Paloma Oliveto
Estado de Minas: 14/12/2013
"Temos de entender o que faz, do ponto de vista molecular, uma fragrância ser percebida como boa. Ao compreender como essas moléculas se combinam e a forma que os receptores as interpretam, seremos capazes, por exemplo, de criar qualquer odor que quisermos%u201D Joel Mainlaind, pesquisador do Centro Monell de Sensações Químicas |
Brasília – Alguns perfumes são adorados por certas pessoas, enquanto outras literalmente torcem o nariz para a fragrância. Dependendo de cada um, o mesmo aroma pode ser indiferente, agradável ou nauseante. Essa diversidade na sensibilidade olfativa se deve ao fato de que seres humanos têm cerca de 400 tipos de sensores especializados na detecção de cheiros, que se combinam de formas diversas para captá-los e, depois, traduzi-los. De acordo com uma pesquisa publicada na revista Nature Communications, a identificação com um aroma é mais pessoal do que se imaginava. Cientistas do Centro Monell de Sensações Químicas, um instituto americano que investiga a biologia dos sentidos humanos, descobriram que, entre duas pessoas, a diferença na configuração dos receptores olfativos chega a ser de 30%.
“Constatamos que cada indivíduo tem um conjunto extremamente personalizado de receptores olfativos que afetam sua percepção do odor”, conta o biólogo molecular Joel Mainlaind, principal autor do estudo. O mercado de perfumes e fragrâncias – importantes não só para a cosmética, mas também na confecção de produtos de limpeza, gastronômicos e até farmacêuticos – está em expansão, com previsão de movimentar US$ 45,6 bilhões em todo o mundo em 2018.
De acordo com Mainlaind, para se sobressair nesse setor é preciso inovar. “Cada vez mais, temos de entender o que faz, do ponto de vista molecular, uma fragrância ser percebida como boa. Ao compreender como essas moléculas se combinam e a forma que os receptores as interpretam, seremos capazes, por exemplo, de criar qualquer odor que quisermos”, acredita.
A tarefa, contudo, é árdua. Segundo o biólogo, ao se combinar, os 400 receptores individuais dos estímulos olfativos definem não só a qualidade, mas a intensidade de um aroma. “Considerando que o ser humano é capaz de identificar cerca de 10 mil diferentes cheiros, entre bons e ruins, decifrar a maneira como os receptores codificam os odores é um desafio muito grande. Temos de descobrir ainda como, no cérebro, os sinais elétricos enviados pelas células receptoras se transformam em odor”, reconhece. “Mas acredito que estamos no caminho certo”, diz.
Na pesquisa, os cientistas clonaram 511 variantes de receptores olfativos e as inseriram em células hospedeiras, fáceis de crescer em laboratório. Em seguida, eles investigaram a forma como cada variante respondeu a um painel formado por 73 moléculas odorantes diferentes. Esse processo identificou 28 receptores que responderam a pelo menos uma das moléculas. O outro passo foi examinar o DNA dos genes receptores olfativos. Por meio de um modelo matemático, a equipe de Mainland chegou à conclusão de que essas estruturas diferem em 30% de uma pessoa para outra.
“Isso significa que, se pegarmos dois indivíduos escolhidos aleatoriamente, aproximadamente 140 de seus receptores olfativos vão responder de forma diferente aos estímulos, ou seja, cada um vai perceber aquele cheiro de forma diferente”, exemplifica. De acordo com ele, a equipe pretende, agora, ampliar a pesquisa, fazendo uma espécie de catálogo de receptores olfativos de centenas de pessoas.
Memória Outra descoberta importante envolvendo o sistema olfativo e também publicada pelo grupo na revista Nature foi que sensações associadas a odores são passadas à descendência pelo óvulo e pelo espermatozoide. De acordo com pesquisadores do Centro de Estudo de Primatas Yerkes, da Universidade de Emory, nos Estados Unidos, isso mostra que, além da comunicação, a genética é uma fonte de transmissão de experiências traumáticas. O estudo foi divulgado na edição on-line da Nature Neuroscience.
Os cientistas descobriram que quando um rato aprende a ter medo de determinado odor, os filhotes dele se tornarão mais sensíveis àquele cheiro, mesmo nunca o tendo sentido. “Saber que as experiências dos pais influenciam seus descendentes nos ajuda a entender distúrbios psiquiátricos que podem ter uma base transgeracional e, possivelmente, construir estratégias terapêuticas”, defende Kerry Ressler, professor de ciências psiquiátricas e comportamentais da Faculdade de Medicina de Emory.
No estudo, ratos foram treinados para ter medo de um cheiro por meio de associação: quando determinado odor era exalado, eles recebiam um choque elétrico. Naturalmente, os animais aprenderam a temer determinados cheiros mesmo quando não havia estímulo doloroso, e quando os sentiam, davam demonstração de ansiedade.
Para a surpresa dos pesquisadores, os descendentes desses roedores também começaram a responder ao estímulo olfativo, ainda que jamais tenham levado choques. No geral, os ratinhos se comportavam como qualquer outro, não demonstrando sinais de medo exagerado em tarefas como explorar andares altos da gaiola. Contudo, bastava que o odor temido por seus pais pairasse no ar para que eles também começassem a se estressar.
Ressler explicou que, além da reação comportamental, o medo associado ao cheiro foi constatado por exame de imagem. Na presença de determinados odores, os cérebros tanto dos pais quanto dos filhotes apresentavam maior sensibilidade no bulbo olfativo, a parte do órgão responsável pelo processamento de cheiros.
Tanto as mães quanto os pais transmitem aos filhos a sensibilidade aprendida, mas apenas antes da concepção. Isso mostra que, de fato, esse tipo de medo é hereditário e não passado por interação social e que a memória do medo fica gravada nas células reprodutivas. A herança é tão forte que, mesmo na segunda geração ou em caso de fertilização in vitro, os descendentes de animais que tomaram choque antes de conceberem as crias exibiam ansiedade na presença dos odores.
Epigenética A análise genética mostrou que o DNA do esperma paterno é alterado pela experiência traumática. Esse é um exemplo de uma mudança epigenética, ou seja, que não ocorreu na sequência de letras do genoma, mas na forma em que os genes se expressam. No caso específico do estudo, foram encontradas alterações químicas na metilação, processo pelo qual mudanças moleculares resultam no desligamento de determinados genes. “Enquanto a sequência dos genes permanece inalterada, a forma como eles são regulados pode ser afetada por uma experiência”, explicou Ressler. “Existem evidências de que alimentação, mudanças hormonais e traumas sejam transmitidos epigeneticamnte. A diferença, aqui, é que a sensibilidade olfativa aprendida afetou o sistema nervoso e as células reprodutivas.”
“Pavlov fez algo similar, condicionando ratos em um experimento há 90 anos, baseado em comida e não em medo, e reportou que sucessivas gerações precisavam de cada vez menos treinamento antes de começar a procurar por comida ao ouvir uma campainha, mesmo quando não havia alimento algum”, compara Marcus Pembrey, professor de genética pediátrica da University College London. Ele se refere à clássica experiência do russo Ivan Pavlov, que mostrou como reflexos podiam ser adquiridos. “Contudo, ideias sobre herança biológica de experiências caíram em desuso ao longo do século 20. Se estivesse vivo, Pavlov ficaria encantado com esse artigo, primeiro porque reforçam o próprio experimento e os resultados”, opina Pembrey. “Acredito que sem uma abordagem multigeracional não conseguiremos entender completamente o crescimento de distúrbios neuropsiquiátricos e metabólicos que temos visto na população.”
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