sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Baixo nível de vitamina D não tem ligação com doenças como câncer


Vitamina D com moderação 
 
Reanálise de artigos indica que não há ligação entre o baixo nível da substância e o desenvolvimento de doenças como câncer e diabetes

Bruna Sensêve


Estado de Minas: 27/12/2013

Brasília – As vantagens da vitamina D para os ossos são inquestionáveis. No entanto, sua ação contra algumas disfunções divide a comunidade médica. Uma ampla revisão de evidências científicas feita pelo Instituto Internacional de Pesquisa em Prevenção em Lyon, na França, sugere que os níveis baixos da vitamina D não são uma causa, mas uma consequência de problemas de saúde. A conclusão da meta-análise liderada por Philippe Autier põe em xeque o valor de suplementos na proteção a doenças agudas e crônicas não esqueléticas, como câncer, eventos cardiovasculares, diabetes e mal de Parkinson.

Os resultados foram publicados na revista científica The Lancet Diabetes & Endocrinology, desafiando o conhecimento atual sobre o papel da vitamina D na prevenção de doenças não esqueléticas. A vitamina ficou famosa no meio científico e entre pacientes quando houve a comprovação, há algumas décadas, da influência que ela exerce sobre a saúde óssea e a absorção de cálcio. O achado abriu as portas para uma observação constante da ação da vitamina D no organismo, possibilitando associações livres entre o alto nível dela e a reduzida incidência de uma gama de doenças não necessariamente ligadas ao tecido ósseo.

Entre as centenas de trabalhos analisados pelo time de cientistas, 290 são do tipo observacional. Nesses, os benefícios da alta concentração de vitamina D apontados incluem redução do risco de eventos cardiovasculares (até 58%), de diabetes (até 38%) e de câncer colorretal (até 34%). Conclusões que não puderam ser confirmados nos ensaios clínicos com a suplementação. Ao reunir estudos que testam o efeito de prevenção em população com deficiência da vitamina, os pesquisadores se surpreenderam. A grande maioria dos 172 ensaios clínicos que examinaram os efeitos da suplementação de vitamina D não confirmou o resultado dos primeiros trabalhos avaliados.

Na verdade, a meta-análise não conseguiu identificar qualquer efeito ao elevar as concentrações da vitamina D com a suplementação para a incidência, a gravidade ou a evolução clínica dessas doenças. “Se os benefícios mostrados por dados de estudos observacionais não são reproduzíveis em estudos randomizados — o método padrão ouro para a avaliação de uma relação causal entre a exposição e um resultado —então a relação entre o nível de vitamina D e os distúrbios são provavelmente resultado de confusão fisiológica”, pressupõe Philippe Autier, principal autor do artigo.

Fruto de inflamações Autier levanta a hipótese de que os baixos índices de vitamina D podem ser resultado de processos inflamatórios envolvidos na ocorrência e na progressão da doença. “Uma exceção seria leves ganhos na sobrevivência após a restauração dos deficits de vitamina D devido a mudanças de estilo de vida induzidas pelo envelhecimento e por problemas de saúde.” Segundo Autier, cinco ensaios em andamento que envolvem milhares de pacientes com pelo menos 50 anos testam se a suplementação (de 40mg a 80 mg por dia) pode reduzir o risco de câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, infecções, fraturas e o declínio das funções cognitivas. “Os primeiros resultados não são esperados antes de 2017, mas esses estudos têm o potencial para testar as nossas hipóteses”, considera.

Para o médico nutrólogo da Associação Brasileira de Nutrologia Guilherme Giorelli, as pesquisas observacionais trouxeram duas questões: “Por ter vitamina D alta, essas pessoas teriam menos doenças? E, se a taxa de vitamina D for reposta nessas pessoas, as doenças seriam evitadas?”. “As dúvidas ainda não existem, mas o mercado não aguardou (a solução delas). Se pesquisarmos o mercado de vitamina D, somente nos Estados Unidos, ele saiu de      US$ 50 milhões há 10 anos para    US$ 800 milhões”, observa. Giorelli acredita que esse aumento indica que muita pessoas estão utilizando a suplementação possivelmente sem controle e acompanhamento médico. “Ter um nível muito acentuado da vitamina pode levar a problemas renais e no fígado”, alerta.

Vá pelo sol Os pesquisadores, porém, chamam a atenção para o fato de que é preciso ficar bem claro que os benefícios da vitamina D no sistema musculoesquelético são comprovados. A substância tem uma ação direta no tecido ósseo, produzindo e estimulando uma série de sínteses protéicas e de transformações nos ossos. Ela também aumenta a absorção intestinal do cálcio, levando a um maior aproveitamento do cálcio alimentar. Isso quer dizer que os ossos ficam mais fortes em indivíduos com níveis normais. Já quem tem deficiência do composto pode ser acometido por doenças graves na infância, como o raquitismo, e na fase adulta a exemplo, a osteomalácia.

Para a endocrinologista Marise Lazaretti, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), o trabalho de Autier questiona vários estudos que foram feitos por associação. Ela argumenta que esses resultados revistos não necessariamente significam casualidade. “O indivíduo doente provavelmente se expõe menos ao sol e, portanto, vai ter menos vitamina D. Além disso, como se trata de uma vitamina solúvel em gordura, indivíduos obesos apresentam níveis sanguíneos mais baixos”, avalia.

Lazaretti observa que ao analisar estudos que fizeram o processo inverso — dar a suplementação para diminuir a incidência de doenças —, a grande maioria não conseguiu comprovar o resultado esperado. “No Brasil, estamos vivendo uma grande deficiência na população justamente porque a ideia de que o sol faz mal foi incorporada a nossa cultura sem que o risco da deficiência de vitamina D fosse alertado. Tudo bem se a pessoa não quer tomar sol por medo do envelhecimento cutâneo ou do risco de câncer de pele, mas ela tem que saber que vai ser deficiente e que precisará de suplementação.”

Para a endocrinologista, o composto pode ser visto como um indicador de boa saúde, já que a mortalidade em pessoas com níveis normais de vitamina D é menor, assim como a associação com diversas enfermidades. “Não que ela seja necessariamente a causa dessas doenças, mas é um marcador por significar sol, vida ao ar livre, talvez, atividade física e hábitos mais saudáveis.”

Ossos amolecidos
A doença é caracterizada pelo enfraquecimento e desmineralização óssea devido a uma deficiência de vitamina D. Causa dores nos ossos, fraqueza muscular e, se o teor de cálcio no sangue for muito baixo, tetania (espasmos musculares) nas mãos, nos pés e na garganta. A osteomalácia é diagnosticada por análises de sangue e de urina e radiografia. O tratamento consiste na administração de uma dieta rica em vitamina D e na administração regular de um suplemento.

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