RETROSPECTIVA 2013 - CINEMA »
Reflexão na tela
Em período marcado pelo sucesso comercial
das comédias, cinema brasileiro mostra força em produções realizadas
fora do eixo Rio-São Paulo. Amor foi o filme do ano
Gracie Santos
Estado de Minas: 27/12/2013
Som ao redor, de Kléber Mendonça, navegou na
contracorrente dos filmes descartáveis, propondo reflexão madura sobre a
violência brasileira
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A câmera passeia por uma rua de bairro de classe média, na Zona Sul do Recife, que acaba de ganhar seguranças particulares. Curiosamente, é a partir da promessa de proteção que a tensão se instala (ou cresce). Ainda que a vida de vários personagens comece a se desenhar, o foco é mais amplo: o contexto urbano. Aquela rua são várias, aquelas pessoas poderiam ser seus vizinhos e um deles poderia ser você, ator da sociedade contemporânea, prisioneiro do medo construído pelo fracasso econômico, político e social. A violência é implícita. Não há armas nem sangue, mas algo de muito ruim pode (ou está para) ocorrer. O Recife pode ser qualquer lugar e o diálogo é universal.
O segundo filme também se apoia em questão urbana (atual e milenar): a solidão. O homem das multidões, parceria do mineiro Cao Guimarães com o também pernambucano Marcelo Gomes, ainda não estreou nas salas do país (a previsão é para maio) mas faturou o Redentor de Direção no Festival do Rio e acaba de ser anunciado para a mostra paralela do 64º Festival de Berlim (6 e 16 fevereiro), a Panorama, dedicada ao cinema autoral/experimental.
A obra se encaixa perfeitamente, pela abordagem do tema e pela estética, o aspect ratio ( 3x3 ou proporção quadrada). Nada de historinha com princípio, meio e fim. A trama transcorre como se Cao e Marcelo passassem pelas vidas de Juvenal (Paulo André) e Margô (Sílvia Lourenço), metroviários que sofrem do mal de bilhões: extrema solidão. A câmera bisbilhota, espremida pelo quadrado claustrofóbico e deixa os dois quase como os encontrou.
São dois filmes instigantes, incômodos e inteligentes. Ambos se apoiam na sutileza elegante de quem “denuncia” sem julgar o que vê. Bom para variar e refletir, em meio ao vazio do riso fácil.
BH bombou
Duas entre várias mostras promovidas este ano pelo Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes sacudiram a cidade, e levaram público recorde ao espaço de exibição que passou por reforma estrutural. De abril a maio, a Mostra Howard Hawks, inédita no Brasil, revisitou a obra de um dos cineastas americanos mais aclamados nos últimos 60 anos. Exibiu 44 longas (de 1926 a 1970). Destaque também para a Mostra Hitchcock é o cinema (de julho a setembro), que apresentou filmografia completa do cineasta inglês (54 filmes) e exibiu parte das produções televisivas dos anos 1950 e 60. Cinema de qualidade com entrada franca. Que a iniciativa de Rafael Ciccarini, gerente de Cinema da Fundação Clóvis Salgado, não morra.
Riso rende
Paulo Gustavo na comédia Minha mãe é uma peça |
Merece registro o burburinho e a dança dos números gerada por comédias escrachadas, filão que não só o brasileiro como plateias do mundo inteiro teimam em valorizar, muito provavelmente no afã de desopilar o fígado. Por aqui, o resultado deste ano deixou o mercado em polvorosa. O Brasil comemorou recordes de público (27 milhões), renda (R$ 260 milhões) e lançamentos (126 longas). Destaque para Minha mãe é uma peça, de André Pellenz, com o ator Paulo Gustavo travestido de dona Hermínia, esposa abandonada pelo marido; e de Pernas pro ar 2, de Roberto Santucci, com Ingrid Guimarães. A promessa é de mais do mesmo em 2014.
Região criativa
Tatuagem, de Hilton Lacerda: nova safra pernambucana
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Pacto de amor
Vencedor do Oscar de Filme em Língua Estrangeira e da Palma de Ouro em Cannes, Amor, do cineasta austríaco Michael Haneke, pode ser considerado um dos melhores, se não o melhor filme do ano. Com trama contundente e abordagem mais que realista, conta a história de um casal de idosos (interpretações impecáveis de Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva) que mantém, até o fim, seu pacto de amor, companheirismo e solidariedade. Dura, a trama do filme teve companhias temáticas bem mais amenas, num ano em que a terceira idade compareceu às telas variadas vezes. É o caso de E se vivêssemos todos juntos?, de Stéphane Robelin, com Jane Fonda e Geraldine Chaplin, que em BH manteve longa temporada.
Oscar dividido
Não há como recordar o ano sem falar em Oscar. A 85ª edição da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA deu o prêmio de Filme, Roteiro Adaptado e Edição a Argo, dirigido por Ben Affleck (também em cena na trama). Mesmo tendo vencido o Globo de Ouro de Direção, ele nem sequer foi indicado ao prêmio em Hollywood, o que causou certo frisson. Venceu Ang Lee, por As aventuras de Pi. Candidato mais incensado (que teve 12 indicações), Lincoln venceu apenas o Oscar técnico de Design de Produção e o de Ator, para um impecável Daniel Day-Lewis, inglês que, com o feito, tornou-se único a receber três Oscars. O disputado prêmio de atriz ficou com Jennifer Lawrence (O lado bom da vida). Bola dividida, este ano não houve um grande vencedor.
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