Paloma Oliveto
Estado de Minas: 06/12/2013
Representação de como seriam os hominídeos que viveram na Sima de los Huesos, há 400 mil anos: grupo tinha linhagens diversas de DNA |
A análise do DNA de fêmur encontrado em caverna da Espanha aumentou os mistérios sobre a evolução humana |
Esqueleto achado no abismo dos ossos: restos mortais a 30m do solo |
Brasília – Escondido ao pé da Serra Atapuerca, na Espanha, existe um verdadeiro celeiro de ossos. Durante 400 mil anos, mais de 2 mil fragmentos de esqueletos animais e humanos amontoaram-se em uma caverna, sem serem perturbados. Até que, em 1976, paleontólogos descobriram o tesouro a 30m de profundidade, no que ficou conhecido como Sima de los Huesos, o fosso ou abismo dos ossos. Os mistérios que cercam esse lugar tão singular não dizem respeito apenas à circunstância da morte das cerca de 28 pessoas que jaziam ali, ao lado de feras como ursos – ninguém sabe se elas caíram acidentalmente ou se a cavidade era uma espécie de cemitério. Acima de tudo, o maior depósito de hominídeos já encontrado desafia cientistas porque eles não sabem exatamente que tipo de gente era aquela.
Agora, o enigma fica ainda mais complexo. Pesquisadores do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, na Alemanha, conseguiram sequenciar quase todo o genoma mitocondrial – DNA da estrutura produtora de energia das células e passada pela linhagem materna – de um indivíduo pertencente ao gênero Homo encontrado no local. O material foi extraído de um fêmur. Além de o estudo apresentar a análise do genoma humano mais antigo até hoje, abrindo caminho para a pesquisa genética de ancestrais milenares, ele revelou algo inesperado: as pessoas que habitavam aquela região da Europa há 400 séculos eram mais próximas dos denisovanos, extintos hominídeos asiáticos, que dos neandertais, os homens das cavernas que viveram no continente europeu até serem extintos, há 50 mil anos.
Três anos atrás, a já intrincada e confusa história da evolução humana ganhou mais um elemento. A mesma equipe de pesquisadores que decifrou o DNA do indivíduo da Sima de los Huesos publicou, na revista Nature, um estudo no qual descrevia uma nova população de hominídeos, que não era nem neandertal nem humana moderna. Eles sequenciaram o material genético extraído do osso de um dedo de uma menina que viveu há 30 mil anos na Caverna de Denisova, na Sibéria, e descobriram que o DNA da garotinha, de 5 a 10 anos, não se encaixava em nada conhecido até então.
Depois disso, outros ossos da espécie foram encontrados e analisados, evidenciando que os denisovanos eram um grupo evolutivo distinto. Quase nada se sabe sobre esses humanos, contudo. A equipe de pesquisadores, liderada por Svant Pääbo, do Instituto Max Planck, acredita que os denisovanos não viviam apenas na Sibéria, mas teriam habitado também o Sudeste asiático.
Resultado inesperado De volta ao abismo de ossos espanhol, a análise do DNA de um dos indivíduos encontrados na Serra Atapuerca indica que a misteriosa população local tinha mais parentesco com a não menos enigmática linhagem humana de Denisova do que com a dos neandertais. Ainda assim, o material genético indicou traços semelhantes aos dos segundos. “De fato, essas descobertas trazem muito mais dúvidas do que respostas”, admite Pääbo, que integra também a equipe que decifrou o genoma do indivíduo da Sima de los Huesos. “Eu não esperava por isso. Aliás, esse é um resultado que ninguém poderia esperar”, concorda Chris Stringer, paleoantropólogo do Museu de História Natural de Londres.
O espanto dos especialistas se justifica porque estudos anatômicos prévios indicavam que os habitantes da caverna europeia deveriam pertencer a uma espécie sobre a qual há muita controvérsia, chamada Homo heidelbergensis. Essas pessoas, que também teriam vivido há 400 mil anos, mesma idade dos moradores da Serra de Atapuerca, são apontadas como os ancestrais diretos dos neandertais. “Então, era de se esperar que o DNA dos indivíduos da Sima de los Huesos tivesse relação com os neandertais, e não com os denisovanos”, diz Stringer, que não participou do estudo.
De acordo com Pääbo, trabalhos anteriores haviam demonstrado que neandertais e denisovanos compartilhavam um ancestral que viveu há cerca de 700 mil anos. “Considerando a idade dos restos encontrados em Sima de los Huesos e as características neandertais no DNA retirado do fêmur, essa é uma ideia plausível para nós. Mas, aí, teremos de encontrar uma explicação para a presença de duas linhagens muito diversas de DNA mitocondrial no mesmo grupo, uma que depois foi passada para os denisovanos e outra que se fixou nos neandertais”, diz.
Ele esclarece que há outros cenários possíveis, como a população do abismo de ossos não ser diretamente ligada nem aos denisovanos nem aos neandertais, mas a um outro grupo ainda desconhecido do gênero Homo que poderia ter existido na Europa durante o Pleistoceno Médio. “Muitos fósseis já foram encontrados na Europa, na África e na Ásia com idade semelhante à dos indivíduos de Sima de los Huesos, mas sem nenhum traço neandertal. É possível que muitas outras populações humanas arcaicas tenham habitado o continente europeu naquela época”, palpita Svant Pääbo.
Para Chris Stringer, a descoberta também poderá reforçar uma ideia que ele defende: a de que neandertais, denisovanos e homens modernos são, todos eles, descendentes do Homo heidelbergensis. Stringer acredita que, há 400 mil anos, um grupo ancestral dessa espécie deixou a África e, pouco depois disso, se diversificou. Um ramo atingiu o Oeste asiático e a Europa, tornando-se neandertais. O outro galho alcançou o Leste da Ásia, resultando nos denisovanos. Os que ficaram na África acabaram dando origem ao Homo sapiens, por volta de 150 mil anos atrás. Isso explicaria porque a população de Sima de los Huesos tem traços denisovanos e neandertais, mas não do humano moderno.
Única espécie Recentemente, o confuso quebra-cabeça da evolução foi alvo de uma teoria que, se confirmada, poderá revolucionar o estudo das diferentes espécies que deram origem ao homem. Baseados na descoberta de um crânio na cidade caucasiana de Dmanisi, na Geórgia, um grupo internacional de cientistas afirmou, em artigo que mereceu a capa da revista Science, que diversos hominídeos considerados espécies distintas até agora pertencem, na verdade, a uma única, a do Homo erectus. Eles argumentaram que diferenças anatômicas que justificariam a distinção entre os fósseis poderiam ser atribuídas a alterações físicas que naturalmente ocorrem entre indivíduos da mesma espécie.
Pääbo não concorda com essa teoria e diz que espera que a genética possa resolver os enigmas da evolução. “Esse é um grande diferencial de nosso estudo. Conseguimos sequenciar o DNA mitocondrial de um fóssil do gênero Homo de 400 mil anos. Isso nos dá a esperança de que, com o refinamento cada vez maior das técnicas, possamos voltar mais no tempo. Acredito que a genética será responsável por responder muitas de nossas dúvidas. Mas sei que, por enquanto, elas ainda são enormes.”
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