com Uyraplural); e o Projeto Vinagrete (Misturar é preciso), liderado pelo paulista Uribe Teófilo. Desde 2011, já chegaram às prateleiras, via Kuarup, 11 trabalhos de novos nomes.

“Ficamos com um pé atrás quando soubemos do interesse da gravadora por nosso trabalho”, confessa Uribe Teófilo, admitindo que a desconfiança só se desfez à medida que as conversas se aprofundaram. “O suporte que a Kuarup está nos dando faz com que alcancemos degraus a que jamais chegaríamos facilmente”, admite o cantor e compositor.

A influência familiar na escolha da profissão é assumida por Giovanna Farias, filha do genial paraibano Vital Farias, que mora em seu estado natal. “Ouço música desde a infância, não tinha como ser outra coisa na vida”, reconhece ela. A lista de filhos e netos de famosos que passaram pela gravadora – como Vital, um dos músicos de Cantorias, projeto de inegável sucesso – inclui os já lançados Alice Caymmi, filha de Danilo e neta de Dorival Caymmi; Lenine Guarani, filho de Taiguara; e o violonista Marcell Powell, filho de Baden Powell, que divide o CD Violão, voz e Zé Kéti com o cantor Augusto Martins. A paulistana Bruna Moraes, caçula da turma, de apenas 18 anos, desponta com personalidade no disco batizado com seu próprio nome.

Presente desde 1977 no combalido mercado fonográfico, a Kuarup vem fazendo história no segmento que se convencionou chamar de “música brasileira de qualidade” e se transformou em uma das principais gravadoras independentes do país. Com dois prêmos Grammy Awards e novos donos, a empresa mantém catálogo invejável: é dela o maior acervo de Heitor Villa-Lobos de que se tem notícia, além de trabalhos importantes relativos ao choro, às músicas nordestina, caipira e sertaneja, à MPB, ao samba e ao instrumental.

Em síntese, a Kuarup guarda uma bela amostra da diversidade brasileira, como propõe o disco de estreia do Projeto Vinagrete, Misturar é preciso. O cantor e compositor Uribe Teófilo diz que o trio (ou octeto, de acordo com oportunidades de trabalho) se propõe a mesclar sons. “É pura pesquisa sobre forró, funk, baião, MPB e outros ritmos e gêneros que a gente tenta atualizar e transformar em música dançante, mas sem perder a brasilidade”, explica. As baladas são o alvo do coletivo. Entre as releituras está a oportuna Aqui é o país do futebol, de Fernando Brant e Milton Nascimento.

Teófilo lembra que a relação artista-gravadora mudou: “Hoje é tudo mais independente”. Aos que imaginam ser difícil o acesso à gravadora, Barbara Leite, nascida em Ouro Branco, no interior de Minas, esclarece: “Fiquei sabendo da Kuarup, entrei no site e enviei um link de vídeo com as músicas Voar e Correnteza, que agora estão no disco Quem”.

DEVAGAR Com licenciatura em música pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a cantora, habilitada em violão, credita o diferencial de sua música a esse instrumento, que conduz a harmonia enquanto as letras tratam de questões cotidianas. “Vou com o pé no chão. Claro que quero uma carreira sólida, mas sigo devagar”, anuncia a moça, apaixonada por Caetano Veloso, Chico Buarque e Djavan desde a infância. Para reafirmar a mineiridade, a jovem gravou uma releitura de Um girassol da cor de seu cabelo, de Lô e Márcio Borges. O timbre firme e forte lhe garante um bom passaporte.

A paraibana Giovanna Farias privilegia clássicos do pai, Vital Farias, como Veja (Margarida), sucesso de Elba Ramalho. Cantora de timbre empostado, ela nem sempre se sai bem na tarefa de dar voz à consagrada, porém ignorada, obra do pai. Giovanna conta com Ciranda de terreiro, do piauiense Gilvan Santos, para puxar o CD de estreia. “É um momento legal para colher a maturidade. Tenho segurança do que quero. Estou muito feliz”, conclui.


 (Carlos Alkmin/divulgação)
Vou com o pé no chão. Claro que quero uma carreira sólida,mas sigo devagar” - Barbara Leite, compositora



De olho no freguês


Adquirida em 2011 por um pool de investidores, a gravadora Kuarup tem seu principal foco na produção e nos shows de seus músicos. A aposta é na promoção do elenco, informa o diretor artístico, Rodolfo Zanke. Para ele, esse é o caminho natural no mercado em crise.

De olho no acervo de empresas como a Revivendo e a Eldorado, que encerraram as atividades, Zanke comenta que a venda de discos físicos diminuiu bastante, mas a disposição da Kuarup é trabalhar todas as vertentes musicais nos formatos que o consumidor demandar. Inclusive o streaming, em que o usuário paga para ouvir um acervo gigantesco.

Com catálogo de cerca de 200 títulos (20 trazem a obra de Villa-Lobos), a Kuarup guarda verdadeiros clássicos populares, como Renato Teixeira & Pena Branca e Xavantinho – Ao vivo em Tatuí (1992), além de Cantoria 1 (1984) e Cantoria 2 (1988), que reuniram Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai. Os novos donos da gravadora prometem lançar outras pérolas. Vale lembrar: foram vendidas 1 milhão de cópias de Ao vivo em Tatuí..., um dos recordes da casa.

Os novos donos da Kuarup, que chegou a encerrar suas atividades, criaram também a editora musical homônima. No ano que vem, está prevista a edição de documentários em DVD, além de livros e biografias – tão polêmicas atualmente.

O plano estratégico, informa Rodolfo Zanke, é atualizar o acervo vendido digitalmente, com maior foco na publicidade do produto. De acordo com ele, há grande procura por parte da indústria cinematográfica, interessada em música regional, instrumental, erudita e popular.

Personagem da notícia

Léo Versolato - cantor e compositor

 (Jonas Tucci/divulgação)

O cantor e compositor Léo Versolato (foto) encara a iniciativa da Kuarup de lançar jovens talentos como algo corajoso e generoso. “Justamente neste momento crucial para a música há pessoas com vontade de trazer gente nova, dando oportunidade a elas”, comemora. Graduado na Universidade Livre de Música (ULM) de São Paulo, ele recebeu dessa instituição subsídios imprescindíveis para sua formação profissional. Autor de um trabalho que classifica como “brasileiro, com muita influência do jazz, rock e world music”, o paulista define a música como fardo e bênção: “Ela me escolheu, não tenho escapatória”. Com canções gravadas pelas jovens cantoras Keila Abeide, Ana Gilli e a parceira Dani Gurgel, Leo teve De casa arranjada para coro no Conservatório de Música de Miami, nos Estados Unidos, com direito a versão em inglês. “Estou vislumbrando viver confortavelmente da minha música. Gostaria que ela fosse ouvida para a gente continuar gravando discos”, conclui.

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