A Tarde/BA 14/12/2013
JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da Academia de Letras da
Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com
Nelson Mandela
se destacou na luta
pacífica contra esse
legado de horrores
[deixado pelo
colonialismo],
com destaque,
naturalmente,
para o apartheid
Entre todas as qualidades reconhecidas em Nelson Mandela, quero destacar a denúncia intrínseca contra o colonialismo inserida em sua trajetória política. Usei a palavra “intrínseca” porque Mandela jamais se revelou um adversário ostensivo da presença europeia na África. E o mundo sabe o que a sua África do Sul sofreu com a dominação dos ingleses e dos holandeses.
O colonialismo, cujo apogeu se verificou no século XIX, tendo obtido impulso original com as navegações lusas, foi uma fonte permanente de rapinagem econômica, discriminação cultural e religiosa, e sobretudo racismo. Historiadores europeus gostam de classificá-lo como instrumento de civilização. A ideia central é a de que as populações submetidas à dominação europeia eram atrasadas ou inferiores, tese fundamental da antropologia racista que amparou as teorias discriminatórias nazistas.
Além da falsa ideia de progresso, pois o colonialismo sempre foi predador (Portugal roubou no século XVI nosso pau-brasil e depois todo o ouro de Goiás e Minas Gerais), seus ideólogos, cinicamente, classificavam a ação europeia como “o fardo do homem branco”, ou seja, para eles dominar o mundo era apenas uma saga de privações e sacrifícios, longe de casa.
Se olharmos o passado histórico do colonialismo, veremos que ele somente gerou as sementes dos problemas que originaram duas guerras mundiais. Curiosamente, foi uma delas e a pior de todas, a segunda, que acelerou o processo de descolonização da África e da Ásia, pois, exauridos pela luta, países como a Inglaterra e a França já não podiam sustentar, inclusive moralmente, a posição de dominação que estavam combatendo na própria agressão de Hitler. O chefe nazista queria fazer com as nações da Europa exatamente o que secularmente elas faziam com o resto do mundo: subjugar, espoliar, discriminar.
Como todas as ações humanas têm dois lados, o colonialismo, a exemplo do comércio, foi também fator de intensificação de relações entre povos culturalmente diversos. Esse fenômeno no mundo ocidental começa com a expansão do Império Romano, mormente quando assimila a cultura grega, no mais fecundo processo de simbiose cultural que, vindo da Antiguidade Clássica, deságua no inigualável esplendor artístico do Renascimento.
As conquistas obtidas no campo das interações culturais, porém, foram diminuídas pelas práticas do racismo, sem dúvida o pior subproduto do colonialismo. O racismo estimulou em alto grau a discriminação religiosa, patente na destruição de templos budistas pelos portugueses na Ásia e pela superposição de igrejas sobre templos incas pelos espanhóis na América do Sul. Ao lado disso, a violência inexcedível dos conquistadores: o navegador luso Afonso de Albuquerque, apelidado de “o Terrível”, afundava navios muçulmanos repletos de crianças e mulheres e seus marinheiros saqueavam os cadáveres no mar, arrancando dos corpos anéis, correntes e dentes de ouro.
Os espanhóis Cortez e Pizarro ordenavam a seus soldados que lançassem mastins para estraçalhar incas, maias e astecas. Nas guerras em Angola, Moçambique e Guiné da década de 60, o governo de Salazar permitiu o uso de napalm contra os africanos, antecipando-se aos EUA no Vietnã, e soldados lusos enterraram combatentes africanos vivos como punição. Estive em Angola e Moçambique em 1966 e escrevi a grande reportagem no Jornal da Bahia "Uma guerra espanta as feras”, com relatos do que vi na África portuguesa.
Lembremos também que os ingleses fuzilaram populações civis indianas, os franceses torturaram os argelinos em luta pela sua independência, a Bélgica escravizava o Congo e fez do país uma “pavorosa colônia”, como relata a escritora inglesa Miranda Carter no notável livro Os três imperadores (Rio, Objetiva, 2013). Miranda assinala que a Europa sempre foi o mais violento continente da história e que reis e imperadores europeus, separados por intrigas e rivalidades, invariavelmente amavam a guerra, apoiados por uma aristocracia interesseira, ociosa e beligerante. Mandela se destacou na luta pacífica contra esse legado de horrores, com destaque, naturalmente, para o apartheid.
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