quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

MARTHA MEDEIROS - Para iniciar bem o ano

Zero Hora - 31/12/2014

Selecionei algumas frases de pessoas célebres e outras nem tanto, a fim de montar um mosaico que nos faça relaxar e refletir sobre essa aventura insana que é viver. Levantar de manhã já pode ser considerado um esporte radical, então está aí um kit de sobrevivência para nos socorrer quando estivermos ligeiramente em pânico e levando tudo a sério demais.
– Se quiser fazer Deus rir, faça planos. (aforismo iídiche)
– É preciso ter altos e baixos. De outra forma, você não saberia a diferença. Seria tudo uniforme, linha reta, como olhar para um monitor de batimentos cardíacos. E, quando rola aquela linha reta, baby, você está morto. (Keith Richards)
– Segurança não é ausência de perigo; segurança é o gerenciamento do medo. (Wendy Reid Crisp). – Sossega, porque nada há que esperar, e por isso nada que desesperar também. (Fernando Pessoa)
– Felicidade se acha é em horinhas de descuido. (Guimarães Rosa)  – As coisas boas vêm com o tempo. As melhores, de repente. (Denise Lessa)
– Tudo é saudável, menos interrogar-se constantemente sobre o sentido dos nossos atos. (E.M. Cioran) – Desconfio/dessa coisa/de pessoas do bem/e pessoas do mal/acho que só existem/as sensíveis/e as sem sal. (Josué Orsolin)
– Ninguém vale pela sua ascendência, pelo lugar onde nasceu nem pela tradição a que pertence, mas cada um vale pelo que conseguirá fazer da sua vida. (Contardo Calligaris)
– É melhor buscar a verdade do que a glória. Que humilhação ter a aprovação dos outros como objetivo. (E.M. Cioran)
– Aquele que não dispõe de dois terços do dia para si é um escravo. (Nietzsche)
– Eu gostaria de fazer um grande filme, desde que isso não atrapalhe minha reserva para o jantar. (Woody Allen) – O objetivo da psicanálise não é curar as pessoas, mas mostrar que não há nada de errado com elas. (Adam Philips)
– O custo de uma coisa é a quantidade de vida que se tem que dar em troca. (H.D. Thoreau) – Se você for sempre o guia, só vai chegar aonde já conhece. (Maria Rezende) – Um passo à frente e já não se está no mesmo lugar. (Sandra Flanzer)
– As pessoas se dirigem a Deus para obter o impossível. Para o possível, os homens bastam. (Pedro Maciel)
– Nunca vou entrar no céu. Minha esperança é um telão do lado de fora. (Dirceu Ferreira)


– Hoje é um bom dia para continuar insistindo. (Caio Fernando Abreu) - Desejo a todos um ano que valha o esforço de viver. (Nélida Piñon)

Novíssimos BAIANOS

Mutirão de jovens artistas recria as canções com que Moraes Moreira, Pepeu Gomes, Galvão e Baby Consuelo revolucionaram a MPB. O disco duplo Tinindo e trincando reúne 30 faixas


Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 31/12/2014 



O grupo Urucum regravou a canção Só se não for brasileiro nessa hora  (Marco Antônio Gonçalves/divulgação
)
O grupo Urucum regravou a canção Só se não for brasileiro nessa hora


Formado em 1969, o grupo Novos Baianos se tornou rapidamente referência central da música brasileira com álbuns importantes, sobretudo o antológico Acabou chorare (1972), que trouxe sucessos como Brasil pandeiro e Preta pretinha. O segredo da receita de Pepeu, Baby Consuelo e da trupe hippie era a mistura irreverente de rock com ritmos nacionais. Prova da relevância dessa obra, o coletivo Jardim Elétrico acaba de tirar do forno o disco duplo Tinindo e trincando, tributo que reúne 28 cantores e bandas.

Quase todos os participantes são jovens, entre nomes mais e menos conhecidos, como A Banda Mais Bonita da Cidade, Pitanga em Pé de Amora, Cícero, Marcelo Perdido, Larissa Baq, O Padre dos Balões e Thamires Tannous. Três mineiros integram o time: o grupo Urucum e os cantores e compositores César Lacerda e Thales Silva (da banda A Fase Rosa). No total, o mutirão mobilizou 120 artistas.

“Entre uma cerveja e outra com o Di Pietro, coordenador do Jardim Elétrico, pensamos num tributo aos Novos Baianos para alavancar os trabalhos do coletivo. Essa banda sempre esteve presente na minha vida e na de todo mundo. Além disso, há a ideia de coletividade, o que também tem a ver conosco. Sentimos a necessidade de ouvir versões deles, e não covers”, explica o jornalista Carlos Nascimento Jr., que trabalha com o Jardim Elétrico.

Inicialmente, a ideia era focar apenas no clássico Acabou chorare, mas, depois de ouvir toda a discografia do grupo, foi impossível não pinçar ótimas canções dos demais trabalhos. Os organizadores partiram de 50 faixas, sugerindo nomes que combinavam com cada uma. Os convites começaram a ser feitos em abril e as gravações terminaram em setembro.

A cantora carioca Guidi Vieira foi a única que fez o caminho inverso. Em vez de ser convidada, ela ofereceu ao projeto a versão de Cosmos e Damião – inédita guardada para seu disco de estreia, Temperos. “Ela ficou sabendo do nosso projeto, mandou a música e resolveu segurá-la para lançar com a gente”, comemora Nascimento. Há apenas duas instrumentais: Preta pretinha (com Eduardo Cruz) e Isabel (com Flávio Tris).

ATUALIDADE

Carlos Nascimento Jr. acredita que os Novos Baianos atraem a atenção das novas gerações porque sua obra é atual. “Eles cantam o Brasil e estamos numa fase nacionalista muito bacana no país”, afirma. Ele comemora a participação mineira no projeto. “BH é um novo polo musical. O que é feito em Minas é leve e, ao mesmo tempo, pulsante”, elogia.

O disco duplo está disponível apenas para download gratuito (www.ojardimeletrico.com.br). Desde quarta-feira, cerca de quatro mil pessoas já haviam baixado as canções. Os organizadores estudam versões reduzidas do show de estreia, realizado em novembro, que contou com 19 dos 28 participantes do CD. A ideia é promover apresentações no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Sul do país.

Cesar Lacerda diz que a importância dos Novos Baianos vai além da música (Eduardo Cantarino/divulgação)
Cesar Lacerda diz que a importância dos Novos Baianos vai além da música


Espelho contemporâneo
“Ouvia muito Novos Baianos quando era adolescente e me identificava com a estética, as letras e, principalmente, a forma como eles produziam e viviam a música. Era algo muito similar ao que vivia naquele momento com meus amigos. Ninguém ainda era músico profissional e nem ambicionava ser. A gente se encontrava para compor, tocar e criar peças de teatro. De alguma forma, nos espelhávamos no Novos Baianos”, conta Irene Bertachini, cantora do grupo Urucum, que interpretou Só se não for brasileiro.

Para o cantor e compositor César Lacerda, autor da releitura de Mistério do planeta, o modo de vida do grupo transcendia a música. “Questões como sustentabilidade e comunidade, atuais hoje, foram lançadas por eles no passado. Há algo de mais potente naquele gesto hippie”, analisa. “Como fã do João Gilberto, percebo que há uma mistura dele com a vida hippie e rock and roll naquela música. É bastante inspirador”, diz. “Aquela mistura de rock com o Brasil caiu como uma luva para mim”, revela a cantora Guidi Vieira, que gravou Cosmos e Damião.

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 (Acervo)
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Repertório


    DISCO 1

. TININDO
» Dê um rolê – Mariana Volker
» Linguagem do alunte – Bernardo Bravo
» Vagabundo não é fácil – Uns Zansoutros
» Colégio de Aplicação – Daniel Peixoto
» Preta pretinha – A Banda Mais Bonita da Cidade
» Tinindo trincando – Clara Valente e Mocambo
» Guria – Thales Silva
» Tangolete – O Padre dos Balões
» Mistério do planeta – César Lacerda
» A menina dança – Léo Fressato e Omelô
» Quando você chegar – Lício
» Besta é tu – Marcelo Perdido
» 29 beijos – Rodrigo Del Arc
» Preta pretinha no carnaval (1974) – Eduardo Kusdra
» Eu não procuro som – Larissa Baq

    DISCO 2

. TRINCANDO
» Swing de Campo Grande – Matheus von Krüger
» Na cadência do samba – Thamires Tannous
» Ladeira da praça – Pitanga em Pé de Amora
» Eu sou o caso deles – Cria
» Sorrir e cantar como Bahia – Daniel Andrade
» O samba da minha terra – Diogo Poças
» Sensibilidade da bossa – Camará
» Só se não for brasileiro nessa hora – Urucum
» Cosmos e Damião – Guidi Vieira
» Isabel – Flavio Tris
» Os pingos da chuva– Os Criaturas
» Acabou chorare – Cícero
» Brasil pandeiro – Leo Versolato e Fuleragem
» Com qualquer dois mil réis – Fernando Temporão
» Dê um rolê – Carlos Posada
O grupo Urucum regravou a canção Só se não for brasileiro nessa hora 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O silêncio dos políticos - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 29/12/2014

Marina some, Dilma não explica um ministério que não caiu bem e Aécio fala o que não deve: não vamos bem de líderes        

Neste momento deveríamos, como se faz nos balanços otimistas divulgados em dezembro, afirmar que 2014 foi um "grande ano". Mas não dá para dizer isso em política. Se tomarmos os três candidatos que somaram mais de 90% dos votos válidos no primeiro turno presidencial, o que dizer? Dilma Rousseff já indicou metade do ministério, mas começa seu segundo mandato com o gabinete mais criticado desde a democratização de 1985. Nem José Sarney e Fernando Collor, que deixaram a Presidência com péssima imagem, iniciaram seus governos com ministros mais contestados do que os de Dilma 2015. Do lado da oposição, as coisas não vão melhor. No dia mesmo da diplomação da candidata eleita, o PSDB pediu a anulação dos sufrágios de quem não votou em Aécio - o que só não será ridículo se for o preparativo para um golpe judiciário. Finalmente, Marina Silva repete o que fez (ou não fez) na eleição anterior, isto é, em vez de fazer crescer o número notável de seus eleitores, um quinto da população brasileira, some.

Se os três principais candidatos conseguem se afastar tanto do que seria uma atuação política consequente, como querer que o eleitorado goste da política? Como querer, a situação, que ele defenda o governo? Como querer, a oposição, que ele se mobilize para cobrar mudanças de rumo? Claro, nesta altura cada um procura defender seu candidato. Os tucanos dirão que o pedido insensato de cassação dos votos não tucanos foi só uma formalidade.

Esquecerão que o próprio Tribunal Superior Eleitoral, que em 2008 cassou os governadores do Maranhão (do PDT) e da Paraíba (do PSDB), substituindo-os pelos candidatos rejeitados pelo povo, na página mais escura da democracia brasileira, se envergonhou disso e desde então evita ofender a essência da democracia, que é respeitar a vontade do povo expressa pela maioria. (De todo modo, seu julgamento de 2008 deu sobrevida de seis anos ao clã Sarney, até que o eleitorado maranhense o derrotou este ano, pela segunda vez). O mínimo a dizer, que já é grave, é que com o recurso-tapetão o PSDB tentou o "se colar, colou".

No caso de Marina, quatro anos atrás ela teve o apoio só do Partido Verde, que nunca se consolidou no país, não passando às vezes de linha auxiliar do PSDB. A Rede Sustentabilidade é mais forte do que era ou é o PV. Mesmo assim, ao terminar a segunda eleição em que Marina obtém a mesma (alta) porcentagem de votos, a líder sai de cena ao findar a contagem. De novo, cede ao PSDB o papel de oposição - e isso num momento crucial, em que deveria fidelizar os eleitores que mobilizou. Duas vezes, Marina conseguiu um resultado eleitoral notável: com pequena estrutura partidária e pouco tempo na televisão, falou ao idealismo, ao desejo de mudança da sociedade. Lavrou em campo parecido ao do jovem PT.


Os finalistas de 2015 nada dizem ao povo

Parece provável que seu sonho seja o de retomar a trajetória de Lula, valendo-se inclusive de uma história de vida com elementos semelhantes à dele - a origem pobre, a garra, o carisma, a vontade de retirar o país de uma opção entre dois polos talvez superados. Mas, quando perde, entra no vazio.

Só que na política, como se sabe, qualquer vácuo é prontamente ocupado.

Na verdade, as mulheres que disputaram a Presidência com chances de se eleger optaram agora pelo silêncio. Marina, derrotada, não procurou manter, nas semanas cruciais após o segundo turno, um lugar na esperança política brasileira. Ela até podia ter apoiado Aécio (embora eu veja nesse apoio um erro político), mas como - para a Rede - ele só era a opção conjuntural por um mal menor, Marina e os seus deveriam logo depois da eleição retomar a bandeira da terceira via. Não o fizeram.

Marina se cala, mas Dilma, vitoriosa, não fala. Poderia e deveria ter-se explicado aos eleitores. Vejo muitos simpatizantes de Dilma se sentindo obrigados a encontrar, eles próprios, as razões (dela) para nomear um ministério que não os entusiasma. Chega a ser tocante o esforço de alguns para explicar as nomeações - a busca de uma base sólida no Congresso, o apelo a políticos testados nos Executivos estaduais. Tocante, porque esse deveria ser o trabalho da eleita e de seus colaboradores próximos. Ela mesma deveria esclarecer de público por que escolheu uma equipe econômica como esta, e por que, na metade do ministério até agora anunciada, o realismo prevalece sobre o idealismo. Não é impossível explicar isso, mas é preciso fazê-lo. Esse trabalho, um líder não terceiriza.

Se Marina erra por ter cessado a pregação logo no momento de derrota, que é quando se fortalecem os ânimos para construir o futuro, e Dilma por considerar a vitória como dada, isso depois de vencer nas urnas mas com sérias feridas junto à opinião pública, do outro lado Aécio fala demais. As mulheres se calam, o homem fala. O problema é que ele só fala a radicalização. O risco é falar sem dizer.

O melhor sinal de que Aécio erra por excesso está numa conversa de que ele nem fez parte, mas que ilustra um exagero oposicionista: quando Miriam Leitão questionou Alckmin por chamar Dilma de "presidenta" e o governador respondeu que trata as pessoas como elas preferem. Uma resposta de mera educação, prosaica até, mas que devolve a política ao chão. Seria preciso levar a birra política a ponto de brigar até por nomes, assunto menor mas que se tornou pomo de discórdia? Talvez as duas formas de fala, a comedida de Alckmin e a exaltada de Aécio, anunciem a disputa interna no PSDB pela indicação para 2018.

Mas, neste momento, o que precisamos é que os três principais políticos que disputaram a Presidência falem ao povo - e lhe digam algo importante.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

 E-mail rjanine@usp.br

Alvíssaras - Eduardo Almeida Reis

Alvíssaras "Homicídios, estupros e outros crimes são inconhos da espécie humana, nasceram pegados à nossa espécie, que deve ter cerca de 200 mil anos"


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 29/12/2014



Eta semana que começa bem para quem não gosta de trabalhar. Quarta-feira temos réveillon, quinta-feira é o dia 1º de 2015, sexta-feira é dia de descansar da farra, sábado e domingo continuam sendo sábado e domingo. O país é rico, faz parte dos Brics, um gerente da Petrobras economiza 100 milhões de dólares, mora na Joatinga, bairro classe AAA do Rio, enquanto os donos das maiores empreiteiras, coitados, têm R$ 0,00 em suas contas bancárias bloqueadas pela Operação Lava-Jato, que tem hífen como aprendi no programa de Maria Beltrão.

Ano que vem, se conseguir patrocínio, pretendo lançar o Prêmio Edadicilbup, publicidade ao contrário, para laurear as agências que se destacarem no processo de avacalhação da outrora brilhante propaganda brasileira.

Presumo que o leitor já tenha visto aquele comercial da Caixa com figuras grotescas, gordinhas, num campo de futebol chutando moedas de 1 real. Que é aquilo? Qual é a graça? Que mensagem transmite ao público-alvo? Existe público-alvo para aquele pavor veiculado exaustivamente numa porção de canais de tevê?

Além do prêmio, os gênios que inventaram os tais comerciais merecem a Medalha Edadicilbup: brasileiro adora medalha, comenda, colar, condecoração, qualquer coisa do gênero. É fenômeno que não consigo entender: sentir-se honrado com uma condecoração que já foi outorgada a todos os bandidos brasileiros. Meu saudoso amigo e confrade Murilo Badaró, que podia indicar como presidente da Academia Mineira de Letras alguns nomes para a Medalha da Inconfidência, certa vez me disse: “Eduardo, vi que você não tem a Medalha da Inconfidência. Vou indicar o seu nome”.

Respondi: “Por favor, presidente, não faça isso. Se você fizer vou ser obrigado a explicar pelo jornal os motivos pelos quais não aceito a indicação”. Ainda agora, em novembro de 2014, ficamos sabendo que o Ministério Público Federal cobrou do comandante do Exército, general Enzo Peri, a cassação das medalhas concedidas pela Força a cinco dos condenados no processo do Mensalão. Condenados e presos, vale notar, pelo Supremo Tribunal Federal.

Os ex-deputados José Genoíno (PT-SP), João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar da Costa Neto (PR-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) receberam nos últimos anos a Medalha do Pacificador. E José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, foi agraciado como Grande Oficial da Ordem do Mérito Militar. Por aí dá para sentir o tamanho da desmoralização do Exército, do Pacificador, do Mérito Militar, achincalhe que também se vê nas demais condecorações civis ou militares. Se há brasileiros ilustres, a maioria dos agraciados é a fina flor da bandidagem.

Ladroeira
É dos mais originais o argumento petista para justificar sua roubalheira na Petrobras: a corrupção sempre existiu. Não é verdade. O ato ou efeito de subornar uma ou mais pessoas em causa própria ou alheia, geralmente com oferecimento de dinheiro, o suborno dos dirigentes de uma estatal pressupõe a existência da empresa. A Petrobrás (com acento) foi criada em outubro de 1953.

Homicídios, estupros e outros crimes são inconhos da espécie humana, nasceram pegados à nossa espécie, que deve ter cerca de 200 mil anos. Há quem diga que o “homem moderno” data de 50 mil anos, mas ainda hoje há diversos tipos de modernidades modernosas ou não.

Na verdade, homicídio só passou a ser crime depois que foi enquadrado como tal: nullum crimen sine lege, não há crime sem lei – é imprescindível que a conduta delituosa tenha sido definida como tal pelo Estado. Jean de Léry, jovem sapateiro e seminarista, acompanhou missão francesa ao Brasil ali por volta de 1556. Convidado por alguns silvícolas, disse ter participado de um churrasco de carne humana, que não era crime entre os nossos irmãos indígenas. Outro dia, como vimos no noticiário, os três canibais de Garanhuns, PE, foram condenados a 16 ou 17 anos de reclusão só porque mataram e comeram uma jovem de 17 aninhos: o consumo de alimento proteico virou crime.

Consola-nos saber que em pouquíssimo tempo a trinca estará solta por “bom comportamento”, em condições de matar e comer outras pessoas. Valdemar Costa Neto já está em casa festejando a gravidez de sua nova companheira. Se for menino, o Brasil vibrará com o nascimento de Valdemar Costa Bisneto, que uma linhagem como a dos Costas merece preservação e louvor.

 O primeiro Ali Babá, personagem fictício baseado na literatura da Arábia pré-islâmica, só tinha 40 ladrões, enquanto o moderno Ali Babá, nascido pertinho de Garanhuns, PE, tem centenas, milhares de operosos colaboradores, que não se acanham de recorrer ao homicídio, como no episódio do prefeito Celso Daniel “retirado” de um carro blindado dirigido por um comparsa apelidado Sombra.

O mundo é uma bola
29 de dezembro de 1482: a Ilha do Pico é integrada à capitania do Faial, data importantíssima porque foi na Ilha do Pico que nasceu, alguns séculos depois, o advogado Artur Tavares Bettencourt, açoriano de velha e boa cepa, que emigrou menino para o Brasil, foi juiz de direito e hoje advoga em Pouso Alegre, Minas Gerais.

Em 1891, Thomas Edison patenteia o rádio. Em 1992, Fernando A. Collor de Mello renuncia à Presidência do Brasil.

Ruminanças
“Nada é mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem” (Nelson Rodrigues, 1912-1980).

domingo, 28 de dezembro de 2014

Poesia - Eduardo Almeida Reis

O poetar, o fazer poético é privilégio de poucos entre os muitos que se dizem poetas


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas : 28/12/2014 04:00


“Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade / Nem veio, nem se foi: o Erro mudou. / Temos agora outra Eternidade. / E era sempre melhor a que passou.” Dia de Natal, na falta de melhor ruminança transcrevi poema de Fernando Pessoa (1888-1935) que encontrei no Dicionário de Citações de Paulo Rónai, um gênio judeu húngaro que enriqueceu o Brasil fugindo da loucura nazista.

Nesta emergência, philosophemos. O poetar, o fazer poético é privilégio de poucos entre os muitos que se dizem poetas. Qualquer idiota com duas dúzias de mil-réis pode editar um livro de “poesia”, que será elogiado pelos idiotas que ornejam sobre o assunto.
Se o brilhante fazer poético é privilégio de poucos, o sentir poético não é universal. Fernando Pessoa é geralmente considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa e tem admiradores sérios a montões, que devem entender e elogiar sua ruminança do dia de Natal. Confesso que não curti nem entendi.

Curto seu patrício Camões, minha confreira Yedda Prates Bernis e vários outros poetas nacionais ou estrangeiros bem traduzidos, tarefa que não é fácil. Dancei na poesia de Fernando Pessoa dicionarizada por Paulo Rónai e em muitas outras que tenho tentado curtir. Paciência.

Notas nasais
Nariz em búlgaro é hoc, em alemão é nase, em catalão é nas, em russo também é hoc, ensina o tradukka da internet. Meu tiquinho de sangue angolano manifestou-se no nariz, poupando os lindos olhos azuis, os cabelos mais lisos do planeta e a pele brancura Rinso. Certa feita, viajando com o caricaturista Ruderico Pimentel, paramos para almoçar num restaurante de Friburgo, ele pegou um prato branco, tirou o lápis-tinta do bolso e me disse: “A coisa mais fácil do mundo é caricaturar você. Basta fazer os dois círculos do nariz abatatado, botar os óculos e desenhar qualquer coisa em volta”. A caricatura ficou perfeita e o caricaturado, assaz ofendido.

Esse primeiro parágrafo vem a propósito das eleições de outubro, que revelaram ao Brasil um monumento sob a forma de nariz, narilão admirável, espetacular, raras vezes visto no planeta, o do empresário paulistano Paulo Antônio Scaff, de 59 anos, presidente da Fiesp, que foi candidato ao governo de São Paulo.

No livro Viver vale a pena, Ivo Pitanguy nos conta que os romanos consideravam o comprimento do nariz demonstração de masculinidade e virilidade, o que faz de Scaff um gato cobiçado por 11 entre 10 mulheres. Na Índia e no Egito há 3.500 anos, e na Alemanha durante a Idade Média, uma pessoa acusada de adultério era punida com a amputação do nariz, uma espécie de “castração” acrescenta Pitanguy. Quer dizer, pergunta aqui o philosopho, que o narigão fazia as vezes do pirilau? Se é assim tiro meu time de campo e me despeço constrangido com o meu nariz angolano.

Bracher
Passei bons 20 minutos procurando título para este comentário, mas achei melhor usar o nome do artista que diz tudo de sua Arte em caixa-alta: Carlos Bracher. De sua genialidade falaram Carlos Drummond e Jorge Amado, entre muitos outros craques. Faz tempo que tento comprar um dos seus quadros, mas os fados e as finanças conspiraram contra esse desejo. Hoje me bastam a sua amizade e a certeza de que as mais lindas de suas obras – as filhas Blima e Larissa – foram pintadas a quatro mãos com Fani Bracher, sua mulher, também artista da melhor supimpitude.
Dentro de quatro dias começa o ano de 2015 e o leitor do Estado de Minas ainda tem a oportunidade de fechar bem 2014 ou se deleitar nos primeiros dias do novo ano visitando a exposição das pinturas de Bracher no CCBB de Belo Horizonte até 12 de janeiro. O CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil, fica na Praça da Liberdade e representa o lado bom do BB, que se contrapõe aos Pizzolatos da vida.

A Arte de Bracher tem que ser vista e sentida, é indescritível. Não por acaso o genial mineiro de Juiz de Fora, naturalizado ouro-pretano, tem quadros nos maiores e melhores museus do mundo.

O mundo é uma bola
28 de dezembro de 1065: a Abadia de Westminster é consagrada a São Pedro. O primeiro lugar de culto no local onde foi construída a Westminster Abbey data do ano 616, depois que um pescador do Rio Tâmisa disse ter tido uma visão de São Pedro. Até 1534, Westminster serviu ao Catolicismo Romano. De 1534 até hoje serve ao Anglicanismo.


Construção iniciada em 1045, concluída em 1050. Consagração, como vimos há pouco, no ano de 1065. Até hoje não há notícia de que a obra tenha sido superfaturada. Em 1557, Mem de Sá chega a Salvador, Bahia. Homem de bem, era irmão do poeta Francisco Sá de Miranda. Nasceu em Coimbra e morreu na Bahia em 1572, com exatos 72 aninhos. Em 1989, nasceu Sandro Foda, futebolista alemão. Joga pela equipe do Sturm Graz, onde é treinado pelo próprio pai, o respeitado Franco Foda. Hoje é o Dia da Marinha Mercante e o Dia do Salva-Vidas.

Ruminanças
“Não é o poder que corrompe o homem. O homem é que corrompe o poder” (Ulysses Guimarães, 1916-1992).

MARTHA MEDEIROS - Espero que 2015 não seja 100%

Zero Hora 28/12/2014

Que tudo que eu quero que aconteça não aconteça exatamente como imagino. Que eu consiga realizar meus projetos, mas que depare com pequenas dificuldades para continuar duvidando de mim mesma. Que me surjam ideias novas para abastecer minhas colunas, e também muitos dias de branco na cabeça para eu saber que meu cérebro nem sempre obedece aos meus comandos. Que meu trabalho atinja uma eficiência de 70% e me reste 30% de desacertos para não perder a humildade.
Uma amiga me desejou uma paixão que me tire o tino, me faça cambalear pela sala, que me deixe maluca, abobalhada, sonhadora, acreditando em fadas e duendes. Francamente, isso se deseja aos inimigos. Troco essa epifania por um amor que atinja a meta de 80%, o que já é uma megassena. Que seja vibrante, sim, mas que nos mantenha com os pés no chão, conscientes de que o paraíso emocional não existe, mas pode-se chegar bem perto e será o bastante.
Que haja uma porcentagem mínima de ciúme e desacordos, para que a segurança não seja total e se queira continuar junto dia após dia, a fim de alcançar o inalcançável. Que sobre 20% de solidão, aquela solidão necessária mesmo quando estamos apaixonados, aquela solidão que fortifica a alma e que serve também, entre outras coisas, para valorizar nossos vínculos.
Que minhas amigas estejam por perto, mas não 100%, porque gosto de ter novidades para contar quando nos encontramos. Que minhas filhas estejam por perto, mas não 100%, não porque eu não queira, mas porque eu espero que elas não queiram, ou não seriam garotas antenadas e saudáveis – que jovem adulto não sonha em aventurar-se em seus próprios caminhos? Que minha família de origem – pais, irmão, cunhada, sobrinhos – esteja por perto, mas não 100%, para que continuemos a viver em harmonia (mas vou continuar falando contigo todos os dias, mãe, prometo).
Saúde de atleta? Também não. Em relação à saúde corporal, fecho negócio em 95% pra mim e 5% para o oponente, a serem distribuídos entre espirros (pra lembrar que o corpo se queixa), febrículas (pela transgressão de cair de cama no meio da tarde) e dor de cabeça na manhã seguinte a alguma farra. E deu. 5% de vulnerabilidade são suficientes para me manter alerta, fazer exercícios constantes e abandonar o vinho depois do segundo cálice. Ou do terceiro.
Quanto à saúde mental, fico com 50% sem achar que é pouco. Nem pensar em 100% de certezas, teorias, eloquências. Nem pensar – mesmo. Menos pensar e mais agir, mais impulsos, mais riscos. Estou topando dividir minha sensatez com especulações, atrevimentos e algumas fantasias ordinárias.


A vida não é impecável, por que eu seria? Em 2015, não almejo o absoluto, o total, o 100% concluído. Que sobre espaço a preencher para me manter em movimento. Feliz ano novo e incompleto pra você também.

sábado, 27 de dezembro de 2014

Brasil - Eduardo Almeida Reis

Não sei quando nem onde começaram os estudos sociológicos, como era ensinada a disciplina, de que recursos se valiam os primeiros mestres


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas - 27/12/2014



Sociologia é o estudo científico da organização e do funcionamento das sociedades humanas e das leis fundamentais que regem as relações sociais, as instituições etc. É também a descrição sistemática e análise de determinados comportamentos sociais. Não sei quando nem onde começaram os estudos sociológicos, como era ensinada a disciplina, de que recursos se valiam os primeiros mestres, mas hoje é tudo muito fácil através da tevê.
Venho acompanhando as chamadas para o programa E agora prometido “em breve” na GloboNews, não sei se único ou uma série, só os vídeos sem as vozes dos participantes. No dia em que este suelto for publicado o programa já deve ter sido exibido, o que não me impede de antecipar o doloroso philosophar: o Brasil é aquilo que aparece nas chamadas. Não digo todo o país, porque há o ITA, o IME, a Embrapa, o Butantan, a Fiocruz e mais duas dúzias de centros de excelência e esperança, mas o resto é aquilo que vejo nas chamadas filmadas “na laje”, com algumas oscilações para melhor ou para pior.
Há regiões lindíssimas, é certo, mas a sociologia não estuda a organização do pantanal, da floresta amazônica, das praias, dos mares, dos bichos, das flores. As instituições e as relações sociais, salvo melhor juízo, são assustadoras, como também é assustadora a caduquice de um philosopho amigo nosso, que escreveu “relações sexuais” aí atrás, antes de salvo melhor juízo.

Noticiário
Isabel Cristina da Silveira, Jorge Beltrão Negromonte da Silveira e Bruna Cristina Oliveira da Silva foram condenados pela morte, em maio de 2008, de Jéssica Camila da Silva Pereira, de 17 anos. Ficaram conhecidos com Canibais de Garanhuns, porque comeram a carne da mocinha. No julgamento realizado em Olinda, PE, Negromonte foi condenado a 21 anos de reclusão mais um ano e meio de detenção, enquanto Isabel e Bruna foram condenadas a 19 anos de reclusão mais um ano de detenção. Logo, logo estarão soltos para canibalizar outras vítimas.
Garanhuns e Olinda ficam em Pernambuco, República Federativa do Brasil, país em que circula em liberdade, ao cabo de um ano de cadeia, o ilustre paulista Valdemar da Costa Neto, que foi casado com Maria Christina Mendes Caldeira, proporcionando à nação um dos divórcios mais divertidos de que há notícia nos últimos cinco séculos.
Diante deles, a coisa mais natural do mundo é a notícia de que as focas, mamíferos pinípedes carnívoros, da família dos focídeos, encontrados em todos os oceanos, especialmente nas regiões mais frias, têm sido fotografadas pelos cientistas, que fazem documentários sobre a vida selvagem na região do sub-antártico, estuprando pinguins, aves esfenisciformes da família dos esfeniscídeos, restritas ao hemisfério austral, que têm asas modificadas em aletas e pés munidos de nadadeiras adaptados à natação.
Na Ilha Marion, uma das Ilhas de Príncipe Eduardo, no Atlântico Sul, os machos da família dos focídeos, na falta de fêmeas, têm desrespeitado o pinguim-rei em atividades sexuais que, no mundo humano, seriam comparadas aos estupros. O estudo foi publicado na revista Polar Biology e mostra que as focas machos não se importam com o sexo dos pinguins, copulando indistintamente com machos e fêmeas.
Em um dos casos relatados, não conseguindo copular, a foca matou o pinguim e se alimentou de sua carne, talqualmente os canibais de Garanhuns. O que absolutamente não quer dizer que as focas estejam livres de ser estupradas. Em 2011, foram relatados pelo menos 15 casos em que os estupradores eram lontras machos, que chegaram a matar diversas focas no ato.
No meu entendimento de philosopho, lontras que estupram e se alimentam de focas, que estupram e se alimentam de pinguins, são as coisas mais naturais do mundo e não devem espantar um país que tem os canibais de Garanhuns e o carismático honoris causa de Caetés, cidades pernambucanas separadas por 19,6 quilômetros através da BR-424.

O mundo é uma bola
27 de dezembro de 1831: Charles Darwin embarca no HMS Beagle para sua viagem ao redor do mundo. Em 1797, nascimento de Domitila de Castro Canto e Melo, marquesa de Santos, que foi a Rose de dom Pedro I. Em 1822, nasceu Louis Pasteur, cientista francês, benfeitor da humanidade. A exemplo de vários outros gênios, nunca foi aluno brilhante no colégio e na universidade.
Em 1935, a Pérsia passa a se chamar Irã. Em 1939, criação do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, na ditadura Getúlio Vargas. Em 1945, criação do FMI, o Fundo Monetário Internacional. Em 1949, os Países Baixos reconhecem a independência da Indonésia. Em 1978, depois de 40 anos de franquismo, a Espanha aprova uma Constituição democrática. Em 2007, assassinada no Paquistão Benazir Bhutto, duas vezes primeira-ministra, educada em Harvard e em Oxford, advogada, a primeira mulher a ocupar o cargo de chefe de Governo de um estado muçulmano moderno.

Ruminanças
“Hawk Eyes, olhos de falcão, é o nome de uma das empresas do lobista Fernando Soares, o Baiano, fornecedor do PMDB. Faz sentido” (R. Manso Neto).

RETROSPECTIVA 2014 CINEMA » O Brasil indie

O país teve boas produções fora do circuito comercial, que circularam por festivais brasileiros e estrangeiros com repercussão na internet. Destaque para Hoje eu quero voltar sozinho


Gracie Santos
Estado de Minas: 27/12/2014



Hoje eu quero voltar sozinho foi o filme brasileiro de maior repercussão internacional, sucesso no segmento independente (Lacuan Filmes/Divulgação)
Hoje eu quero voltar sozinho foi o filme brasileiro de maior repercussão internacional, sucesso no segmento independente

Simples e potente. Duas palavras traduzem bem a grande surpresa do cinema brasileiro em 2014: Hoje eu quero voltar sozinho, do paulista Daniel Ribeiro, versão longa de Eu não quero voltar sozinho, lançado em 2010. O primeiro mérito do filme é tratar de um tema universal: a descoberta da sexualidade por um adolescente. Cego, Leonardo (Guilherme Lobo) tem que driblar a mãe superprotetora e lutar por sua independência. Tudo muda quando Gabriel (Fabio Audi) chega à cidade e eles se tornam amigos. A abordagem delicada, a boa interpretação dos jovens atores e a direção naturalista de Daniel tornam o filme único, capaz de surfar em outros mares – longe das comédias nacionais, apostas fáceis de boas bilheterias.

Exibido na Mostra Panorama, evento paralelo do Festival de Berlim em fevereiro, o longa brasuca iniciou assim sua profícua carreira por festivais. Chegou a ser exibido em Pequim, durante a quinta edição do Festival do Cinema Brasileiro na China, encerrado no dia 7. Incursões de sucesso e elogios da crítica culminaram com a indicação do longa a candidato a candidato a uma vaga na disputa pelo Oscar 2015 de filme em língua estrangeira. O filme passou por várias etapas, mas não está mais no páreo. Os indicados serão conhecidos em 15 de janeiro. Quem não teve oportunidade de assistir à produção cult brasileira mais badalada deste ano pode adquirir o DVD, à venda no site da produtora Laguna Filmes (www.lagunafilmes.com.br) por R$ 10. O custo baixo se deve à oportuna campanha de combate à pirataria.


 (Trem Chic/Divulgação)

Mineiros em ação
Em Berlim, Hoje eu quero voltar sozinho dividiu os holofotes com outro longa, O homem das multidões, dirigido a quatro mãos pelo mineiro Cao Guimarães e o pernambucano Marcelo Gomes. Rodado em BH, o filme tem o ator Paulo André (do Galpão) no papel do solitário Juvenal, que sente necessidade de trafegar entre a multidão. A obra baseada em conto de Edgar Allan Poe circulou por festivais dentro e fora do país e chamou a atenção por sua estética diferenciada, exibido em aspect ratio de 3x3, proporção quadrada (e reduzida) da imagem. Estética diferenciada é a marca de outro longa mineiro lançado este ano em festivais (ainda não entrou em circuito comercial): O deserto azul, de Éder Santos. A ficção científica retrô tem como cenário obras de arte de dezenas de artistas plásticos, além de Brasília e do Deserto do Atacama. Os efeitos especiais foram criados na Alemanha. Destaque para a interpretação impecável do ator Odilon Esteves, da Cia. Luna Lunera (foto). E, para fechar o ano mineiro no cinema, Helvécio Ratton lançou sua aventura infantojuvenil O segredo dos diamantes, sobre três amigos em busca de um tesouro. Grande mérito é fazer “desfilar” na tela belezas naturais de Minas raramente mostradas no cinema. (GS)

Praia brasuca
Aguardada espera do ano, Praia do Futuro, longa de Karin Aïnouz, teve o mérito de estrear no Festival de Berlim, concorrendo ao Urso de Ouro. A coprodução Brasil e Alemanha morreu na praia e teve recepção morna durante o evento. O que, certamente, não reduz os méritos da trama sobre Donato, salva-vidas da praia homônima de Fortaleza, papel de Wagner Moura, que tem problemas existenciais quando não consegue cumprir seu papel e “perde” um turista afogado. O longa confirmou o ator Jesuíta Barbosa (na foto, à direita) como um dos novos talentos do cinema brasileiro. Vida longa a Jesuíta e, claro, a Aïnouz. (GS)

Festivais de peso

A divisão do principal prêmio do Festival de Brasília entre todos os diretores concorrentes acentuou o tom político de um dos eventos mais tradicionais do audiovisual brasileiro. Foi um protesto contra a destinação de R$ 250 mil apenas ao vencedor na categoria longa-metragem – Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós. O segundo maior prêmio foi de R$ 50 mil, para o melhor longa segundo o júri popular. O ano também foi marcado pela volta do Festival de Paulínia e pela consolidação da Mostra de Cinema de Tiradentes como o principal evento do país dedicado ao arriscado cinema de autor. (Carolina Braga)

 (Universal Pictures/Divulgação)

Experiência única
O filme-sensação Boyhood (foto) só existe graças à engenhosidade, sensibilidade e perseverança do diretor Richard Linklater, à competência do elenco e a uma enorme dose de sorte. A narrativa retrata a trajetória de seu protagonista, o garoto Mason, seus pais e irmã durante 12 anos. O elenco foi filmado ao longo desse período em poucos dias a cada ano. Toda a narrativa se construiu por meio do cotidiano, de ações comuns (até mesmo banais) que constituem o universo de uma pessoa qualquer. Em foco, a vida de Mason da infância à juventude. Bons ou maus, os momentos é que nos formam. E eles, na maior parte das vezes, ocorrem no tempo comum e sem fogos de artifício, é o que Linklater nos prova. (Mariana Peixoto)

Viagens espaciais

Ficções científicas ocuparam as telas com força total. Impactantes, chamaram a atenção de público e crítica o incrível Gravidade, com Sandra Bullock (foto), em sua melhor interpretação, e George Clooney. Premiadíssimo, o filme dirigido por Alfonso Cuarón faturou merecidamente sete Oscars. Melhor em resolução 3D, ganhou elogios inflamados dos diretores James Cameron e Quentin Tarantino. Hermético, o filme centrou-se na atuação de Bullock e nos efeitos visuais para levar o espectador a “boiar” sem gravidade na sala de exibição. Mais pretensioso, o também hermético Interestelar vai além das histórias de heróis do espaço. Tem momentos e teses interessantes sobre o futuro da humanidade, mas a longa e muitas vezes confusa trama exige paciência e interesse do espectador por temas pouco conhecidos da física quântica. O filme de Christopher Nolan tem elenco de peso: Matthew McConaughey e Anne Hathaway em boas atuações, mas quem se destaca é Jessica Chastain. A trilha sonora do compositor Hans Zimmer é deslumbrante. (GS)

Em dois volumes
Nada no cinema do dinamarquês Lars von Trier é obra do ocaso. Cineasta cuja trajetória se confunde com as polêmicas, seu Ninfomaníaca (foto) virou assunto da hora ao longo do primeiro semestre porque no Brasil a empresa responsável pela produção do DVD e blu-ray se recusou a fazê-lo, alegando se tratar de uma obra de sexo explícito. Com o debate na ordem do dia, o cineasta fez uma de suas melhores bilheterias no país. O filme, que como toda a filmografia de Von Trier não permite os comentários reducionistas “gostei” ou “não gostei”, leva para o centro da narrativa uma ninfomaníaca na meia-idade que despeja, sem meias palavras, um cotidiano de múltiplos parceiros. Repleto de metáforas – da pescaria à religião –, o longa mostra a personagem cortando, pouco a pouco, os laços com o mundo convencional. (MP)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

RETROSPECTIVA 2014 - LIVROS » Vida que segue - Carlos Herculano Lopes

RETROSPECTIVA 2014 - LIVROS » Vida que segue O ano ficou marcado pela perda de escritores queridos do povo brasileiro. A história consolida o seu espaço junto aos leitores e ao mercado editorial


Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 26/12/2014




Em julho, a morte do baiano João Ubaldo Ribeiro, autor de Viva o povo brasileiro, surpreendeu o país  (TV Brasil/divulgação)
Em julho, a morte do baiano João Ubaldo Ribeiro, autor de Viva o povo brasileiro, surpreendeu o país

Se 2014 foi bom para a literatura, com o lançamento de centenas de títulos de todos os gêneros por pequenas e grandes editoras, além do fortalecimento de feiras espalhadas pelo país, o leitor chora a perda dos escritores João Ubaldo Ribeiro, Ariano Suassuna, Ivan Junqueira, Rubem Alves e Manoel de Barros. O mundo se despediu do colombiano Gabriel García Márquez e da sul-africana Nadine Gordimer, ambos vencedores do Prêmio Nobel.

Mas a vida continua e novas gerações de autores lutam por um lugar ao sol. Este ano, a internet reforçou a parceria com a literatura, sobretudo divulgando jovens talentos. Surgiram revistas literárias on-line e pequenas editoras – a maioria delas voltada para poetas e ficcionistas iniciantes.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade divulgou seu relatório final, listando os responsáveis por violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988 – especialmente no período da ditadura imposta pelo golpe civil-militar de 1964. A história recente do país foi “musa inspiradora” de vários lançamentos importantes. O jornalista Paulo Markun mandou para as prateleiras os dois volumes do projeto Brado retumbante: Na lei e na marra – 1964-1968 e Farol alto sobre as diretas – 1969-1984. Lira Neto fechou a trilogia dedicada a Getúlio Vargas com o volume dedicado ao período entre 1945 e 1954.



INTERNACIONAL
O francês Patrick Modiano, autor de mais de 40 livros, entre ensaios, roteiros e romances, venceu o Prêmio Nobel de Literatura em 2014. Três de seus romances foram lançados no país – todos têm como pano de fundo a ocupação alemã na França durante a 2ª Guerra Mundial. O romance Skagboys, do escocês Irvine Welsh, fechou a trilogia formada com Trainspotting e Pornô. O capital, livro II, monumental obra de Karl Marx, também saiu no país, assim como Para entender O capital, do geógrafo britânico David Harvey. Outro que ganhou edição brasileira foi O capital no século XXI, do francês Thomas Piketty, o livro de economia mais badalado deste ano. Dois outros sucessos: A balada de Adam Henry, romance do inglês Ian McEwan, e Judas, de Amós Oz, o mais importante escritor israelense da atualidade.


EM MINAS
A lista de lançamentos em Minas Gerais comprova o fôlego de autores do estado. Chegaram às livrarias os romances Hotel Rodoviária, de Danislau; Malditas fronteiras, de João Batista Melo; Uma Denise, de Roberto Amaral, e O sono de Morfeu, de André Zambaldi. Ana Elisa Ribeiro releu a carta de Pero Vaz de Caminha em O e-mail de Caminha, e Maria Esther Maciel reuniu crônicas publicadas no Estado de Minas no livro A vida ao redor. Destacaram-se também os livros de poemas Distraídas astronautas, de Simone Teodoro, e Não se sai de árvore por meio de árvore, de Paula Vaz. O premiado casal Nelson Cruz e Marilda Castanha autografou em BH O livro do acaso e Fases da lua e outros segredos. Também chamaram a atenção Farelo de Quiat (com A terceira porta da lua), Lavínia Rocha (De olhos fechados), Raphael Vidigal (Amor de morte entre duas vidas), Nilson Silva (Um amor entre as montanhas) e Fábio Salomão (Um rio me levou de mim).


NO BRASIL
Veteranos da literatura nacional brindaram o leitor com novidades. Nélida Piñon publicou A camisa do marido, enquanto o mineiro Silviano Santiago lançou o romance Mil rosas roubadas. Outro mineiro, Evandro Affonso Ferreira, mandou para as livrarias Os piores dias de minha vida foram todos, com o qual fechou a Trilogia do inferno. Raphael Montes, uma das revelações da literatura brasileira este ano, publicou o ótimo Dias perfeitos. O mineiro Sérgio Rodrigues, com o romance O drible, venceu o Prêmio Portugal Telecom de Literatura, enquanto o São Paulo de Literatura foi para Ana Luisa Escorel, autora de Anel de vidro. Chico Buarque mandou para as lojas o quinto romance, O irmão alemão, autoficção baseada na história de Sergio Günther. O historiador Sérgio Buarque de Hollanda teve esse filho quando morava na Alemanha, antes de se casar com Maria Amélia, mãe do compositor.  Clássicos ganharam releituras. Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, surgiu em HQ na versão assinada por Eloar Guazelli e Rodrigo Rosa, enquanto antologia de Murilo Mendes chegou acompanhada de CD com o autor declamando seus versos.


IMORTAIS
Criada em 1897 por Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras (ABL) elegeu novos imortais: o poeta maranhense Ferreira Gullar, eleito para ocupar a vaga do poeta e ensaísta carioca Ivan Junqueira; o embaixador e historiador pernambucano Evaldo Cabral de Mello, que herdou a cadeira do romancista baiano João Ubaldo Ribeiro; e Zuenir Ventura, jornalista mineiro radicado no Rio, que entrou para a ABL na vaga de Ariano Suassuna. Na Academia Mineira de Letras, o romancista Benito Barreto sucedeu ao poeta e trovador Soares da Cunha.

Supimpa - Eduardo Almeida Reis

Creio ter modéstia suficiente para saber que as revistas nunca foram planejadas e publicadas visando a me aborrecer


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 26/12/2014



Desembargador no TJ-MG, José Marcos Vieira não é somente um bom pintor, é um pintor extraordinário. Pena que passe horas e horas estudando processos chatíssimos, parecidos com aqueles que me levaram a fugir da profissão depois de quatro dias como advogado do Sindicato dos Padeiros do Estado da Guanabara.

Ainda bem que o admirável pintor judica num tribunal respeitado e respeitável como o de Minas Gerais. O TJ do estado em que nasci vem de dar ao planeta doloroso exemplo de canalhice no processo movido por um juiz contra bela agente de trânsito, quando foi pilhado dirigindo sem documentos e carteira de habilitação um automóvel sem placas. O referido juiz foi casado com Alice Maria Saldanha Tamborindeguy, advogada que exerceu seis mandatos como deputada estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), senhora que tem a subida honra de ser irmã de Narcisa Cláudia Saldanha Tamborindeguy, autora do livro Ai que loucura!, estrela de um imbecilérrimo programa de tevê chamado Mulheres ricas. Moradora no Edifício Chopin da Avenida Atlântica, Narcisa Cláudia é conhecida pelas festas que promove em seu apartamento infernizando os hóspedes do vizinho Copacabana Palace. Diz a Wikipédia que a mulher rica utiliza “famoso megafone” e tem como vítimas preferidas Madonna e Jô Soares. Madonna vá lá, mas Jô deve ser mágoa porque ela mora num prédio vizinho, enquanto José Eugênio Soares, em menino, morou anos no próprio Copacabana Palace.

Não curemos do TJ-RJ – “Tratemos de coisas limpas, como homens de bem e de tino” –, como dizia Cândido de Figueiredo: por isso volto ao desembargador José Marcos Vieira para recomendar que sem embargo dos embargos, que não recebem a matéria, vistos os autos, cumpra o acórdão embargado e providencie sua aposentadoria para se dedicar exclusivamente à pintura. As belas-artes precisam do seu talento. Tenho dito e philosophado.

Revistas
Creio ter modéstia suficiente para saber que as revistas nunca foram planejadas e publicadas visando a me aborrecer. Editores, subeditores, equipes de reportagem e colaboradores não se reúnem para decidir o conteúdo da próxima edição com o propósito de aprontar 120 páginas que não interessem ao Eduardo: o público-alvo certamente é outro, mas fico chateado de não encontrar um só assunto que me interesse, ressalvado um dos cartunistas que tem traço e graça. Aí é que está: não basta o traço, é preciso que o cavalheiro tenha graça. O humor compensa o traço, ao passo que o bom traço nem sempre tem comicidade, crítica, graça.

Para complicar as coisas, dia desses o editorial de uma revista semanal, assinado pela editora, atropelou o português de maneira irremediável. Se os paramédicos no Samu estivessem na imensa oficina em que roda a revista não teriam condições de salvar o idioma, coitado. Nem se diga que o crime foi erro de digitação, coisa que acontece. Foi o sinal de que a situação está mesmo complicada, tanto assim que uma chamada de importante provedor para matéria que retratava linda odontóloga traficante de drogas e armas, com estoque de ambas em seu consultório, não se acanhou ao escrever que a loura dentista guardava quilos de cocaína e várias metralhadoras na clínica dela. Clíni...ca dela! E a odontotraficante ainda não faz parte da ABOV, Associação Brasileira de Odontologia Veterinária...

O mundo é uma bola

26 de dezembro de 1778: Inconfidência Mineira, reunião conspiratória em casa do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade. Inconfidência que nos remete aos feriados anuais de 21 de abril e à dolorosa distribuição de colares, comendas e medalhas em Ouro Preto. Duvido, mas duvide-ó-dó, que algum dos presos na Operação Lava-Jato não tenha comendas, medalhas, colares da Inconfidência. Todo bandido brasileiro tem.

Na solenidade ouro-pretana há o descompassado desfilar dos Dragões da Inconfidência, que não acertam o passo porque o brasileiro é pouco ou nada marcial, ao contrário dos alemães, dos russos, dos norte-coreanos e de tantos outros povos. Em Ouro Preto o problema é agravado pelo calçamento irregular. Dia 19 do mês passado tive a notícia, através do provedor Terra, de que os Dragões da Independência finalmente acertaram o passo em Brasília, DF. Quatro jovens militares do 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (1º RCG), oficialmente denominado Dragões da Independência, foram presos assaltando postos de gasolina. Sua missão é guarnecer as instalações da Presidência da República, realizar o cerimonial militar representativo da Capital do Brasil, contribuir para a formação do cidadão brasileiro, manter as tradições equestres da Cavalaria; participar de missões de garantia da lei e da ordem (GLO) etc. Deixo a análise dos assaltos a critério do leitor.

Em 1792, começa em Paris o julgamento final de Luís XVI. Em 1825, é aberto o Canal de Erie, que conecta o Lago Erie ao Rio Hudson, no estado de Nova York, como acabo de aprender. Em 1845, o Texas se torna o 28º estado norte-americano. Em 1898, Marie Curie anuncia a descoberta da pechblenda, uma variedade provavelmente impura da uraninita, mas a mesma fonte informa que a pechblenda foi descoberta por Antoine Henri Becquerel, motivo pelo qual o palpitante assunto deve ser estudado pelo pacientíssimo leitor.

 Ruminanças

“Navegar é necessário; viver, não” (Pompeu, 106-48 a.C.). 

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Natal - Eduardo Almeida Reis

O nosso Eike está de volta ao mundo empresarial associado a uma empresa sul-coreana especializada em medicamentos contra impotência


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 25/12/2014



Eike Batista planeja retorno com remédio para impotência. A chamada do provedor Terra pegou mal à beça, dando a entender que o rapaz nascido em Governador Valadares, MG, carente de potência sexual, planeja retornar à farra depois de tomar remédio para impotência. Na verdade, pelo bimbalhar dos sinos natalinos, nada melhor do que a notícia de que o nosso Eike está de volta ao mundo empresarial associado a uma empresa sul-coreana especializada em medicamentos contra impotência. Mais que o azulzinho, que só garante, quando garante, o pirilau em posição de sentido, o eikinho promete despertar o bilau adormecido para novas proezas inenarráveis, ainda e sempre muito mais importantes do que alcançar o posto de homem mais rico do mundo.

Só existe um homem mais rico do planeta, enquanto o eikinho fará milhões de homens mais felizes do mundo. A empresa C. L. Pharm, sediada em Seul, tem agora com o nosso Eike um “acordo de desenvolvimento” no valor de US$ 12 milhões para acabar de entupir a Terra de habitantes. Não há Estado Islâmico associado à Al-Qaeda que consiga degolar tanta gente.

Nova cruz
Influenciado pelas frases “vivendo a sua cruz”, “levando a sua cruz” e muitas outras que têm cruzes, cismei que cruz podia significar incumbência, missão, objetivo, mas errei feio. Ainda assim não vou perder a viagem e preciso contar ao leitor que as cruzes, transcritas do Google, ocuparam três páginas do computador com os respectivos desenhos coloridos. Só não encontrei a cruz que procuro e vou explicar no final deste belo suelto. O buscador tem a cruz heráldica, a cruz em trevo, a cruz da Ordem de Cristo de Portugal, a cruz recruzada, a cruz de Jerusalém, a cruz florenciada, a cruz bifurcada, a cruz de Malta, também conhecida como cruz de São João, a cruz ancorada, a cruz patonce, intermediária entre a cruz pátea e a florenciada, a cruz pátea, a cruz de Cantuária associada com a Igreja da Inglaterra, a cruz armênia, a cruz bordonada, a cruz potenteia, a cruz de Lorena, a cruz quadrática, que sofre de obesidade mórbida, a cruz românica de consagração, a cruz oca, que é uma cruz grega também conhecida como Gammadia, a cruz tetragâmica ou cruz Sérvia, a cruz de Santo André, a cruz nórdica ou cruz escandinava, a cruz ansata – tem cruzes à beça e à bessa, umas bonitas, outras horríveis. Vale consultar o Google.

Ficou faltando a cruz (aflição) do humor, que não tem representação gráfica porque é a cruz dos que se metem a escrever colunas de humor diárias, semanais ou mensais, com a obrigação de fazer graça e de tentar que o leitor ache graça. Normalmente o resultado é pavoroso e deveria ser proibido por lei. Engraçada é a reação dos cavalheiros que apitam nas redações de revistas e jornais: se o contratado faz uma coluna de humor, deve ter graça, portanto deixa pra lá pra ver como é que fica.
Antoine de Saint-Exupéry constatou: Seul l’esprit, s’il souffle sur la glaise, peut créer l’homme. Basta trocar l’homme por l’humoriste para constatar que só o espírito, soprando sobre o barro, pode criar um Twain, um Millôr, um Marquês de Maricá, um Barão de Itararé.

Oportunosa ensancha
Aproveito a edição de hoje, dia 25 de dezembro, para desejar sinceramente, ab imo pectore, aos leitores e a todos os que lhes são caros um ótimo Natal e um glorioso 2015. A situação vai melhorar, deve melhorar, tem que melhorar, até porque não pode piorar. E o pior é que pode: pense no Estado Islâmico, no Afeganistão, no Paquistão, na Venezuela, na Argentina, no México. Bimbalhemos os sinos, caro e preclaro leitor. Bimbalhando, pensemos num 2015 livre de boa parte das mazelas que nos afligem. Saúde e paz!

O mundo é uma bola
25 de dezembro de 800: Carlos Magno é coroado imperador pelo papa Leão III, dando início ao Sacro Império Romano-Germânico, cuja linha contínua de imperadores começou em 962, com Oto, o Grande. No ano 1000, é fundado o Reino da Hungria por Estêvão I. Em 1066, Guilherme da Normandia é coroado rei da Inglaterra na Abadia de Westminster. Em 1104, Constança de França divorcia-se de Hugo I, de Champagne, Troys e Blois, ao descobrir que ele tinha uma Rose. Dois anos depois, Boemundo I de Antioquia se casou com ela, que pariu Boemundo II de Antioquia. Que se pode esperar de uma senhora que se casa com um Boemundo? Que se pode esperar de uma senhora que se divorcia só porque seu marido e senhor tem uma Rose? Na capital de um estado muito conhecido nosso não restaria sem divórcio um só matrimônio entre os ricos e famosos se as senhoras seguissem o mau exemplo de Constança de França, que devia ter piolhos à beça e à bessa, banhando-se uma vez por ano. Mas hoje é Natal, dia de boas notícias. Li por aí que em 2015 teremos feriados a montões e a mancheias.

Ruminanças

“Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade / Nem veio, nem se foi: o Erro mudou. / Temos agora outra Eternidade. / E era sempre melhor a que passou.” (Fernando Pessoa, 1888-1935).

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Família - Eduardo Almeida Reis

Família é tudo aquilo que a gente chama de família. E não se fala mais nisso


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 24/12/2014



Em nosso idioma desde o século XIII, o substantivo feminino família veio do latim familìa,ae, que significava “servidores, escravos, séquito, casa, família”. Não me lembro quem foi que disse que “definir é limitar”, verdade que pode ser vista nas várias famílias que vemos por aí: de tipos, conjugal, de orientação, de palavras, de procriação, elementar, etimológica, extensa, ideológica, léxica, linguística, natal, nuclear, radioativa, a Santa Família e o fato de ser família, isto é, ser honesto, recatado.

Fernando Sabino, brilhante cronista, disse que crônica é tudo aquilo que a gente chama de crônica. Sua definição nos serve: família é tudo aquilo que a gente chama de família. No Congresso Nacional de um país grande e bobo há dois projetos de lei (PL) que vêm dando pano para mangas, um Estatuto da Família e um Estatuto das Famílias, nomes parecidos para propostas diferentes.
Na Câmara tramita o PL 6.583/13, Estatuto da Família, relatado pelo deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF), que define família como o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher por meio de casamento, união estável ou comunidade formada pelos pais e seus descendentes. No Senado tramita o Projeto de Lei Suplementar (PLS) 470/13, Estatuto das Famílias, que reconhece a relação homoafetiva como entidade familiar revendo o instituto da união estável e ampliando sua conceituação.

A partir daí a briga é muito divertida envolvendo bancada evangélica, bancada gay, bancada enrustida e outras bancadas, como se o país não tivesse centenas de coisas mais importantes com que se preocupar: PIB, violência, roubalheira, saúde, miséria, seca e os demais problemas que o leitor conhece de cor. Daí a sugestão que faço, com pureza d’alma, para adotarmos a definição de Fernando Sabino, mineiro de Belo Horizonte, amigo de infância de Ivo Pitanguy, tio de June Sabino: família é tudo aquilo que a gente chama de família. E não se fala mais nisso.

Dinamarca
Shakespeare (1564-1616) em Hamlet, sua peça mais estudada e representada até hoje, caprichou: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”, Ato I, Cena IV. A fotógrafa Benita Marcussen, de Copenhagen, na Dinamarca, que ainda é um reino, mostrou que a maluquice continua adiantada em seu país. Não basta ser maluco, é preciso mostrar a maluquice. Benita divulgou uma série de fotos baseada na vida de homens que vivem com bonecas de silicone, como informou o Daily Mail.
Com cabelos brilhantes e sedosos, maquiagens pesadas e peles perfeitas, as bonecas, em alguns casos, substituem a mulher na existência de homens dinamarqueses, que levam um estilo de vida diferente e inusitado (sic). A matéria vem com as fotos, como vi no provedor Terra e não tenho como estampar aqui, mas os dinamarqueses embonecados vêm com pseudônimos.

A fotógrafa conheceu esses homens através de fóruns na internet. Alguns têm na boneca a única companhia. Outros são casados e têm filhos. Há ainda aqueles que perderam um ente querido e usam a boneca para aliviar a dor da perda. Shadowman (pseudônimo) dorme ao lado de sua boneca Carly. Ela tem a pele mais macia e foi feita justamente para ser uma boneca companheira de cama. Shadowman é viúvo e usa a boneca para amenizar a falta que a mulher lhe faz.

Embora tenha muitos homens, a exposição de fotos também conta com mulheres que compram bonecas. Angela comprou a boneca Anna em 2014 e diz que, desde então, ela é a sua melhor amiga. Kharn, à direita numa foto em que aparece com os seus pais, tem 56 anos e encomendou a boneca Alektra baseado em uma atriz de filmes adultos norte-americanos. Kharn é divorciado há 20 anos e diz que não trata Alektra como namorada, mas gosta de tirar fotos ao lado da boneca. Afirma ainda que está à procura de um “verdadeiro amor”.

Depois que perdeu a mulher de câncer, Deerman diz que tentou conhecer outra companheira, mas não conseguiu esquecer a falecida. Por isso, comprou uma boneca semelhante a ela e vive a seu lado relembrando os momentos em que a mulher estava viva. A série Men & Dolls está em exposição na Dinamarca. As bonecas custam cerca de mil libras, algo como R$ 4 mil, e podem ser feitas sob encomenda, com as características escolhidas pelo maluco.

O mundo é uma bola

Oba!, véspera de Natal, é noite de reencontrar sua família, que deve ter, como todas as outras, primos chatos, tias complicadas, avós senis: ninguém escapa. Se há inventário, então, é hora de reencontrar inimigos ligados pelo sangue. No dia 24 de dezembro de 640 foi eleito o papa João IV. Em 1294 foi eleito o papa Bonifácio VIII. Em 1734 foram publicadas as Cartas Filosóficas de Voltaire, pensador supimpa. Em 1768 fundação em Lisboa da Imprensa Régia. Em 1779 a rainha Maria I funda a Academia Real de Ciências de Lisboa. Em 1878 elevação de Guarapari à categoria de município para alegria da mineiridade, que curte férias praianas dormindo em colchonetes e fazendo fila para comprar água mineral. Hoje é o Dia do Órfão.

Ruminanças
“Se não tivéssemos orgulho, não nos queixaríamos do orgulho dos outros” (La Rochefoucauld, 1613-1680).

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Genial - Eduardo Almeida Reis

"Como é possível que um homem ocupado como ele, namorador de muitas namoradas, ache tempo para ver filmes pornôs de 35 minutos?"


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 22/12/2014



Mais uma ideia genial de um philosopho amigo nosso: fará sucesso a tese de doutoramento do mestre em psiquiatria ou em psicologia que estudar as mentes a partir do tipo de e-mail que as pessoas repassam. O fenômeno que requer internet, computador individual, banda larga & Cia., é muito recente na história humana, mas já permite que se trace o perfil mental da maioria dos internautas.

Vejamos a partir de amigos meus, cavalheiros e damas da melhor supimpitude. Um deles, casado, fidelíssimo à primeira companheira, tem filhos e netos, é realmente genial em sua profissão, mas genial mesmo, e só repassa e-mails pornôs. Diagnóstico philosophico: lubricidade senil.

Outro amigo, vários casamentos, muitos filhos, dezenas de bandidos mortos a tiros em admirável serviço de profilaxia social a serviço da então gloriosa Polícia Civil de Minas Gerais, só repassa e-mails relacionados com medicamentos e procedimentos que asseguram a longevidade dos destinatários. São limões congelados e ralados, laranjas, copos de água em jejum, méis de abelhas africanizadas – é tanta coisa que o destinatário, seguindo a décima parte, fica maluco ou vive 300 anos.

Há mais um patrício, vários casamentos, atleta master, o que significa dizer idoso, ótimo escritor, ocupando cargo importantíssimo no serviço público mineiro, que acha tempo de remeter aos seus amigos, entre os quais tenho a honra de ter sido incluído, uma infinidade de e-mails da mais absoluta sacanagem. Um deles, que separei para ver qualquer dia, dura exato 35 minutos. Como é possível que um homem ocupado como ele, namorador de muitas namoradas, ache tempo para ver filmes pornôs de 35 minutos?

Dia desses mandou-me vídeo “imperdível” sobre motocicleta russa. Conhecendo-o bem, julguei tratar-se de moto imensa transportando 50 mulheres russas inteiramente nuas. Qual não foi minha surpresa ou descobrir que era mesmo a propaganda de moto militar russa, máquina genial. Vai a qualquer lugar, é muito leve, tração nas duas rodas. Se você encontra uma rocha vertical intransponível, pega a moto e carrega com uma só mão. Sobe e desce escadas normalmente. É desmontável em dois minutos, com poucas ferramentas, cabe em duas sacolas de lona que podem ser transportadas na mala de um carro pequeno. Realmente, coisa de gênio. Fico imaginando o excelente mineiro nascido na Lagoinha, em BH, montado numa daquelas motos, inteiramente nu, subindo na cama em que o espera uma das namoradas cheia de amor para dar.

Injustiça
Detesto cometer injustiças, mas admito que, sem querer, as tenho cometido. Fico desesperado e gostaria de correr atrás dos e-mails enviados, coisa impossível. Só me resta enviar outro e-mail aos destinatários pedindo desculpas e prometendo não repetir a dose. Hoje, por exemplo, repassei um e-mail à lista genteamiga com uma série de fotos lindas, paisagens, flores e pessoas, que recebi de um leitor. Em vez de simplesmente repassar, acrescentei usando a fonte 72, a maior aqui do computador, o seguinte philosophar: Nem só de Dilmas e Erenices é composto este planeta. Logo depois do encaminhamento me dei conta da injustiça: esqueci de incluir o nome de Ideli Salvatti. Falha imperdoável.

Pureza
Deuzamar de Jesus Lima – nome lindo! Deusa do Maranhão de Jesus, 58 anos, maranhense, empregada na casa da senhora Sheila Gama, ex-prefeita de Nova Iguaçu. Creio desnecessário dizer que a casa de Sheila fica na Barra da Tijuca, porque Nova Iguaçu é município ótimo para administrar e inimaginável para morar. Mulher do conselheiro Aluísio Gama, vice-presidente do Tribunal de Contas do RJ, Sheila assumiu a prefeitura em 2010, quando Lindbergh Farias foi eleito senador da República. Derrotado nas eleições de 2014 para governador do RJ, o senador embarcou num aeroplano dia 10 de novembro para descansar em Paris, que não é bobo de tirar férias em Nova Iguaçu.

Patroa exigente, a ex-prefeita irritou Deuzamar de Jesus, que misturou chumbinho, veneno raticida, ao remédio homeopático de Sheila, que foi parar na UTI do Hospital Pró-Cardíaco de Botafogo, padrão de excelência médica, salvo engano o mesmo que deixou morrer um cidadão enfartado conduzido à sua porta pelo motorista de um ônibus urbano. Enfim, o país é complicado. Ainda bem que o Lindbergh descansava em Paris.

O mundo é uma bola
22 de dezembro: faltam nove dias para acabar o ano e vêm por aí muitos feriados, além das férias que você não pode deixar de curtir. Deixe para descansar das férias a partir de março, que o país é grande e bobo. Em 1761, criação do Ministério da Fazenda no Brasil, ou, pelo menos, é o que consta da Wikipédia. Verdade ou engano, só uma coisa é certa: nunca, jamais, em tempo algum o Brasil teve à frente do MF um gênio tão extraordinário como o ministro Guido Mantega, economista de uma escola que só ele entende. Nelson Rodrigues dizia que para cada gênio há 10 milhões de imbecis. Guido modificou esse número, quando se sabe que no Brasil há 200 milhões de imbecis incapazes de entender a sua genialidade.

Em 1981, criação do estado de Rondônia onde existia o território federal do Guaporé. Rondônia têm fornecido ao Brasil uma safra extra ordinária de políticos, geralmente nascidos noutros estados. Em 1986, todos os trabalhadores brasileiros passaram a ter direito ao 13º salário, isto é, todos menos muitos.

Ruminanças
“O roubo de milhões enobrece os ladrões” (Marquês de Maricá, 1773-1848). 

Dilma deve a vitória à esquerda - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico - 22/12/2014

Dilma venceu a eleição ao assumir uma imagem de esquerda. Terá que conciliá-la com sua nova política econômica


As análises são quase unânimes: a eleição de 2014 marcou forte avanço conservador, não apenas no espectro político tradicional, em que a esquerda seria progressista e a direita, conservadora, mas também no campo dos costumes, no qual parlamentares opostos às novas formas de vida afetiva ganharam pontos. O desplante com que um deputado, useiro e vezeiro em hostilizar a liberdade pessoal, se permitiu usar a palavra "estupro" é significativo disso.
Mesmo assim, se Dilma foi reeleita, foi graças à esquerda. Não podemos, numa análise fria dos acontecimentos, ignorar este fato. Isso não quer dizer que foi a esquerda quem elegeu Dilma. Ela teve votos de famílias políticas bem variadas. Mas no momento decisivo, em que se formularam os argumentos decisivos para a reeleição, em que se construiu o imaginário que forjaria a unidade que a elegeu, o discurso foi de esquerda.
Dilma e seu governo não foram - nem são - de esquerda. Porém, na reta final da campanha, o que a levou à vitória foi uma sensibilidade deste lado político. Foi isso o que irritou tanto seus principais adversários. Possivelmente não foi tanto a forma, os "maus modos", o que os revoltou (a implacável "desconstrução" de Marina e, em menor escala, de Aécio), mas sim o conteúdo do que foi levantado contra ambos. Poderia ter sido mais leve; irritaria igual.
Campanha de Dilma foi mais à esquerda que seu governo







Pois onde esteve a esquerda na campanha? Na defesa dos programas sociais. Sim, Aécio fez bem em assumir o Bolsa Família. Foi o primeiro presidenciável tucano a fazê-lo de maneira decidida. Com isso, se não ganhou a eleição, teve uma votação consagradora e garantiu para o PSDB a liderança na oposição - uma posição que este ano até correu risco. Mas acontece que, no arsenal petista contra a miséria, o Bolsa Família foi cedendo lugar ao aumento constante do salário mínimo até o patamar constitucional, que aliás não é tão diferente do seu valor original na década de 1940. A franqueza de Arminio Fraga, ao dizer que seria difícil manter os aumentos reais do salário mínimo, pode ter custado votos ao candidato tucano.
Afirmei mais de uma vez que nem os tucanos queriam acabar com os programas sociais, nem os petistas destruir a economia: mas que cada lado tinha uma prioridade. Do lado tucano, a ênfase na racionalidade dos agentes econômicos, para promoverem o desenvolvimento, acarretava implicitamente a descrença na racionalidade dos movimentos sociais. Ora, o eixo do ataque "de esquerda" aos dois candidatos de oposição consistiu justamente nisso: nenhum deles teria compromisso prioritário com o combate à pobreza. Essa percepção emplacou.
Agora, dá para dizer que, com a nomeação para as pastas econômicas, foram plagiados os programas de Aécio e Marina, ou traída a esquerda que apoiou Dilma? Não. A economia é o meio imprescindível para as mudanças sociais que a candidata reeleita quer implantar. Se tiver de escolher entre o desenvolvimentismo praticado nos últimos anos e uma economia mais ortodoxa, ela optará pelo meio que preserve a capacidade estatal de investir no setor social - hoje, o segundo.
Dilma certamente tem suas preferências econômicas. Não são as do grande empresariado. Ela tentou adotá-las entre 2011 e 2014. Economista, ao contrário de Lula, suas convicções econômicas são mais fortes do que as do seu antecessor no cargo. Mas, mesmo assim, o crucial é a política social. Daí que faça sentido sacrificar certos anéis para salvar os dedos - abrindo mão de parte, ao menos, da política econômica Dilma 1.0 para garantir os recursos, tributários ou de capital, necessários para dar continuidade aos avanços sociais.
Fique muito claro: sem avanços sociais, adeus PT. Daí, o papel, necessário mas subordinado, da economia no segundo mandato. Num governo Aécio, Arminio seria, pelo menos nos primeiros tempos, o "chief minister". Já Dilma fez questão de não aparecer na posse de seus ministros da área econômica. Eles podem ter condicionado sua aceitação dos cargos à prévia aprovação, pelo Congresso, da mudança de metas na economia. Podem ter dito que não queriam misturar suas mãos pró-mercado com isso. Ela não teria como recusar essa limpeza prévia de terreno. Mas, de sua parte, Dilma deve ter querido mostrar que a nova política econômica é decisiva, porém só como meio, não como fim. Os fins continuam sendo sociais. Sem isso, o PT vira um PSDB.
Quer isso dizer que o poder está com a esquerda? Não, nem no sonho. Na verdade, a esquerda decidiu apoiar uma presidenta que valoriza os programas sociais, sim, mas não é propriamente de esquerda. Como Dilma vai conciliar uma certa austeridade na economia com investimentos sociais, não será simples. Mas este é o único caminho que faz sentido. Dilma e o PT sabem muito bem que, se for para agirem como agiram os últimos governos socialistas na Espanha e Portugal, ou está agindo o último na França, aplicando a política dos sonhos da direita... bem, esse será o melhor meio de perder as próximas eleições. Dilma e o PT têm que agir de outro modo. Isso vai requerer habilidade política? Toda a que conseguirem mobilizar.
Esse caminho pode dar errado, é claro. Mas a política é a arte de lidar com a quadratura do círculo. FHC e Lula foram mestres nisso. Na política, estica-se o limite do possível. Uma coisa é fato: os economistas têm razão em que não se pode ignorar o limite realista que é haver dinheiro para promover medidas sociais. Mas a novidade é que, em sociedades em intensa democratização, o que se dá pela inclusão dos mais pobres, também não é possível retroceder, sem causar problemas sérios.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br




domingo, 21 de dezembro de 2014

MARTHA MEDEIROS - Maria Adelaide

Zero Hora 21/12/2014

Já escrevi sobre o mendigo que encontrei em Lisboa, aquele que trata sua mendicância como um show de humor e aceita esmolas online, e hoje vou falar de Maria Adelaide, que conheci em Cascais.
Eram 15h e eu ainda não havia almoçado. Escolhi um restaurante simples, com mesinhas num calçadão. O lugar estava vazio, mas logo vi que se aproximava uma senhora de idade que gesticulava muito e abordava a todos. Cansada, sentou-se ao meu lado. Dois palmos separavam uma mesa da outra. Eu havia ganhado companhia.
Só que ela não comeu nada. Pediu apenas um uísque e a minha atenção: contou que havia sido uma famosa corretora, que ganhara muito dinheiro e perdera tudo, que fora amante de um homem casado por 20 anos, que já havia disputado corridas de carro, que havia aprendido a tourear, que estivera na inauguração de Brasília, que fora abençoada pelo Papa João Paulo II, que havia sido amiga íntima da fadista Amália Rodrigues, e eu ali, encantada com aquele personagem pronto, saído de um livro que não havia sido escrito – ainda.
Nem em tudo acreditei. O que me impressionou foi sua vitalidade: ela não parava de falar. Quando não era comigo, era com os pedestres que passavam. Para todos, tinha uma palavra. Para o turista que vinha de bicicleta: “Salta, não pode andar com isso no calçadão, ó pá”.
Para o casal de namorados: “Não confiem um no outro!”. Para o DJ que estava na janela de um bar: “Só ligue o som depois que me for!”. Ao garotão com o jeans rasgado: “Isso lá é roupa, menino?”. Mas sempre com um sorriso gigante no rosto, orgulhosa da própria inconveniência. Depois de cada abordagem, batia na própria coxa e dizia: Ssou humana, sou humana”. Seu bordão. “Sou humana.”
O pessoal logo entendia que era um personagem folclórico, mas, quando o assédio era infantil, o clima pesava. A cada criança que surgia, ela dizia aos pais: “Me empresta seu filho um bocadinho”. Os pais sorriam amarelo e afastavam os miúdos de seus braços, enquanto ela me confidenciava: “Enlouqueço com crianças”. Nunca havia sido mãe.
Pedimos a conta, paguei o uísque dela e mais uma vez me veio à cabeça a expressão “couvert artístico”, a mesma com que batizei aquela cena do mendigo na rua. Foi quando ela levantou, abriu sua bolsa e colocou em cima da minha mesa diversas folhas xerocadas onde apareciam fotos dela em Brasília, fotos dela com o Papa, com Amália Rodrigues, bilhetes pessoais, recortes de jornal. Um dossiê.
Só então perguntou o que eu fazia. Respondi que era escritora. Ela me deu um beijo no rosto como quem diz: boa piada! E se foi.
Dia seguinte, passei de bicicleta por ela em outra rua. Abordava os transeuntes, claro. Ao me ver, já começou: “Salta, salta!”. De repente, me reconheceu e apreensiva, perguntou: “Você não é escritora de verdade, é?”.


“Vai render apenas uma crônica, se você permitir”. Dada a permissão, continuei a pedalar até chegar aqui.

Sempre desconfiei - Eduardo Almeida Reis

"Temos agora a notícia de que o parasita Toxoplasma gondii pode ter infectado 60 milhões de pessoas nos Estados Unidos"


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 21/12/2014



Detesto gatos, mesmo conhecendo pessoas inteligentes que os adoram, vivem cercadas de gatos, só falam dos seus gatinhos. Jorge Pontual, jornalista competente, belo-horizontino nascido em 1948, recolheu um gato nas ruas de Nova York, cidade onde vive, e disse na tevê que não há coisa melhor no mundo do que dormir com o gatinho, que faz rom-rom perto do seu pescoço.

Temos agora a notícia de que o parasita Toxoplasma gondii pode ter infectado 60 milhões de pessoas nos Estados Unidos, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention. Conhecido como “parasita controlador de mentes”, há indícios de que o Toxoplasma gondii causa mudanças na personalidade comparadas com as doenças mentais, a esquizofrenia, o autismo e Alzheimer.

Bill Granath, professor de microbiologia da Universidade de Montana, diz que o parasita está vinculado aos suicídios e que as mulheres são mais vulneráveis: “Alguns estudos mostram como o parasita ataca certos nervos e manipula vários neurotransmissores, além de causar várias doenças mentais. Há relatórios na Dinamarca que mostram a correlação entre mulheres donas de gatos e vários problemas mentais”.

O Toxoplasma gondii também é vinculado aos suicídios cometidos pelos veterinários, embora não haja comprovação definitiva de que o fenômeno seja causado pelo parasita. De acordo com o médico veterinário Trevor Ferguson, o suicídio é um dos primeiros assuntos discutidos com os estudantes, já que a profissão tem o risco de contaminação por doenças transmitidas pelos animais, mas para ele é improvável que a doença esteja associada a essa patologia.

Nos roedores, o parasita cria um fenômeno chamado síndrome de atração fatal, que elimina o medo natural que eles têm dos gatos. Assim, eles são atacados pelos felinos, que são infectados pelo parasita: “É como se o parasita manipulasse o hospedeiro intermediário para aumentar seu poder de transmissão ao próximo hospedeiro” completa o pesquisador. E diz que os gatos são os animais de que os parasitas gostam mais, porque são a única espécie na qual eles podem fazer cópias de si mesmos. Os ovos dos parasitas ficam nas fezes dos gatos e os humanos costumam ingeri-los acidentalmente, seja manuseando a caixa de areia, seja por meio do ambiente.

Embora tenhamos que ficar em alerta, Granath diz não há razão para pânico. Tudo que precisamos fazer é limpar a caixa de areia e garantir que a carne esteja bem cozida antes de ser consumida. Donde se conclui, aduz aqui o philosopho, que as pessoas que adoram gatos não podem comer quibes crus nem o também delicioso steak tartare, o bife tártaro servido por aí.

Servir
Verbinho desgraçado é o servir, do latim servìo, is,ívi,ítum,íre 'ser ou tornar-se escravo, obedecer, sujeitar-se, servir', em nosso idioma desde o século 13. Tem um monte de acepções, uma porção de regências, serve apenas para complicar a vida de quem escreve para fora. Fujo dele, mas às vezes é difícil.

Na última investida, antes de publicar um texto encomendado com antecedência de 30 dias, pedi auxílio a um amigo professor de português, revisor das melhores publicações, autor de livros sobre a arte da escrita. Eis a lição: “A regência original era indireta: servir a, passando depois também a direta. Os bons escritores têm usado ambas. No próprio soneto de Camões o verbo está como transitivo direto: Jacó servia Labão, e logo indireto: servia ao pai. Vieira: Não são os discípulos os que servem ao mestre, e também Não são os enfermos os que servem o médico. Subtileza do idioma: O garçom serve o freguês (atende-o). O garçom serve ao freguês (atende-o, ou igualmente convém-lhe).

Por aí o caro, preclaro e paciente leitor pode perceber parte das dificuldades da escrita. Ainda outra dia, na televisão, ouvi um repórter dizer que “os jogadores proporam” em lugar de propuseram, que o administrador da fazenda de velho amigo dizia propunhetaram. Não troquei de canal porque o piloto Felipe Massa era um dos entrevistados e adoro automobilismo de competição. Entre os cavalheiros entrevistados havia um jogador de futebol chamado Souza, acho que do São Paulo e da seleção do Dunga, brasileiro de 26 anos que se expressa em bom português. Fiquei feliz de ver que nem tudo está perdido, mas continuo fugindo do verbo servir.

O mundo é uma bola
21 de dezembro: em 2012, pelo Calendário Maia, o mundo deveria ter acabado. Não acabou, mas anda perigando: basta ler os jornais. Em 235, foi eleito o papa Antero e já era o 19º da lista; em 1124, Honório II foi eleito o 164º papa. Em 1620, peregrinos do Mayflower desembarcam na costa atlântica da América do Norte a estabelecem um assentamento permanente onde hoje é a cidade de Plymouth. Em 1844, na região de Manchester, Inglaterra, os 28 tecelões de Rochdale estabelecem as bases do cooperativismo, sistema que só funciona por aqui tendo à frente um ditador. Em 2012, como vimos acima, foi o final do ciclo de 5125 anos do Calendário Maia. Hoje é o Dia do Atleta e cabe a pergunta: será que o Rio fica pronto para as Olimpíadas de 2016?

Ruminanças
“De todos os tipos de atletismo, o mais divertido é o sexual” (R. Manso Neto).